Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (4)

2.1. A Ideia Bíblica de eleição: Considerações gramaticais

                                                                                                                                                        

A Bíblia apresenta a eleição em mais de um sentido, não simplesmente dentro de um teor teológico-redentivo. Vejamos, então, como isso ocorre.

 

2.1.1.No Antigo Testamento

 

A principal palavra usada no Antigo Testamento para designar eleição é o verbo rAhfB (“Bãhar”), que significa, “escolher”, “eleger”, “decidir por”, etc. O verbo e os seus derivados ocorrem 198 vezes no Antigo Testamento,[1] havendo o predomínio do seu emprego na modalidade “qal”, (146 vezes)[2] que indica uma ação completa.[3] O verbo é usado cerca de 100 vezes referindo-se a Deus como sujeito da ação.[4]

 

“Bãhar”, apesar de não ser necessariamente teológico, apresenta sempre a ideia de uma escolha criteriosa, bem pensada –– daí, também o seu sentido de “testar”, “examinar” (Is 48.10; Pv 10.20) –, levando em consideração as opções (1Sm 17.40; 1Rs 18.25; Is 1.29; 40.20); o que não significa, como veremos, que as escolhas humanas sejam sempre as melhores. Seguem abaixo algumas das formas como “Bãhar” é usado:

 

1) Sentido geral

1) Escolha de homens para a guerra: Ex 17.9; Js 8.3.

2)    Escolha de pedras para a funda: 1Sm 17.40.

3) Escolha das esposas: Gn 6.2.

4) Escolha da oferta para o sacrifício: 1Rs 18.23,25.

5) Escolha de madeira para a confecção de um ídolo: Is 40.20.

6) Escolha dos ídolos feita pelos homens: Jz 5.8; 10.14/Dt 30.19; Js 24.15; Is 41.24. Essa escolha envolve desobediência a Deus (Is 65.12), optando pelo seu caminho prazeroso e pecaminoso (Is 66.3).

Wildberger comenta:

A eleição de outros deuses e de outro culto é certamente uma possibilidade inerente à liberdade de Israel e à liberdade dos homens; enquanto tal, se irá convertendo em realidade, que leva à autodestruição. A liberdade de realizar uma eleição deste tipo significa a possibilidade de fracassar.[5]

 

7) Escolha de um rei feita pelo povo: 1Sm 8.18;12.13.

8) Escolha entre várias possibilidades: 2Sm 19.38; 24.12.

9) Escolha do lugar da sua habitação: Gn 13.11.

10) Escolha dos juízes: Ex 18.25.

 

2. Sentido Teológico e Teocêntrico

1) Deus escolhe pessoas individualmente: Ne 9.7; Sl 78.70; 89.3; 105.26; 106.23; Ag 2.23.

2) Deus escolhe Israel para ser o Seu povo: Dt 7.6,7; 10.15; 14.2; 1Rs 3.8; Sl 135.4/Is 65.9,22. A eleição de um povo se constitui em algo novo dentro das religiões do antigo Oriente. A posição ocupada por Israel em relação a seu Deus é singular; nunca se ouviu falar desta relação entre os outros povos e os seus deuses.[6] Mesmo o povo estando no exílio babilônico, Deus confirma a Sua eleição (Is 41.8-9; 43.10).

3) Deus escolhe a Tribo de Levi e Seus sacerdotes: Dt 18.5; 21.5; 1Sm 2.28; 1Cr 15.2;16.41.

4) O homem escolhe servir a Deus: Js 24.22/Dt 30.19; Js 24.15. Mediante a instrução do Senhor (Sl 25.12); seguindo o caminho dos Seus juízos (Sl 119.30,173). “Dentro do pluralismo das religiões, Javé não é uma das muitas possibilidades que se oferecem ao homem piedoso. Israel não deve eleger a Javé, senão reconhecer que foi eleito por Ele”, pontua H. Wildberger.[7]

5) A escolha de um rei: 1Sm 10.24; 2Sm 6.21/1Sm 16.8-10; 1Rs 8.16;11.34; 1Cr 28.5.

6) A escolha de Jerusalém para ter o Templo: Dt 12.5,11, 14, 18,21,26; 14.23-25; 16.6,7; 18.5,6; 26.2/1Rs 8.16,44,48; 11.13,32,36; 14.21; 2Cr 6.34,38; 12.13.

7) A escolha do Messias: Is 42.1; 43.10/Sl 89.19.[8]

 

A escolha do Messias deve ser entendida dentro da economia da salvação, referindo-se ao ofício do Filho, o qual traz alegria na concretização do propósito salvador de Deus:[9] “O meu escolhido, em quem minha alma se compraz” (Is 42.1/Mt 3.17).

 

***

Concluindo este tópico, insistimos no ponto: a maioria dos casos onde ocorre “Bãhar”, a ênfase recai na ação de Deus: Deus é o Sujeito; é Ele Quem elege; a qualidade do escolhido não é mencionada – porque de fato não há –, para que não dê ocasião à suposição equivocada de que Deus escolheu o Seu povo devido aos seus méritos. Assim, a relação entre Deus e o Seu povo escolhido, encontra a sua única justificativa – dada pelo próprio Deus –, no Seu eterno amor. (Dt 7.6-8). De fato, “O amor que Deus nutre por nós é sem paralelo”.[10]

 

 

Fortaleza, 31 de março de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

Leia esta série completa aqui.

 


[1]Veja-se: John N. Oswalt, Bãhar: In: R. Laird Harris, et al. eds. Theological Wordbook of the Old Testament, 2. ed. Chicago: Moody Press, 1981, v. 1, p. 100; G. Quell, E)kle/gomai: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 146.

[2]Cf. H. Wildberger, Elegir: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 409a.

[3] Cf. A.B. Davidson, An Introductory Hebrew Grammar, 24. ed. Edinburgh: T. & T. Clark, (Revised Throughout by John Edgar McFadyen), (Reprinted), 1934, § 20, p. 71-72.

[4] Veja-se tabela de sua utilização em H. Wildberger, Elegir: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 409; G. Quell, E)kle/gomai: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 146.

[5] H. Wildberger, Elegir: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 436.

[6] Veja-se: H. Wildberger, Elegir: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 418.

[7] H. Wildberger, Elegir: In: Ernst Jenni; Claus Westermann, eds. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978, v. 1, p. 438.

[8] Veja-se, W. S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1978, p. 829.

[9] Veja-se, J. Murray, Elect, Election: In: M.C. Tenney, ed. ger. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible, 5. ed. Michigan: Zondervan, 1982, v. 2, p. 271.

[10]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 90.16), p. 442.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *