A Pessoa e Obra do Espírito Santo (65)

J. Justo e reto juiz  (Continuação)

                            Deus nos conhece perfeita  e completamente. No seu juízo, discerne o que pode haver de mais oculto em nosso coração. Enfatizamos: Davi não se julgava sem pecado, contudo, inocente das acusações que lhe fizeram. Por isso, pede a Deus que o julgue “segundo a minha retidão e segundo a integridade que há em mim” (Sl 7.8).

    Os atributos de Deus se completam em um todo perfeito e harmonioso. Ilustremos: Se o Senhor fosse apenas soberano, misericordioso, amoroso, etc., poderia, em seu julgamento, se tornar injusto pela incapacidade de discernir as particularidades e os princípios envolvidos em cada caso. Nem sempre conseguimos ser justos ainda que pretendamos.

Como conhecemos a realidade?

    Façamos uma digressão analisando como nós percebemos a realidade. Tendemos a pensar que o conhecimento que temos é natural, no sentido de que todos percebem como percebemos, daí a impressão equivocada, quase um senso comum,  de que a nossa forma de ver, perceber e interpretar a realidade é mais óbvia e, portanto, comum.

    Descobrimos a ilusão dessa percepção quando começamos a conversar com pessoas a respeito de temas que nos parecem óbvios. Não precisamos ir muito longe. Basta fazê-lo com nossos filhos. Já de início, para surpresa nossa, descobrimos que a nossa percepção estava equivocada.

    A nossa forma de conhecer é sempre mediata. Conhecemos através de intermediações. Ilustremos:

    A nossa miopia proporciona uma imagem embaçada das coisas; a surdez, que é naturalmente progressiva com o passar dos anos, não nos permite identificar determinados sons, por isso podemos fazer uma audiometria para verificar isso.

    O nosso paladar apresenta gostos diferentes conforme o que ingerimos antes.

    O aroma dos pratos amplamente apreciados pode nos causar enjoo se estivermos com problema de fígado.

    Se estivermos com dormência em nossas mãos, certamente teremos dificuldade de identificar a aspereza ou textura do que tocamos.

    Por isso é que a conjugação de nossos órgãos dos sentidos nos proporciona uma capacidade maior de compreensão, ainda que limitada.

    Por exemplo: É mais compreensível conversar com a pessoa diante de si do que simplesmente por telefone ou Zap.

Conjunção dos órgãos dos sentidos

    A nossa visão pode ser confirmada ou não conforme a possibilidade de tocar no objeto. A aparência pode ser contraposta ao aroma. Por isso podemos dizer: “Meu filho come com os olhos”; “a comida está feia, mas, está gostosa”; “o aroma não é agradável, porém, o sabor sim”.

    Devemos perceber também que, quando dirigimos, além de nossas mãos e pés para dar direcionamento ao veículo, lemos a realidade com os nossos olhos e nossos ouvidos. A visão é o principal meio nesse processo, porém, a audição nos auxilia em muito, especialmente no que concerne ao que está fora de nosso alcance visual. Alguns carros trazem um sensor que procura nos ajudar a dirigir acendendo uma luz quando há algum objeto estranho no “ponto cego”. Outros trazem ainda, sensores auditivos para reforçar a nossa visão do objeto; por isso, temos sensores dianteiros e traseiros em diversos carros.

    Desse modo, a nossa compreensão passa por diversas variáveis entre as quais apenas destaquei as sensoriais. E as mediações das visões que temos ou que nos são dadas pelo meio em que vivemos? Não posso seguir aqui essa linha de argumentação, porém, é oportuna a observação de Sowell:

Seria bom poder dizer que poderíamos prescindir completamente de visões e lidar somente com a realidade. Porém essa pode ser a visão mais utópica entre todas. A realidade é muito complexa para ser compreendida por qualquer mente. Visões são como mapas que nos guiam através de um emaranhado de complexidades desconcertantes.[1]

    Algumas vezes cometemos injustiças pela nossa precipitação, falta de informações ou, ainda que não faltem tais elementos, podemos ser conduzidos ‒ e como somos ‒, pela nossa passionalidade. Quão difícil é entender a nossa condição de suspeição para decidir determinadas questões. Como é difícil ser justo quando os nossos interesses, ainda que não necessariamente escusos, estão em jogo.[2] Por outro lado, como é fácil atribuir motivações santas aos nossos interesses e preocupações enquanto as motivações dos outros, aos nossos olhos tão perspicazes, estão sempre mescladas e manchadas daquilo que pode ser, na realidade, um exalar de nossos desejos ocultos. Tendemos a condenar nos outros os desejos que, com frequência, são nossos, mas, que não ousamos admitir. Os nossos juízos sobre os outros podem ser, com facilidade, uma expressão de nossas próprias falhas e valores equivocados e disfarçados.

    Conforme a cidade na qual o juiz vive, o fato de ser solteiro ou casado, ter filhos ou não, ser muito jovem ou mais maduro, ser um religioso “praticante” ou não, homem ou mulher, considerar o assunto de extrema relevância ou não etc., todos estes elementos podem interferir em sua sentença.

O fato é, que se assim não fosse, como explicar os pareceres tão divergentes tratando da mesma matéria, sob a perspectiva das mesmas leis, por parte dos juízes do Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do poder judiciário brasileiro?

    Os seus padrões, por mais objetivos que sejam refletem aspectos também de sua formação e vivência. Não estamos imunes a estes elementos antropológicos, sociais, culturais, educacionais, geográficos e ideológicos.

    Podemos ter um conhecimento adequado da matéria a ser avaliada, contudo, os meus critérios podem se revelar bastante flexíveis conforme aspectos de minha personalidade, interesse e circunstâncias.

    No entanto, quando falamos do juízo de Deus, podemos dizer como Davi: “Deus é justo juiz”(Sl 7.11).

Continuaremos no próximo post.

Maringá, 26 de novembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Thomas Sowell, Conflito de visões: origens ideológicas das lutas políticas, São Paulo, É Realizações, 2012, p. 17.

[2] “Não há nada mais difícil do que pronunciar juízo com total imparcialidade, de modo a evitar a demonstração de favoritismo injusto, ou dar margem a suspeitas, ou deixar-se influenciar por notícias desfavoráveis, ou ser excessivamente radical, e em toda causa nada considerar senão a matéria em mãos. Só quando fechamos nossos olhos a considerações pessoais é que podemos pronunciar um juízo equitativo” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 5.21), p. 153).

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