Teologia da Evangelização (132)

4.3.2.2. A gloriosa singularidade do Evangelho

A glória do Evangelho e da salvação é decorrente da Glória de Deus. O Evangelho é glorioso porque reflete a glória do Pai, do Filho e do Espírito Santo em Cristo, o Deus encarnado. O Evangelho deve começar sempre pela glória de Deus. Anunciar o Evangelho significa proclamar que Deus é glorioso e que esta glória nós vemos no unigênito do Pai. Sem a contemplação dessa glória jamais entenderemos o Evangelho e, por isso mesmo, jamais seremos salvos.

          Sem a percepção correta da glória de Deus em nossa salvação, terminamos por construir ídolos a respeito da satisfação humana e do bem-estar proporcionado pelo evangelho: A pregação torna-se um marketing de um Deus ausente reconstruído a fim de servir de paliativo para as carências modernas de consumir e se distrair de suas reais angústias. Evangelho esvaziado da glória de Deus não passa de um pobre evangelho que serve apenas para revelar o nosso distanciamento da verdadeira compreensão da plenitude da revelação bíblica.

          Percebam então, que a encarnação faz parte essencial do Evangelho porque, sem este ato de Deus, jamais haveria salvação para nenhum de nós. Evangelho sem cruz não é Evangelho. Na “rude cruz” vemos a santidade de Deus e o seu amor gloriosamente invencível.[1] A mensagem do Evangelho é, sem dúvida alguma, singular.

          Ninguém pode glorificar o Filho sem glorificar o Pai e ninguém pode glorificar o Pai sem glorificar o Filho. Ninguém pode dizer que crê em Deus em detrimento de Cristo. A suposta fé em Deus sem o reconhecimento da divindade de Cristo é uma grande e pecaminosa falácia.

          Não há outro caminho para o Pai senão por meio de Cristo. Foi o próprio Deus Pai Quem propiciou por meio de Seu Filho a nossa reconciliação com Ele.[2] O Filho é o único mediador competente para nos aproximar definitivamente do Pai. À indagação de Tomé, Jesus responde: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).

          Paulo declara a unicidade de Deus e do Mediador:“Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). “Sem Cristo, nunca veríamos a Deus por nenhum momento quer aqui ou na eternidade (…). Somente Ele torna conhecida a anjos e seres humanos a glória do Deus invisível”, exulta Owen[3]

          A glorificação começa pelo conhecimento salvador a respeito de Cristo. Isto ocorre pela graça: “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27). Jesus Cristo glorifica o Pai (Jo 17.4)[4] e o Pai glorifica o Filho (Jo 17.5).[5] O Espírito faz-nos confessar o senhorio de Cristo. “Por isso, vos faço compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma: Anátema, Jesus! Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo” (1Co 12.3).

No Evangelho temos a maturidade da revelação de Deus iniciada na Lei: Lei é graça. Em Cristo temos a Palavra final da graça.

      Calvino comenta:

A glória da lei é abolida quando produz o evangelho. Assim como a lua e as estrelas, ainda que elas mesmas brilhem e espalhem sua luz sobre todo o orbe, todavia desvanecem diante do brilho mais intenso do sol, assim também a lei, não obstante ser gloriosa em si mesma, não resplandece em face da maior grandeza do evangelho.[6]

          A glória de Deus é totalmente invisível a nós, até que resplandeça em Cristo.[7] “A glória de duas naturezas de Cristo numa única pessoa é tão grande que o mundo incrédulo não pode ver a luz e a beleza que irradiam dela”, interpreta Owen.[8] O Evangelho consiste no anúncio da grandeza e majestade de Deus e como podemos conhecê-lo em Cristo Jesus.

