A Pessoa e Obra do Espírito Santo (84)

1) O sentido de educar (Continuação)

OS SOFISTAS:[1]Pedagogia elitizada,[2] propícia e adequada apenas a quem pudesse pagá-los,[3] leia-se: “jovens ricos”,[4]  especialmente na Gramática, na Literatura, na Filosofia, na Religião e, principalmente na Retórica. Esses jovens, por sua vez, estavam ávidos por construir suas carreiras na vida pública, onde a oratória era, sem dúvida, indispensável.[5]

               Bréhier (1876-1952) resume:

A sofística, que caracteriza os últimos cinquenta anos do século V, não designa uma doutrina, mas uma maneira de ensinar. Os sofistas são professores que vão de cidade em cidade em busca de auditores e que, por preço convencionado, ensinam os alunos, seja por lições pomposas, seja por uma série de cursos, os métodos adequados a fazer triunfar uma tese qualquer. À pesquisa e à manifestação da verdade substitui-se a preocupação do êxito, baseado na arte de convencer, de persuadir, de seduzir.[6]

Partindo do relativismo e subjetivismo,[7] tinha como objetivo convencer,[8] persuadir o seu oponente independentemente da veracidade do argumento.[9]  No entanto, vale a pena levar em consideração a observação não solitária de Kenny: “A busca da verdade histórica sobre os sofistas não é mais recompensadora do que a tentativa de descobrir como eram o rei Lear ou o príncipe Hamlet antes de Shakespeare deles se apropriar”.[10]

ARISTÓTELES (384-322 a.C.): Formar homens moderados, que tivessem zelo pela ética e estética.[11]

ROMANOS: Educação eminentemente prática, preparando o indivíduo para servir ao Estado.

RENASCENÇA: Formar homens eruditos que soubessem ler e escrever em grego, latim e, em alguns lugares, também o hebraico,[12] tendo um estilo refinado, que pudessem contribuir para a criação do novo, tendo o homem como “medida de todas as coisas”. 

ATUALIDADE: Formar homens competitivos, que alcancem o sucesso a qualquer preço. Ao mesmo tempo, pessoas sensíveis e tolerantes que prezem uma liberdade, especialmente sexual, irrestrita, sem grandes preocupações com questões transcendentes ou, paradoxalmente, extremamente mística. É claro que isto sofrerá alterações em cada área de estudo e, também, será diferente entre os países, contudo, esta visão geral nos parece pertinente.

Maringá, 21 de dezembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]A palavra “sofista” provém do grego Sofisth/j, que é derivada de Sofo/j (= “sábio”). Originariamente, ambas as palavras eram empregadas com uma conotação positiva. É importante lembrar que foram os próprios sofistas que se designaram assim.

[2] “Já desde o começo a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas não era a educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma nova forma da educação dos nobres (…). Os sofistas dirigiam-se antes de mais nada a um escol, e só a ele. Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia dirigentes do Estado” (Werner Jaeger, Paidéia: A Formação do Homem Grego, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 236).

[3] Péricles (499-429 a.C.) deu uma Constituição democrática à Atenas. A vida política e civil da cidade tomou novos aspectos, despertando um novo interesse intelectual. A preocupação com a origem do mundo material, como vimos, que foi característica das épocas anteriores, cede lugar agora, à preocupação com o homem. Neste contexto surgiram os sofistas, eloquentes oradores, retóricos e fundamentalmente pedagogos itinerantes que tinham como meta a educação dos nobres (Cf. Werner Jaeger, Paideia: A Formação do Homem Grego, p. 236).

[4]Cf. Platão, Sofista,  São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 3), 1972, 222a-223b; 2312c-d. p. 144-146,156; Platão, Teeteto: In: Teeteto e Crátilo, Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, 167c-d; Platão, Górgias, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S.A., 1989, 317b; Platão, Crátilo: In: Teeteto e Crátilo, Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, 384b-c; 391b-c; Platão, Defesa de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 2), 1972, 19d-20a.

[5]Cf. Anthony Kenny, Uma Nova História da Filosofia Ocidental. Volume I – Filosofia Antiga, 2. ed. São Paulo, Loyola, 2011, p. 54-55.

[6]Émile Bréhier, História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977, I/1 p. 69-70.

[7]A Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa. Górgias dizia:

            “A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade (…) O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos (…) A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer (…) O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas” (Górgias, Elogio de Helena, 8, 14).

            “Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau” (Palavras de Protágoras, conforme, Platão, Teeteto, 166d).

            “Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as cousas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo” (Platão, Fedro, 267). Apud Platão, Teeteto: In: Teeteto e Crátilo, Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, 152a; 160c.  Citado também em Platão, Crátilo, 385e. Aristóteles (384-322 a.C.), diz: “O princípio (…) expresso por Protágoras, que afirmava ser o homem a medida (Me/tron de todas as coisas (…) outra coisa não é senão que aquilo que parece a cada um também o é certamente. Mas, se isto é verdade, conclui-se que a mesma cousa é e não é ao mesmo tempo e que é boa e má ao mesmo tempo, e, assim, desta maneira, reúne em si todos os opostos, porque amiúde uma cousa parece bela a uns e feia a outros, e deve valer como medida o que parece a cada um” (Aristóteles, Metafísica, XI, 6. 1 062). (Para consultar uma edição bilingue, grego-português, veja-se: Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Loyola, 2002. Disponível em: https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1332285/mod_resource/content/1/Aristoteles-Metafisica-Edicoes%20Loyola%20%282002%29.pdf) (Consultado em 20.12.2020). Platão diferentemente de Protágoras, entendia que a medida de todas as coisas estava em Deus. “Aos nossos olhos a divindade será ‘a medida de todas as coisas’ no mais alto grau” (Platão, As Leis, Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189).

