“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (38)


 C) Jesus Cristo, a Palavra Encarnada e o seu poder libertador

Ainda que o Novo Testamento não afirme em lugar algum que Jesus Cristo seja o Libertador, o fato é que a tônica do seu Ministério é a libertação dos cativos (Lc 4.16-19). Esta libertação descrita no versículo 18 (a)/fesij = “remissão” Cf. Mt 26.28; Ef 1.7; Cl 1.14 etc.), foi efetuada por meio do derramamento de seu próprio sangue, conforme diz a Escritura: “Sem derramamento de sangue não há remissão (a)/fesij) (Hb 9.22). (Vejam-se, também: At 20.28; 1Co 6.20; 7.22,23; 1Pe 1.18,19).

            A liberdade descrita no Novo Testamento não depende da ação do homem, mas, sim, da obra de Cristo (Jo 8.36; Gl 2.4; 5.1), que nos outorgou o seu Espírito (Rm 5.5; 8.9; 1Co 3.16; 6.19; Ef 2.21,22). “Ora o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade” (2Co 3.17). A presença do Espírito em nós é o sinal da nossa adoção (Gl 4.4-7/Rm 8.9,14-16).

            A Palavra de Deus tem também um poder libertador. O problema desta declaração é o seu pressuposto extremamente ignorado e desagradável ao ser humano: a nossa condição de escravidão, distante de Deus e de sua Palavra. E é justamente isto que Jesus Cristo nos diz.

            Outra dificuldade na aceitação desta afirmação, é porque gostamos de afirmar a nossa liberdade e, de fato, além de gostar, nos sentimos livres. Essa é uma ilusão que gostamos de cultivar.

            Lloyd-Jones  (1899-1981) capta bem a trágica questão: “O homem do mundo se jacta da sua liberdade e fala sobre ‘livre pensamento’. A suprema realização do diabo consiste em persuadir o homem de que, justamente naquilo em que ele está mais estonteado e escravizado, é mais livre”.[1]

            Em outro lugar, Lloyd-Jones  destaca uma contradição comum em meio às crises:

Nós nos gabamos do nosso livre-arbítrio e ficamos ressentidos com qualquer sugestão ou ensino segundo o qual Deus deveria interferir nele de algum modo. E, no entanto, quando, em consequência do exercício dessa mesma liberdade, nos vemos frente aos horrores, dificuldades e sofrimentos de uma guerra, nós, como crianças ranhetas, bradamos nossos protestos e nos queixamos ferozmente contra Deus porque Ele não usou Seu poder onipotente e não impediu à força![2]

            De fato, a quimera que o pecado provoca nos faz pensar que somos livres e felizes e, que as consequências mais imediatamente percebidas de nossos pecados são preços baixos dentro do custo-benefício de nossa satisfação. Ledo engano: a satisfação provisória proporcionada pelo pecado além de circunstancial, nunca é plena, é apenas uma máscara, um simulacro da verdadeira alegria e satisfação proporcionadas por Deus por intermédio da obediência à sua Palavra.

            A mentira para ser eficaz tem que se parecer com a verdade, da qual ela quer assumir o lugar, passando-se por ela.[3] Da mesma forma, o pecado tenta se mascarar com boas intenções, com “qualidade total” ou nos dizer que o que fazemos é que é a liberdade total. “Talvez o traço mais característico do pecado seja o autoengano, uma relutância para reconhecer a tragédia de nossa situação”, acentua MacGrath.[4]

            A liberdade concedida por Cristo é recebida pelo conhecimento dele como nosso Senhor e Salvador (Jo 8.32/Jo 14.6). O conhecimento de Cristo já é uma revelação da graça de Deus: sem a obra do Pai e do Espírito, nós jamais o receberíamos como nosso Salvador (Mt 11.27; 16.16,17; 1Co 12.3).

            Na declaração de Cristo: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6), significa que temos nele a verdade epistemológica (Caminho); verdade ontológica ou metafísica (Verdade em essência) e a verdade existencial (Vida). Em Cristo temos o fundamento e modelo de interpretação e conhecimento da verdade. A verdade absoluta personificada e, a verdade que serve de padrão absoluto e final para a nossa existência.

            O apelo último da fé cristã é a autorrevelação de Deus em Jesus Cristo. O nosso apelo não é à razão ou à experiência, mas ao Deus encarnado. Nele, encontramos a Verdade e o sentido de todas as coisas.[5]

            Assim, podemos falar de dois aspectos básicos da liberdade concedida por Jesus Cristo, a Verdade Encarnada: a liberdade de e a liberdade para, que veremos a seguir.

Maringá, 15 de março de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]D. M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 76.

[2] David M. Lloyd-Jones, Por que Deus permite a Guerra? São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2009, p. 89-90.

[3] Veja-se: R.C. Sproul, Dizer a Verdade: In: Bruce H. Wilkinson, ed. ger. Vitória sobre a Tentação,2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, p. 120.

[4]Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 38.

[5] Veja-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo,  p. 24.

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