A Pessoa e Obra do Espírito Santo (72)

B) Perfeita e permanece para sempre (continuação)

                             O salmista exulta na perfeição dos mandamentos de Deus:

Tenho visto que toda perfeição tem seu limite; mas o teu mandamento é ilimitado. (Sl 119.96).

Quanto às tuas prescrições, há muito sei que as estabeleceste para sempre. (Sl 119.152).

As tuas palavras são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para sempre. (Sl 119.160).

    As “perfeições” humanas encontram o seu limite na própria limitação humana, bem como nos seus critérios. A minha obra não pode ultrapassar a minha estatura, quer seja técnica, quer seja moral. Mesmo a minha esperança, é delimitada pela minha percepção. Os nossos sonhos revelam muito sobre o que e como percebemos a realidade e o nosso ideário existencial e social.

   Todavia, a Palavra de Deus é infinitamente perfeita, tal qual o seu Autor. Esta perfeição ultrapassa os nossos critérios, a nossa lógica, a nossa vã filosofia por mais especulativa que seja. Só nos resta dizer como o salmista: “O teu mandamento é ilimitado”(Sl 119.96).

    Não há analogia que possamos fazer com a Palavra de Deus sem que diminuamos a sua excelência. Ela é ilimitada em sua perfeição. Por isso a sua perenidade e veracidade. Ela permanece para todo o sempre, não sendo alterada, nem precisando ser modificada, corrigida, diminuída ou suplementada (Mt 5.18; 1Pe 1.25). 

    Por isso mesmo, a exortação divina: “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando”(Dt 4.2).

    A Palavra de Deus com seus preceitos e promessas permanece para sempre nos conduzindo nesta vida e em segurança à eternidade. “O temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR é límpido e  permanece para sempre (d[;) (`ad) (perpetuamente) (Sl 19.9).

    “O temor do Senhor”, ressalta a resposta humana propiciada pela Palavra.[1] Ele é adquirido mediante o estudo piedoso da Lei. O objetivo de Deus por meio de sua Palavra é que sejamos conduzidos ao seu temor em obediência e amor[2] (Dt 31.11-12).[3] Devemos, não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.

    Satanás tem como alvo nos tornar arrogantes e autossuficientes, sem temor de Deus e tremor diante da sua Palavra (Is 66.5).[4]

    O temor do Senhor é libertador, porque nele, encontramos a alegria de servir ao Senhor e a libertação de outros temores que nos dominavam de forma escravizante e supersticiosa.[5]

    A Lei do Senhor reflete o Senhor que se manifesta na Criação com ordem e beleza. Por isso, após descrever esta sinfonia da Criação, o salmista afirma que, como não poderia ser diferente, “A lei do Senhor é perfeita (~ymiT’)(tamiym)….”(Sl 19.7).[6]

    A Lei do Senhor é perfeita, completa; abarca todas as nossas necessidades físicas e espirituais. Ela é suficiente para nos gerar de novo e para nos conduzir em nossa caminhada, em nossa santificação.

    Nada lhe escapa. Ela tem princípios que sendo seguidos, instruem, previnem e corrigem os nossos caminhos. “Ela não carece de nada que seja indispensável à perfeita sabedoria”, interpreta Calvino.[7]

    No caminho de Deus não há contradição. Por isso, as suas orientações são completas, sem mistura: “O caminho de Deus é perfeito (~ymiT’) (tamiym); a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam” (Sl 18.30).

    Quando assimilamos de coração a Palavra de Deus e a adotamos com integridade, independentemente das consequências e dos juízos dos outros, não teremos do que nos envergonhar.

    O salmista almeja viver conforme a integridade da Palavra, orando neste sentido: “Seja o meu coração (ble)(leb) irrepreensível (~ymiT’) (tamiym) nos teus decretos, para que eu não seja envergonhado” (Sl 119.80).

    Ainda que possamos, pela graça comum de Deus, encontrar aqui e ali entre os homens elementos de verdade que podem nos auxiliar a melhor compreender aspectos da realidade,[8] somente na integridade da Palavra temos o absoluto de Deus para todos os desafios próprios de nossa existência. Por isso, quem segue a Palavra de Deus  buscando praticá-la com integridade de coração será irrepreensível em seu caminho, em todas as circunstâncias.

    Este será bem-aventurado:

Bem-aventurados os irrepreensíveis (~ymiT’) (tamiym) no seu caminho, que andam (%l;h’) (halak) na lei do SENHOR  2Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições (hd'[e) (`edah) (= testemunhos) e o buscam (vrD) (darash)[9]  de todo o coração (ble)(leb); 3 não praticam iniquidade e andam (%l;h’) (halak) nos seus caminhos. (Sl 119.1-3).   

Maringá, 12 de dezembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Cf. Derek Kidner, Salmos 1-72: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1980, v. 1, p. 117; James M. Boice, Psalms: an expositional commentary,  Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 19), p. 171.

