Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (66)

5.8 A Santidade de Deus: reverência, confiança e santificação  (Continuação)

O conceito bíblico da santidade de Deus é único entre todos os povos. Essa é uma das peculiaridades maravilhosas de revelação de Deus preservada na religião judaico-cristã.

Os homens, das mais diversas culturas, jamais criaram, porque jamais pensaram no conceito de santidade divina. Por isso, não há “deuses” santos. Como escreveu Strauss (1899-1973): “Não há deus santo para Aristóteles nem para os gregos em geral”.[1]

Na Antiguidade, ainda que não isoladamente, encontramos um filósofo pagão que criticou com discernimento as práticas religiosas de seu tempo.  Xenófanes (c. 570-c.460 a.C.), faz uma crítica mordaz a Homero e Hesíodo, dizendo:

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas.

Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrárias às leis: roubo, adultério, e fraudes recíprocas.

Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, têm vestimentas, voz e forma semelhantes a eles.

Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria forma

Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem que têm olhos azuis e cabelos vermelhos.[2]

Essa sempre foi uma prática comum. O homem em sua pretensa autonomia jamais criará um Deus acima de seus projetos e ideais.

Santidade essencial e em tudo que realiza

Deus é intrinsicamente santo, do mesmo modo que é justo, bondoso e poderoso. A sua santidade é necessária e absoluta. A santidade, por sua vez, permeia com beleza de forma indissolúvel e essencial todos os atributos de Deus. A santidade não é mais um atributo, mas, aquilo que qualifica todo o ser de Deus.

Não há expressão em Deus que não seja santa. O seu amor é santo. A sua justiça é santa. A sua misericórdia é santa. Do mesmo modo, a sua ira é santa.

Assim, em todos os seus atributos vemos vislumbres da beleza de sua santidade. “A santidade é o padrão de todas as Suas ações”, resume Pink (1886-1952).[3]

A santidade de Deus consiste na harmonia perfeita e bela entre o ser de Deus e os seus atos. Deus sempre age em santidade.

Não há em Deus a perda de qualidade entre a sua natureza e seus atos. Deus age conforme Ele é; sempre em completa perfeita com a sua natureza santa.

Os homens são indesculpáveis

Evidências de sua gloriosa majestade estão espalhadas na Criação. Esses rastros fazem parte do testemunho voluntário de Deus a fim que o ser humano o conheça e o adore. Por isso os homens em sua rejeição contumaz, são indesculpáveis.

Preferem forjar seus deuses à sua imagem:

19Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. 20Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; 21porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato.  22 Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos  23e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. (Rm 1.19-23).[4]

Os homens em rebelião contra Deus, preferem negá-lo. Como é impossível fazê-lo, criam seus deuses conforme os seus desejos, um simulacro, uma caricatura do Senhor. Essas criações refletem os sonhos humanos e desejos humanos.

Maringá, 7 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Leo Strauss, Nicolás Maquiavelo: In: Leo Strauss y Joseph Cropsey, compiladores. Historia de la Filosofia Política, México: Fondo de Cultura Económica, © 1993, 1996 (reimpresión), p. 286.

[2]Xenófanes, Fragmentos, 11-16. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 32. Mais tarde, um escritor cristão do segundo século, fazendo uma apologia do Cristianismo – que estava sendo severamente perseguido durante o reinado de Adriano (117-138 AD), a quem destina o seu escrito –, critica o politeísmo grego: “Os gregos, que dizem ser sábios, mostraram-se mais ignorantes do que os caldeus, introduzindo uma multidão de deuses que nasceram, uns varões, outros fêmeas, escravos de todas as paixões e realizadores de toda espécie de iniquidades. Eles mesmos contaram que seus deuses foram adúlteros e assassinos, coléricos, invejosos e rancorosos, parricidas e fratricidas, ladrões e roubadores, coxos e corcundas, feiticeiros e loucos. (…) Daí vemos, ó rei, como são ridículas, insensatas e ímpias as palavras que os gregos introduziram, dando nome de deuses a esses seres que não são tais. Fizeram isso, seguindo seus maus desejos, a fim de que, tendo deuses por advogados de sua maldade, pudessem entregar-se ao adultério, ao roubo, ao assassínio e a todo tipo de vícios. Com efeito, se os deuses fizeram tudo isso, como não o fariam também os homens que lhes prestam culto? (…) Os homens imitaram tudo isso e se tornaram adúlteros e pervertidos e, imitando seu deus, cometeram todo tipo de vícios. Ora, como se pode conceber que deus seja adúltero, pervertido e parricida?” (Aristides de Atenas, Apologia,I.8-9. In: Padres Apologistas,São Paulo: Paulus, 1995, p. 43-45).

[3]A.W. Pink, Os atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 42.

[4] Sproul comentando aspectos de parte dessa passagem, diz: “Deus não plantou indicativos esotéricos ao redor do mundo para que o homem precise de um guru para explicar que Deus existe; em vez disso, a revelação que Deus nos dá a respeito de si mesmo é manifestum – é clara. (…) Vemos claramente, mas não diretamente. (…) O caráter invisível de Deus é revelado por meio das coisas que podem ser vistas. (…) A Bíblia é clara em dizer que a revelação que Deus faz de si mesmo na natureza nos proporciona um verdadeiro conhecimento de seu caráter” (R.C. Sproul, Somos todos teólogos: uma introdução à Teologia Sistemática, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2017, p. 36-37) (Veja-se também: R.C. Sproul, Estudos bíblicos expositivos em Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 36-40).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *