A Pessoa e Obra do Espírito Santo (71)

    B). Perfeita e permanece para sempre

                          Embora o conceito remonte às décadas de 1920 e 1930, a primeira vez que vi a expressão “obsolescência programada”, foi em 1980, quando li o livro do “futurólogo” Alvin Toffler (1928-2016), O Choque do Futuro, publicado originalmente em 1970. Uma de suas frases bastante conhecidas e repetidas é: “A mudança não é simplesmente necessária para a vida – ela é a vida”.[1]

O conceito de obsolescência, bastante controverso, porém, em plena efervescência, consiste em produzir, desenvolver e vender produtos que se tornem obsoletos em determinados prazos, visando forçar o consumidor a adquirir um produto mais moderno, uma nova versão.

    Dentro de uma visão descartável das coisas, não foi difícil chegar à banalização da vida e da moral. Assim, muitos de nossos conceitos são perfeitamente descartáveis, valem, quando muito, para agora e, mesmo assim, em determinadas circunstâncias.

    Em outra ponta, devemos enfatizar que o homem, por sua vez, em sua efemeridade, tenta perpetuar conceitos seus, mas, que demonstram suas contradições e fraquezas.

Sociedade descartável

Vivemos em uma sociedade de valores descartáveis onde a obsolescência nem precisa ser programada. Ela ocorre com naturalidade. Nada é durável, exceto a sua transitoriedade.

Tudo à nossa volta se dissolve. O que tínhamos como porto seguro ontem, hoje já não é e. O que é, já está passando por transformações. As informações são múltiplas e, por vezes, contraditórias. Por isso, em meio a tantas informações e transições, sentimo-nos no hiato do que foi e do que virá. Falta-nos sabedoria para lidar com tudo isso, para decodificar o que realmente faz sentido e como nos portar diante da realidade. Estamos em uma sociedade gasosa, onde a efervescência das informações tendem a fazer nossos valores evaporarem.

    Nas Escrituras aprendemos que a verdade de Deus é atemporal! Ela não está restrita a determinadas épocas, culturas ou classes sociais, permanece como a verdade verdadeira que perdura no tempo e se perenizará na eternidade.

O obsoleto se torna assim, por vezes, por puro capricho nosso, nada existindo em sua essência que o caracterize como antiquado ou substituível. Da mesma forma, o antiquado de hoje pode, com frequência, tornar-se o ultramoderno de amanhã, apenas por uma nova vestimenta, modismos, publicidade bem-feita e jogo de marketing.

Como escreveu Nash (1906-2006):

Nada aconteceu com a verdade. Ela continua aí e ainda é a verdade. Mas muitas coisas aconteceram com os seres humanos que, em fins do século 20, ou perderam ou abandonaram suas faculdades críticas e se tornaram viciados nos padrões de pensamento que os move a dizerem coisas estultas sobre a verdade. A questão real é: o que aconteceu com a espécie humana no final do século 20.[2]

Confiar apenas em projetos dessa vida

    Vemos também que os homens tendem a colocar toda a sua disposição e projetos nesta vida, tão mutável e imprevisível, alienando-se de Deus e de sua Palavra, perdendo a dimensão do que realmente importa, do que é eterno. Daí Paulo, argumentando sobre a veracidade e importância da ressurreição de Cristo, dizer: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).

    A Palavra de Deus nos fala que Deus nos instrui, educa e dirige dentro de valores eternos que emanam de sua própria natureza eterna e perfeita.

    Assim, o contraste é estabelecido biblicamente:

O SENHOR frustra os desígnios (hc'[e) (etsah) das nações e anula os intentos  (hb’v’x]m;) (machashabah) dos povos. O conselho (hc'[e) (etsah) (caminho, concílio, desígnio) do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações. (Sl 33.10-11).

Muitos propósitos (hb’v’x]m;) (machashabah) há no coração do homem, mas o desígnio (hc'[e) (etsah) do SENHOR permanecerá. (Pv 19.21/Pv 16.1,9; Is 14.26-27).[3]

Relatividade dos conselhos

    Nem todo conselho é bom em si mesmo.  O conselho (hc'[e) (etsah) do ímpio é oposto ao conselho de Deus (Sl 107.11/Pv 1.25,30).[4]

No Salmo 1, o salmista estabelece o princípio orientador da agenda do ímpio e da agenda do santo. O contraste é feito entre o “conselho dos ímpios” e a “Lei do Senhor” (Sl 1.1-2).

Aqui temos algo fundamental: o que molda o pensamento do homem condiciona a sua vida![5] O que cremos determina a nossa forma de ver e atuar na sociedade.[6]

Agimos conforme cremos e pensamos. Portanto, a batalha espiritual está na escolha que o homem deverá necessariamente fazer entre o “conselho dos ímpios”e a “Lei do Senhor”

O Conselho que permanece é o do Senhor. Por isso, é “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1).

    Enquanto os incrédulos seguem o conselho dos ímpios, os fiéis se instruem na Lei do Senhor (hwhy>), aquele que é Autoexistente, Todo-Poderoso e Eterno. Por isso a exclamação do salmista: “…. Bem-aventurado é o povo cujo Deus é o Senhor (wyh'(l{a/ hw”ïhy]v,) (Sl 144.15).

Instrução com valor permanente e o esquecimento

A instrução de Deus tem valor permanente. O problema nosso, por vezes, como o de Israel no deserto, é que com muita facilidade nos esquecemos da Palavra, do Conselho de Deus. Ele é permanente, porém, a nossa fé, tende a ser provisória e ingratamente passageira: Rápida e prontamente nos esquecemos de Deus.

O salmista retrata a trajetória do povo no deserto:

10 Salvou-os das mãos de quem os odiava e os remiu do poder do inimigo. 11 As águas cobriram os seus opressores; nem um deles escapou. 12 Então, creram nas suas palavras e lhe cantaram louvor. 13 Cedo, porém, se esqueceram das suas obras e não lhe aguardaram os desígnios (hc'[e) (etsah); 14 entregaram-se à cobiça, no deserto; e tentaram a Deus na solidão.  15 Concedeu-lhes o que pediram, mas fez definhar-lhes a alma. (Sl 106.10-15).

O povo não confiou a ponto de esperar o cumprimento da promessa de Deus. Conhecimento e convicção, nem sempre se materializam em confiança concreta.

Maringá, 12 de dezembro de 2020. Rev. Hermisten Maia Pereira


[1] https://exame.com/negocios/futurismo-as-ideias-de-alvin-toffler/  (Consulta feita em 10.12.2020, às 15h14).

[2] Ronald H. Nash, Questões Últimas da Vida: uma introdução à Filosofia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 273.

[3]1O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do SENHOR.  (…)      9 O coração do homem traça o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos” (Pv 16.1,9).  “26 Este é o desígnio que se formou concernente a toda a terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações.  27 Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?” (Is 14.26-27).

[4]25 antes, rejeitastes todo o meu conselho e não quisestes a minha repreensão 30 não quiseram o meu conselho e desprezaram toda a minha repreensão” (Pv 1.25,30).

[5]Cf. Derek Kidner, Salmos 1-72: introdução e comentário, São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, 1980, v.  1, (Sl 1.2), p. 63.

[6] “As crenças (…) têm fundamental importância. Elas dão forma ao nosso universo mental e nos fornecem um mapa do mundo complexo e não raro desconcertante em que habitamos. As crenças dos cristãos lhes proporcionam uma estrutura basilar para a prática da fé. A convicção na esperança futura do céu, por exemplo, tem um impacto muito grande sobre sua atitude para com a vida e a morte. Além disso, faz uma diferença colossal na conduta e no modo de pensar deles” (Alister McGrath, Palavra do Editor: In: Alister E. McGrath; J.I. Packer, orgs., Fundamentos do Cristianismo: um manual da fé cristã,  São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 13).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *