Pessoa e Obra do Espírito Santo (193)

1) Origina-se no próprio Deus (Continuação)

É impossível crer e nos relacionar pessoalmente com um Deus desconhecido. Portanto, se o conhecimento de Deus nos conduz ao culto, não podemos adorar e servir a um Deus inacessível:

A menos que haja conhecimento, não é a Deus a quem adoramos, mas um fantasma ou ídolo. Todas as boas intenções, como são chamadas, são golpeadas por esta sentença, como por um raio; disto nós aprendemos que, os homens nada podem fazer senão errar, quando são guiados pela sua própria opinião sem a palavra ou mandamento de Deus.[1]

(…) Se nós desejamos que nossa religião seja aprovada por Deus, ela tem que descansar no conhecimento obtido de Sua Palavra.[2]

          Desta forma, o que importa nesse caso não é o que pensamos, mas sim, o que Deus prometeu: Deus cumpre sempre a sua promessa, não necessariamente as nossas expectativas. Deus não tem compromisso com a nossa fé, mas, sim, com a sua Palavra e, consequentemente, com a fé que brota da Palavra.

          Calvino (1509-1564) enfatizou: “Não devemos conceber que Deus será nosso libertador simplesmente porque nossa própria fantasia o sugere. É preciso crer que ele fará isso só depois de graciosa e espontaneamente se nos oferecer neste caráter”.[3]

          Todavia, é importante ressaltar que não conhecemos tudo a respeito de Deus e da sua Palavra. Mas devemos ter por certo, que o limite da fé está circunscrito pelos parâmetros das Escrituras (Dt 29.29). Ou seja: não podemos crer além do que Deus nos revelou na Bíblia; fazer isto, não é ter fé, mas sim, especular sobre os mistérios de Deus.

          Os discípulos no caminho de Emaús revelaram ao Senhor a sua frustração justamente porque eles se iludiram com as suas próprias expectativas, não com as promessas de Jesus; daí dizerem de forma angustiante: “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais cousas sucederam”(Lc 24.21). Jesus Cristo jamais havia lhes prometido isso, pelo contrário; o caminho descrito por Cristo envolvia o sofrimento, a morte e a ressurreição (Mt 16.21).[4]

          Se a Palavra for o fundamento de nossa esperança, podemos descansar confiantes: Deus cumpre a sua Palavra![5] “Deus age consistentemente consigo mesmo, e jamais poderá desviar-se do que ele disser”, conclui Calvino.[6]

          A Palavra deve ser sempre o guia da nossa fé!  Por sua vez, enfatiza Calvino: “Nossa fé não tem que estar fundamentada no que nós tenhamos pensado por nós mesmos, senão no que foi prometido por Deus”.[7] Por isso, devemos estar atentos à Palavra de Deus, para entendê-la e praticá-la (Js 1.8; Sl 119.97; Fp 3.15-16; Tg 1.22-25).[8]

          Calvino estudando o Salmo 42, quando o salmista em meio às aflições, demonstra a sua fé no livramento de Deus, comenta que o esta certeza não é:

 Uma expectativa imaginária produzida por uma mente fantasiosa; mas, confiando nas promessas de Deus, ele não só se anima a nutrir sólida esperança, mas também se assegura de que receberia infalível livramento. Não podemos ser competentes testemunhas da graça de Deus perante nossos irmãos quando, antes de tudo, não testificamos dela a nossos próprios corações.[9]

          O que é trágico, é que a razão estigmatizada pelo pecado que se mostra tão eficaz nas coisas naturais, [W72] perde-se diante do mistério de Deus revelado em Cristo e, também diante da Revelação Geral na natureza: “As mentes humanas são cegas a essa luz, a qual resplandece em todas as coisas criadas, até que sejam iluminadas pelo Espírito de Deus e comecem a compreender, pela fé, que jamais poderão entendê-lo de outra forma”, conclui Calvino.[10]

A graça, portanto, antecede à fé e ao conhecimento.[11] “Se Deus não se antecipasse aos homens com sua graça, todos eles pereceriam totalmente”, conclui Calvino de forma biblicamente lógica.[12]

   A fé consiste na convicção de que a salvação está além de nossos recursos; no caso da fé salvadora, significa que depositamos nossa fé em Deus por meio de Cristo.[13]

Maringá, 21 de maio de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan:  Baker Book House Company, 1981, v. 17, (Jo 4.22), p. 159.

[2] John Calvin, Calvin’s Commentaries, v. 17, (Jo 4.22), p. 160-161.

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 48.9), p. 363.

[4]“Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16.21).

[5] Foi muito confortador ler posteriormente Calvino dizendo: “Deus não frustra a esperança que ele mesmo produz em nossas mentes através da sua Palavra, e que ele não costuma ser mais liberal em prometer do que em ser fiel na concretização do que prometeu” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 48.8), p. 361).

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 62.11), p. 581.

[7] Juan Calvino, Sermones Sobre a La Obra Salvadora de Cristo, Jenison, Michigan: TELL., 1988, (Sermão n° 13), p. 156.

[8] “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido“ (Js 1.8). “Quanto amo a tua lei! É a minha meditação, todo o dia!” (Sl 119.97). “Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos” (Fp 3.15-16). “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.22-25).

[9]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 42.5), p. 264.

[10] João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299. Do mesmo modo, veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 153ss.

[11] “Diz ele [Paulo] que, antes que nascêssemos, as boas obras haviam sido preparadas por Deus; significando que por nossas próprias forças não somos capazes de viver uma vida santa, mas só até ao ponto em que somos adaptados e moldados pelas mãos divinas. Ora, se a graça de Deus nos antecipou, então toda e qualquer base para vanglória ficou eliminada” (João Calvino, Efésios,(Ef 2.10), p. 64).

[12] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.8), p. 548.

[13] Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 147.


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