[2]“O grande fim de toda revelação é inspirar um louvor humilde e reverente a Deus” (John Stott, Salmos Favoritos, São Paulo: Abba Press, 1997, p. 24).

[3]11Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.  12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam (arey”) (yare) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei” (Dt 31.11-12).

[4] Cf.  Iain Murray, Como a Escócia perdeu sua firmeza na Palavra: In: John F. MacArthur, org.,  A Palavra Inerrante, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, [p. 149-171], p. 161.

[5] “Ao temermos a Deus, os outros temores desvanecem” (William Edgar,  Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã.  Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 38).

[6] Para uma abordagem mais detalhada da palavra, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Vivendo com integridade: um estudo do Salmo 15,  São José dos Campos, SP.: Fiel, 2016.

[7] João Calvino,O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 19.7), p. 424.

[8]Calvino em passagem magistral, escreveu:

     “Quantas vezes, pois, entramos em contato com escritores profanos, somos advertidos por essa luz da verdade que neles esplende admirável, de que a mente do homem, quanto possível decaída e pervertida de sua integridade, no entanto é ainda agora vestida e adornada de excelentes dons divinos. Se reputarmos ser o Espírito de Deus a fonte única da verdade, a própria verdade, onde quer que ela apareça, não a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus. Ora, nem se menosprezam os dons do Espírito sem desprezar-se e afrontar-se ao próprio Espírito.

     “E então? Negaremos que a verdade se manifestou nos antigos jurisconsultos, os quais, com equidade tão eminente, plasmaram a ordem política e a instituição jurídica? Diremos que os filósofos foram cegos, tanto nesta apurada contemplação da natureza, quanto em sua engenhosa descrição? Diremos que careciam de inteligência esses que, estabelecida a arte de arrazoar, a nós nos ensinaram a falar com razoabilidade? Diremos que foram insanos esses que, forjando a medicina, nos dedicaram sua diligência? O que dizer de todas as ciências matemáticas? Porventura as julgaremos delírios de dementes? Pelo contrário, certamente não poderemos ler sem grande admiração os escritos dos antigos acerca dessas coisas. Mas os admiraremos porque seremos obrigados a reconhecer seu profundo preparo.

      “Todavia, consideraremos algo digno de louvor ou mui excelente que não reconheçamos provir de Deus? Envergonhemo-nos de tão grande ingratidão, na qual nem mesmo os poetas pagãos incidiram, os quais têm professado que a filosofia é invento dos deuses, bem como as leis e todas as boas artes. Portanto, se esses homens, a quem a Escritura chama [psychikoús naturais, 1Co 2.14], que não tinham outra ajuda além da luz da natureza, foram tão engenhosos na inteligência das coisas deste mundo, tais exemplos devem ensinar-nos quantos são os dons e graças que o Senhor tem deixado à natureza humana, mesmo depois de ser despojada do verdadeiro e sumo bem. (João Calvino, As Institutas (2006), II.2.15). Veja um testemunho interessante: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 39; Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, com toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 64.

[9] A ideia básica do termo (vrD) (darash) é buscar com diligência. “Moisés diligentemente buscou (vrd) (darash) o bode da oferta pelo pecado….” (Lv 10.16). (Vejam-se mais detalhes em: Leonard J. Coppes, Dãrash: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 328-329).

     A palavra buscar além deste sentido (Lv 10.16; Sl 22.26; 24.6 [duas vezes]; Sl 53.3), pode ser traduzida por: Requerer (Dt 23.22; Sl 9.12); cuidar (Dt 11.12); investigar (Sl 10.4); se importar (Sl 10.13); esquadrinhar (Sl 10.15/Ec 1.12); procurar (Sl 77.2); considerar (Sl 111.2); empenhar-se (Sl 119.45); interessar-se (Sl 142.4).

     O ímpio por se considerar autossuficiente, não se importa com Deus. Parte do pressuposto de sua não existência, por isso mesmo, ele não examina a questão, não se empenha nem se interessa; esta é uma questão decidida: Não há Deus!

“O perverso ([v’r’) (rãshã’), na sua soberba, não investiga  (vrD) (darash);que não há Deus são todas as suas cogitações” (Sl 10.4).

     O não investigar (vr;D’) (dârash) significa não se importar, não buscar a Deus. O ímpio acredita não ter elementos suficientes para crer em Deus, contudo, paradoxalmente, sustenta ter razões suficientes para negá-lo. Deste modo, o ímpio está satisfeito com a sua conclusão gratuita e, arrogantemente propala isso  com palavras e atitudes, sendo a sua ideologia reforçada pela sua evidente prosperidade e impunidade que enchem os olhos dos menos avisados e também precipitados em suas conclusões: “São prósperos os seus caminhos em todo tempo; muito acima e longe dele estão os teus juízos; quanto aos seus adversários, ele a todos ridiculiza” (Sl 10.5).

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