O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (15)

B. Uma Proclamação Poderosamente Submissa e Inteligente (Continuação)

Portanto, como há outras vozes querendo nos afastar da verdade, apresentando um caminho que, à primeira vista, pode nos parecer mais convidativo e tentador, devemos perseverar no caminho da verdade. Paulo recrimina o esmorecimento dos gálatas que começando a crer corretamente na graça de Deus, agora, passam a viver, como se fosse possível, pelas obras. O legalismo judaico se constituía num impedimento aos judeus cristãos: “Vós corríeis bem; quem vos impediu (e)gko/ptw)[1] de continuardes a obedecer à verdade (a)lh/qeia)?” (Gl 5.7).

     Os falsos mestres, privados da verdade,[2] procuram desviar-nos da verdade pervertendo os ensinamentos da Palavra.

     Paulo cita dois falsos mestres de seu tempo, Himeneu[3] e Fileto, que, seguindo ensinamentos gnósticos, com uma linguagem corrosiva, eliminavam a esperança na ressurreição futura, pervertendo a fé de alguns:

Além disso, a linguagem deles corrói como câncer (ga/ggraina);[4] entre os quais se incluem Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade (a)lh/qeia), asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo (a)natre/pw = “arruinar”, “virar”[5]) a fé a alguns. (2Tm 2.17-18).

     A falsa doutrina é contagiante. Paulo  exorta a Tito com veemência  a respeito dos insubordinados, especialmente judeus: “É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo (a)natre/pw) casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1.11).

     Por causa dos falsos mestres o caminho da verdade será infamado. Escreve Pedro:

Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas (yeudoprofh/thj),[6]assim também haverá entre vós falsos mestres  (yeudodida/skaloj), os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas (a)se/lgeia), e, por causa deles, será infamado (blasfhme/w)[7] o caminho da verdade” (2Pe 2.1-2).

     Pedro diz que o presbítero como pastor do rebanho deve estar em condições de alimentar o seu rebanho com a Palavra e, também, saber combater àqueles que tentarão seduzir os fiéis com “palavras fictícias  (plasto/j)  (2Pe 2.3).

     O falso mestre é aquele que ensina a mentira, o engano: cria imagens que nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e, também, à viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo dissoluto e lascivo.[8] Por causa disso, o caminho do Evangelho seria caluniado, reprovado, “blasfemado”. 

     A mensagem desses falsos mestres consiste numa corrupção do Evangelho. Plasto/j parece ter o sentido aqui de palavras artisticamente elaboradas, moldadas, sugestivas, porém, falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que por isso mesmo estão em oposição à verdade.

     Curiosamente este é o termo de onde vem a nossa palavra plástico.[9] O ensino cristão envolve arte, mas não arte plástica para com a verdade.

     Nós cristãos, precisamos treinar os nossos ouvidos: “Porque o ouvido prova  (!x;B’)(bahan)(examina, testa prova) as palavras, como o paladar, a comida” (Jó 34.3/Jo 12.11).

São Paulo, 12 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]No seu emprego militar a palavra tinha o sentido de cortar uma árvore para causar um impedimento ou, abrir uma vala que obstaculizasse temporariamente o caminho do inimigo, daí a palavra tomar o sentido de “impedimento”, “empecilho”, “obstáculo”.

[2]“Altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade (a)lh/qeia), supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5).

[3] Paulo se referira a este como que alguém que naufragou na fé (1Tm 1.19-20).

[4]Esta palavra só ocorre aqui em todo o Novo Testamento. É deste termo que provém palavra gangrena.

[5] A palavra é usada no sentido literal Jo 2.15: “Em tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou (a)natre/pw) as mesas”.

[6] Jesus Cristo já nos alertara sobre eles. Vejam-se: Mt 7.15; 24.11,24; Lc 6.26. O apóstolo João falaria mais tarde de sua realidade presente (1Jo 4.1).

[7] O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de “injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”, “falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw = “injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/ = “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a entender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má reputação”, etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama” * 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8) (Eu)/ & fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos: “Nem a nobre palavra encobre a má ação, nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”. Paulo diz que o mal testemunho dos judeus contribuía para que os gentios blasfemassem o nome de Deus (Rm 2.24, citando Is 52.5). Compare este fato com a orientação de Paulo, 1Tm 6.1; Tt 2.5.

A falsa doutrina propicia a prática da blasfêmia (1Tm 6.3,4), bem como os falsos mestres (2Pe 2.1-2,10-12).

[8]A)se/lgeia ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mc 7.22; Rm 13.13; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.

[9]A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é plasto/j. A nossa palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticus), sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”.

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