O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (30)

5.1.4. Deus nos concede sabedoria por meio da Palavra (Continuação)

O apóstolo Paulo é um exemplo positivo disso. Ele desejava muito visitar os crentes romanos; orava por aqueles irmãos. Enquanto isso, imaginava quando estivesse com eles, levaria uma mensagem instrutiva  e um compartilhar da fé edificante e confortador.

Por volta do ano 57 A.D., estando em Corinto, escreve:

Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, é minha testemunha de como incessantemente faço menção de vós 10em todas as minhas orações, suplicando que, nalgum tempo, pela vontadede Deus, se me ofereça boa ocasião de visitar-vos.  11 Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados,  12 isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha.(Rm 1.9-12).

     Nesta ocasião Paulo acredita ter uma boa oportunidade de visitar Roma. Contudo, antes deve passar pela Judéia para levar as ofertas para os santos dali. Sua trajetória seria arriscada visto ter muitos inimigos na região. Ele então pede aos crentes romanos:

30 Rogo-vos, pois, irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo e também pelo amor do Espírito, que luteis juntamente comigo nas orações a Deus a meu favor, 31 para que eu me veja livre dos rebeldes que vivem na Judéia, e que este meu serviço em Jerusalém seja bem aceito pelos santos; 32 a fim de que, ao visitar-vos, pela vontade   de Deus, chegue à vossa presença com alegria e possa recrear-me convosco. (Rm 15.30-32).

A nossa imaginação meditativa tende a moldar o nosso comportamento,[1] reforçando propósitos, enchendo-nos de uma alegre perspectiva de concretização do que cremos ser útil e edificante. Deus diz a Josué diante do desafio de conduzir o povo na terra prometida: “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita (hg’h’) (hãgãh) nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js 1.8).

O meditar na Palavra e nos feitos de Deus é uma prática abençoadora pelo fato de ocupar nossas mentes e corações com o que realmente importa: estimula a nossa gratidão e perseverança em meio às angústias.[2] Isto nos traz grande alívio.

Davi no deserto se confortava meditando nos feitos de Deus: “No meu leito, quando de ti me recordo e em ti medito (hg’h’) (hãgãh), durante a vigília da noite. Porque tu me tens sido auxílio; à sombra das tuas asas, eu canto jubiloso” (Sl 63.6-7/Sl 77.11-12; 143.5).

Meditar na Palavra tem o sentido de considerá-la em nossas decisões, refletir sobre os seus ensinamentos. Como temos insistido, a meditação deve modelar, corrigir e confirmar o nosso comportamento. A meditação aqui é uma exortação à assimilação existencial da Palavra a fim de que esta se evidencie em nossa prática.

Comênio  (1592-1670) define:

A meditação é a consideração frequente, atenta e devota das obras, das palavras e dos benefícios de Deus, e de como tudo provém de Deus (que opera ou permite) e de como, por caminhos maravilhosos, todos os desígnios da vontade divina são exatamente realizados.[3]

Esta sabedoria espiritual exige um laborioso processo de compreensão, entendimento e prática da verdade. Portanto, a nossa sabedoria consiste em nos submeter às Escrituras.

Martinho Lutero (1483-1546) constatou acertadamente: “Quão grande dano tem havido quando se tenta ser sábio e interessante sem ou acima da Escritura”.[4]

Paulo instrui à Igreja para que a Palavra de Cristo habite, se assenhoreie de nosso coração, nos dirigindo em nossa mútua instrução, com sabedoria, louvor e gratidão: Habite (e)noike/w),[5]  ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria (sofi/a), louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

Os efésios, conforme já mencionamos, eram crentes operantes em Cristo. Paulo ora no sentido de seu contínuo crescimento pela graça (Ef 1.17). Crescer na graça não significa crescer simplesmente em uma esfera de nossa existência, mas, em todas elas. Crescer na graça significa crescer em maturidade tendo como modelo perfeito o próprio Cristo, cuja mente é o nosso padrão.

O caminho da maturidade espiritual que se expressa em obediência, envolve, necessariamente, a prática de meditação sincera na Palavra.

Poythress é enfático:

Não há atalho para crescer no entendimento da Escritura e no entendimento de Deus que fala na Escritura. Cada aspecto do entendimento ajuda outro aspecto. É importante crescer, porque um entendimento profundo da Escritura é vital à medida que nos esforçamos para servir a Cristo criativamente em situações que a Bíblia não aborda diretamente. A Bíblia como a Palavra de Deus aborda todas as coisas, quer diretamente, quer na forma de implicação. Ele fala para toda a vida. Mas para ver como isso se dá, pode ser necessário reflexão e meditação.[6]

Maringá, 29 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1]“O coração do justo medita (hg’h’) (hãgãh) o que há de responder, mas a boca dos perversos transborda maldades” (Pv 15.28).

[2]“Quando formos premidos pela adversidade, ou envolvidos em profundas aflições, meditemos nas promessas de Deus, nas quais a esperança de salvação nos é demonstrada, de modo que, usando este escudo como nossa defesa, rompamos todas as tentações que nos assaltam” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 4), p. 89).

[3]João Amós Coménio,Didáctica Magna,3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1985), XXIV.7. p. 355.

[4]Lutero, Apud Phillip J. Spener, Mudança para o Futuro: Pia Desideria, Curitiba, PR.; São Bernardo do Campo, SP.: Encontrão Editora; Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996, p. 43.

[5] *Rm 7.17; 8.11; 2Co 6.16; Cl 3.16; 2Tm 1.5,14.

[6]Vern S. Poythress, O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 174.

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