A Pessoa e Obra do Espírito Santo (364)

c) Louvando a Deus (Continuação)

Agostinho (354-430), comentando de forma belíssima o salmo 148, diz:

Sabeis o que é hino? É um cântico com louvor a Deus. Se louvas a Deus sem canto, não é hino. Se cantas e não louvas a Deus, não é hino; se louvas outra coisa não pertencente ao louvor de Deus, apesar de cantares louvores, não é um hino. O hino, pois, consta de três coisas: canto [canticum], louvor [laudem], de Deus. Portanto, louvor a Deus com cântico chama-se hino.[1]

Espírito e embriaguez

    Para que o contraste ficasse bem claro, Paulo não usa para o enchimento do Espírito o verbo “embriagar” – que envolve a diminuição da consciência e dos reflexos, além de ser uma expressão que baratearia por demais a sua mensagem e também, seria inadequada para se referir à terceira Pessoa da Trindade[2] –, antes nos fala de um enchimento consciente e santamente voluntário. Enquanto a embriaguez produz uma dissolução completa de nosso autocontrole, nos conduzindo à insatisfação, inconveniência e posterior sentimento de culpa; o Espírito produz uma alegria santa que se expressa em salmos, hinos e cânticos espirituais. A expressão do Espírito conduz-nos à emoções santas; a emoção mundana limita toda a sua vida ao corpo, substituindo a alegria do Espírito pela intoxicação alcoólica.[3]

    O médico e pastor Lloyd-Jones (1899-1981), comenta:

A bebida não é um estimulante, é um agente de depressão. Deprime antes de tudo os núcleos mais elevados do cérebro. Estes são os primeiros a serem influenciados e afetados pela bebida. Eles controlam tudo que dá ao homem o domínio próprio, a sabedoria, o entendimento, a discriminação, o juízo, o equilíbrio, a capacidade de avaliar tudo; noutras palavras, controlam tudo que faz o homem comportar-se no nível máximo e melhor.[4]

Apanhem algum livro de farmacologia, vejam “álcool”, e sempre verão que ele vem classificado entre os depressivos. Não é um estímulo. “Bem”, vocês dirão, “por que as pessoas tomam álcool em busca de estímulo?” (…) Eis o que o álcool faz: ele abate os centros mais elevados e, assim, os elementos mais primitivos do cérebro vêm à tona e assumem o controle; e o homem se sente melhor, temporariamente. Perde o seu senso de temor, perde sua capacidade de discriminação, perde sua capacidade de avaliação. O álcool simplesmente abate os seus centros mais elevados e libera os elementos instintivos, mais primitivos; mas o homem acredita que está sendo estimulado. O que realmente é verdade a respeito dele é que ele se tornou mais animalesco; seu controle sobre si mesmo diminuiu.[5]

    O cristão, ao contrário, busca o sentido da plenitude da sua existência, na plenitude do Espírito. É pelo Espírito que nos tornamos verdadeiros seres humanos no emprego correto e intenso de nossa capacidade. “Sendo assim cheios com o Espírito, os crentes não somente serão esclarecidos e alegrados, mas também darão jubilosa expressão a seu vivificante conhecimento da vontade de Deus”, conclui Hendriksen (1900-1982).[6]

    Sob o Espírito não perdemos o controle, antes o ganhamos.[7] O Espírito não nos aliena, antes, nos conduz à percepção mais aprimorada e intensa da Palavra de Cristo que habita ricamente em nós. O Espírito nos concede lucidez à luz da Palavra.

Maringá, 11 de dezembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/3), 1998, (Sl (102)101), v. 3, (Sl 148.17), p. 1142.

[2] Por isso considero inadequada a analogia feita por Horton, chamando a direção do Espírito em nossa vida de “graça embriagante” (Michael Horton, As Doutrinas da Maravilhosa Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 137ss.). Parece-me oportuno recordar a orientação de Calvino emitida em outro contexto: “Se, pois, um dia pretendermos adentrar os eternos conselhos de Deus, pela instrumentalidade de um discurso, que o façamos moderando nossa linguagem e mesmo nossa maneira de pensar, de modo que nossa argumentação seja sóbria e respeite os limites da Palavra de Deus, e cuja conclusão seja repassada e saturada daquela expressão de assombro. Indubitavelmente, não devemos nos sentir constrangidos caso nossa sabedoria não exceda a daquele que uma vez foi arrebatado até ao terceiro céu, donde ouviu e contemplou mistérios que aos homens não lhe fora possível relatar (2Co 12.4). Todavia, ele não encontrou nenhuma outra saída, aqui, senão humilhar-se como o fez” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33), p. 426).

[3]Veja-se: William Hendriksen, Exposição de Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef. 5.18), p. 297.

[4]D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.18), p. 12. Em outro contexto, Lloyd-Jones escreveu: “O álcool não é um estimulante, é um depressivo – esta é uma declaração farmacológica, um fato científico. O álcool libera o que há de mais primitivo em você, eliminando seus mais elevados centros de controle. Essa é só uma ilustração, porém é a pura verdade com relação ao pecado em todo o setor e departamento” (D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 93).

[5]D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito, p. 16.

[6]William Hendriksen, Exposição deEfésios,(Ef. 5.18), p. 299. “Para fazer os corações dos santos rejubilar-se, o favor divino é o único sobejamente suficiente” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, v. 2, (Sl 48.2), p. 355).

[7] Cf. John R.W. Stott, A Mensagem de Efésios,São Paulo: ABU Editora, 1986, p. 152.

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