Teologia da Evangelização (68)

e. Selados em santidade (Continuação)

A piedade autêntica, por ser moldada pela Palavra, traz consigo os perigos próprios resultantes de uma ética contrastante com os valores deste século: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente (eu)sebw=j)[1] em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3.12). No entanto, há o conforto expresso por Pedro às igrejas perseguidas: “….o Senhor sabe livrar da provação (peirasmo/j = “tentação”) os piedosos (eu)sebh/j)….” (2Pe 2.9).

          A piedade deve estar associada a diversas outras virtudes cristãs a fim de que seja frutuosa no pleno conhecimento de Cristo (2Pe 1.6-8).[2] A nossa certeza é que Deus nos concedeu todas as coisas que nos conduzem à piedade.

Ele exige de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da salvação”[3] e que não negligenciemos os “meios de preservação”.[4] Portanto, devemos utilizar de todos os recursos que Deus nos forneceu com este santo propósito: “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (e)use/beia), pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).[5]

          A piedade como resultado de nosso relacionamento com Deus deve ter o seu reflexo concreto dentro de casa, sendo revelada por meio do tratamento que concedemos aos nossos pais e irmãos: “….se alguma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiro a exercer piedade (eu)sebe/w)para com a própria casa e a recompensar a seus progenitores; pois isto é aceitável diante de Deus” (1Tm 5.4).[6] Se até mesmo os próprios descrentes assim procedem, como um cristão poderia ter um padrão menor? (1Tm 5.4,8,16).

          Nunca o nosso trabalho, por mais relevante que seja, poderá se tornar em um empecilho para a ajuda aos nossos familiares. A genuína piedade é caracterizada por atitudes condizentes para com Deus (reverência) e para com o nosso próximo (fraternidade).

          Curiosamente, quando o Novo Testamento descreve Cornélio, diz que ele era um homem piedoso (Eu)sebh/j) e temente a Deus (…) e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus”(At 10.2).

          A piedade é uma relação teologicamente orientada do homem para com Deus em sua devoção e reverência e, a sua conduta biblicamente ajustada e coerente com o seu próximo. A piedade envolve comunhão com Deus e o cultivo de relações justas com os nossos irmãos. “A obediência é a mãe da piedade”, resume Calvino.[7]

          Ao mesmo tempo, o Senhor Jesus Cristo é poderoso para nos socorrer em nossas tentações (1Co 10.13):[8] “Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso (du/namai) para socorrer os que são tentados” (Hb 2.18). (Ver também: Hb 4.15; Jd 24; 1Pe 1.5).[9]

            O Espírito aplicou os méritos salvadores de Cristo em nosso coração, e nos preserva íntegros até o fim. Nele fomos “selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Pelo fato do Espírito ser Santo, Ele nos quer preservar em santidade até o dia da redenção (Ef 1.13-14). Deus quer nos guardar tal qual Ele é, em santidade. Foi com este propósito que o Filho morreu por nós e, por meio de seu Espírito, nos preserva (Ef 5.25-27).[10]

          Beeke e Jones, escrevem:

O cultivo da piedade está preeminentemente ligado aos meios de graça. Em suma, piedade significa ter a experiência da santificação como uma obra divina e graciosa de renovação, expressada em arrependimento e justiça que progride por meio de conflitos e adversidades, seguindo o modelo de Cristo durante toda a vida do crente, na expectativa do dia quando a piedade se tornará perfeita na santificação eterna no céu.[11]

          Pedro encerra a sua carta dizendo: “Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno”(2Pe 3.18).

          Portanto, temos nesta doutrina um motivo de conforto e desafio. O desafio é vivermos a intensidade da vida cristã em obediência, no conforto de que é Deus mesmo quem nos preservará até o fim.[12] 

Maringá, 17 de setembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Este advérbio só ocorre em dois textos do Novo Testamento: 2Tm 3.12; Tt 2.12.

[2]“Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade (e)use/beia); com a piedade (e)use/beia), a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.5-8).

[3] Catecismo Menor de Westminster,Perg. 85.

[4] Confissão de Westminster,XVII.3.

[5]Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata,São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.

[6]“Seria uma boa preparação treinar-se para o culto divino, pondo em prática deveres domésticos piedosos em relação a seus próprios familiares” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.4), p. 131).

[7] John Calvin, Commentaries of the Four Last Books of Moses, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries, v. 2), 1996 (Reprinted), v. 1, (Dt 12.32), p. 453.

[8]“Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças (du/namai); pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais (du/namai) suportar” (1Co 10.13).

[9] “Porque não temos sumo sacerdote que não possa (du/namai) compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15). “Ora, àquele que é poderoso (du/namai) para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!” (Jd 24-25). “Que sois guardados pelo poder (du/namij) de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5).

[10]“Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, 26 para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, 27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-27).

[11]Joel R. Beeke; Mark Jones, orgs. Teologia Puritana: Doutrina para a vida,  São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1201.

[12] Anthony Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 262-263.

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