          A mensagem do Evangelho não permite sínteses ou adaptações: O Evangelho ou é glorioso em sua singularidade ou não é Evangelho. O Evangelho revela a glória de Cristo: o Deus encarnado que deu a sua vida pelo Seu povo a fim de que agora, restaurado à comunhão com Deus pudéssemos viver para a glória de Deus. “O alvo da pregação é a glória de Deus refletida na submissão prazerosa do coração humano”, pontua Piper.[9]

Quando barateamos o Evangelho o estamos esvaziando do seu sentido glorioso e majestoso, o transformando em uma mensagem de auto-ajuda[10] ou num atalho espiritual para as pessoas se sentirem melhor sem de fato resolverem seu verdadeiro problema: a relação correta com Deus.[11] Portanto, não há autênticos substitutos para o Evangelho; haverá sempre o perigo de substituir a verdadeira mensagem de salvação proveniente do próprio Deus por nossos paliativos que apenas mascaram temporariamente as nossas verdadeiras carências.

Quando Cristo voltar, só serão admitidos nas Bodas do Cordeiro, aqueles que foram vestidos com as vestes da justiça de Cristo (Mt 22.1-14). Sem elas revelamos apenas os trapos e imundícias de nossos pecados: “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam” (Is 64.6).

          A pregação sempre envolve a proclamação da grandeza gloriosa das perfeições de Deus. “Evangelismo sempre requer a pregação dos atributos de Deus (…). A exaltação do caráter de Deus é essencial para que Deus possa ser honrado em nossa pregação”, enfatiza Chantry.[12]

          O Evangelho é glorioso porque revela a gloriosa perfeição de Deus manifestada em Cristo. Insisto: Não existiria Evangelho sem a encarnação: “A Encarnação, este milagre misterioso do coração do Cristianismo histórico, é o ponto central do testemunho do Novo Testamento”, afirma Packer[13]

Lembremo-nos:“Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai, como o Filho” (2Jo 9).

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A cruz supera o obstáculo objetivo, externo, da oposição da justiça de Deus ao orgulho humano, e supera o obstáculo subjetivo, interno, de nossa oposição orgulhosa à glória de Deus. Fazendo assim, a cruz se torna a base da validade objetiva da pregação e a base da humildade subjetiva da pregação” (John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação,  São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 29).

[2]“Às vezes os nossos hinos podem ser até perigosos, e há alguns deles que podem levar-nos à conclusão de que o Filho de Deus tem que pleitear com o Pai para que tenha misericórdia e piedade de nós. Mas isso é uma grosseira incompreensão do termo ‘Advogado’, é uma coisa absolutamente alheia ao ensino bíblico. Ao contrário, a Bíblia ensina que ‘Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados’ (2Co 5.19); ‘Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito…’ (João 3.16). Tudo vem de Deus. Portanto, essa  ideia de que o Senhor Jesus Cristo tem que lutar para conseguir a duras penas persuadir Deus o Pai a nos perdoar e a nos aceitar é completamente antiescriturística e inteiramente falsa; a fonte e origem da salvação é o grande e eterno coração de Deus” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, p. 59).

[3] John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 17.

[4] “Eu te glorifiquei (doca/zw) na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4).

[5]“E, agora, glorifica-me, (doca/zw) ó Pai, contigo mesmo, com a glória (do/ca) que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.5). (Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Tua Palavra é a Verdade, Brasília, DF.: Monergismo, 2010).

[6]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.10), p. 72-73.

[7] Veja-se: João Calvino,Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 1.3), p. 33-34.

[8] John Owen, A Glória de Cristo, p. 24.

[9] John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação,  São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 25.

[10] “A Bíblia não é um livro de auto-ajuda, antes é a Palavra de Deus para juízo e salvação, um meio de graça que cria tanto o arrependimento quanto a fé” (Gene Edward Veith, Jr, De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 9).

[11] “Ser salvo não é primariamente ser feliz, não é primariamente ter uma experiência; a essência da salvação é que estamos na correta relação com Deus” (David M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006, p. 8).

[12] Walter J. Chantry, O Evangelho de Hoje: Autêntico ou Sintético?, São Paulo: Fiel, 1978, p. 22.

[13] Encarnação: In: J.I. Packer, Teologia Concisa,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 99.

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