[8] A retórica mantém estreita relação com os sofistas. Górgias (c. 483-c.375 a.C.), o sofista, disse que o objetivo da retórica é “pela palavra, convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho, os eclesiastas na assembleia e em todo outro ajuntamento onde se congreguem cidadãos” (Platão, Górgias, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S.A., 1989, 452e, p. 58-59). Desta forma, a capacidade do retórico era demonstrada na habilidade de “disputar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto” e isto se revelava na rapidez com que persuadia as multidões. (Platão, Górgias, 457a, p. 67). A essência da retórica de Górgias era persuadir (Platão, Górgias, 453a, p. 59-60; 455a, p. 64. Platão os denomina de sofistas porque em seus discursos e argumentações procuravam imitar os sábios a fim de persuadir seus ouvintes. (Platão, Sofista,  São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 3), 1972, 268b-c. p. 203). Nisso, a retórica sofista foi muito bem sucedida. (Veja-se: Armando Plebe, Breve História da Retórica Antiga, São Paulo: EPU; EDUSP., 1978, p. 21ss.).

[9] Vejam-se: Platão, Teeteto, 166c-167d; Sofista, 231d; Mênon, 91c-92b; Fedro, 267; Protágoras, 313c; 312a; Crátilo, 384b; Górgias, 337d; A República, 336b; 338c.

[10]Anthony Kenny, Uma Nova História da Filosofia Ocidental. Volume I – Filosofia Antiga, 2. ed. São Paulo, Loyola, 2011, p. 58.

[11] Aristóteles, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, V.2, 1130b 26-27. p. 324.

[12]O hebraico, que era então ainda mais ignorado do que o grego e o latim, foi também redescoberto. Surgindo, então, as famosas escolas que ensinavam os três idiomas – em Lovaina (1517), Oxford (1517 e 1525), Paris (1530) –, visando formar o “homo trilinguis” (Vejam-se: Jacob Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 154; Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Editorial Estampa, 1984, v. 1, p. 97). Posteriormente, a Academia de Genebra fundada por Calvino em 1559, passará a oferecer uma formação trilingue. Os alunos deveriam aprender além do Francês, o Latim e o Grego (Ford L. Battles, Interpreting John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1996, p. 62).

            Foi assim que foi elaborada a primeira gramática hebraica escrita por um cristão, Reuchlin (1455-1522), em 1506. Não devemos nos esquecer também, que é deste período a publicação da “Bíblia Poliglota Complutense” – recebendo este nome por ter sido impressa em Complutum, forma latina da atual Alcalá, Espanha, onde Ximenes fundou uma Universidade –, que continha o Antigo Testamento em 3 idiomas, formatado em três colunas paralelas: Hebraico, latim (da vulgata) e grego (da LXX), tendo, também, uma tradução latina interlinear. Na parte inferior da página, constava do Novo Testamento em grego e latim. Esta obra sendo promovida pelo Cardeal Francisco Ximenes de Cisneros (1437-1517), foi iniciada em 1502 sendo concluída em 1517 (O NT estava concluído desde 1514), sendo constituída por seis volumes. Apenas um detalhe: Ximenes de Cisneros, com amplo respaldo de Fernando e Isabel, foi responsável por um grande despertamento espiritual na Espanha e a moralização do Clero. (Cf.  W. Walker, História da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE., 1967, v. 1, p. 399-400).

            Façamos uma pequena digressão falando sobre Ximenes.

     Ximenes era da ordem dos Franciscanos, conhecido por sua austeridade e ascetismo. A sua influência aumentou quando, em 1495, contra a sua própria vontade, Isabel o fez nomear arcebispo de Toledo, o posto eclesiástico mais influente do seu reino. A sua nomeação veio por ordem direta do Papa Alexandre VI (1492-1503) (Cf. K.S. Latourette, Historia Del Cristianismo, 3. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, v. 1, p. 766).

     Ximenes mesmo ocupando este alto posto, continuou a sua vida ascética, dando o melhor de si para o aperfeiçoamento da vida moral e espiritual do clero espanhol, podendo contar para este fim, com o apoio total do papa e de Isabel. Neste seu trabalho, mais de mil monges deixaram a Península para não se submeterem à sua rígida disciplina.  (Cf. Williston Walker, História da Igreja Cristã, v. 1, p. 400. Quanto às suas outras realizações, vejam-se: Williston Walker, História da Igreja Cristã, v. 1, p. 400-401 e K.S. Latourette, Historia del Cristianismo, v. 1, p. 766-767). 

    O esforço de Ximenes alcançou bons resultados; se caracterizando por um reavivamento da teologia de Aquino e numa manifestação de zelo religioso que brotou no até então árido clero espanhol.

 Quanto à da “Bíblia Poliglota Complutense”, o papa Leão X só deu permissão para a sua circulação em 22/03/1520. Ao que parece, esta obra não chegou a Alemanha antes de 1522 e, Lutero não se utilizou dela para a sua tradução do Novo Testamento (Vejam-se mais detalhes em: W.G. Kummel, Introdução ao Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1982, p. 713-714; Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 107-108; E. Lohse, Introdução ao Novo Testamento, São Leopoldo, RS.: Sinodal, © 1972, p. 261; Hipólito Escolar, Historia del Libro, 2. ed. corregida y ampliada, Salamanca; Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez; Pirámide, 1988, p. 416ss.). Quanto à disposição das três colunas da obra: Hebraico, Latim e Grego, “Cisneros dizia que adotara esta disposição para recordar o lugar que a Igreja romana ocupava entre a sinagoga e a Igreja grega: posição análoga à do Cristo entre os dois ladrões!” (Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, v. 1, p. 98).

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