A Pessoa e Obra do Espírito Santo (316)

Provar os espíritos

O nosso desejo de servir a Deus não nos deve tornar presas fáceis de qualquer ensinamento ou doutrina. Precisamos cientificar-nos se aquilo que é-nos transmitido procede ou, não, de Deus. Para este exame, temos as Escrituras Sagradas como fonte de todo conhecimento revelado a respeito de Deus e do que ele deseja de nós.

          Foi assim que a nobre Igreja de Beréia procedeu ao ouvir Paulo e Silas. Ainda que aqueles irmãos tenham recebido a Palavra com avidez, isto não os impediu de examinar[1] “as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (At 17.11). “Eles combinavam receptividade com questionamento crítico”, resume Stott (1921-2011).[2]

          Um bom princípio é examinar o que se nos apresenta como realidade dentro de suas multifárias percepções, não nos deixando seduzir e guiar por nossas inclinações ou pelas tendências massificantes. Em geral, quando nos faltam critérios objetivos, apelamos para o gosto como critério definitivo e solitário. Assim, somos conduzidos simplesmente por princípios que nos agradam sem verificar a sua veracidade. O fim disso pode ser trágico. Desse modo, por mais autoeloquentes que possam se configurar aspectos da chamada realidade, precisamos examiná-los antes de os tomarmos como pressupostos para a aceitação de outras declarações também reivindicatórias. 

          Os bereanos tinham um padrão de verdade. Eles criam na sua existência e acessibilidade. Examinaram o que Paulo dizia à luz das Escrituras, ou seja: o Antigo Testamento. Se não tivermos um referencial teórico claro, como poderemos analisar de modo coerente a realidade? Sem referências, tudo é possível dentro de um quadro interpretativo forjado conforme as circunstâncias e meus interesses. Todo absoluto envolve antíteses.

Meditação na Palavra

          O salmista relata a sua abençoada prática:

97Quanto amo a tua lei! É a minha meditação (hx’yf) (sihãh) (considerar, perscrutar, cogitar), todo o dia! 98 Os teus mandamentos me fazem mais sábio (~k;x’)(chakam)[3] que os meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. 99 Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito (hx’yf) (Sihãh) nos teus testemunhos (tWd[e) (`eduth).[4] 100Sou mais prudente (!yBi) (biyn) que os idosos, porque guardo os teus preceitos. 101 De todo mau caminho desvio os pés, para observar a tua palavra. 102 Não me aparto dos teus juízos (jP’v.mi) (mishpat),[5] pois tu me ensinas (hr’y“) (yarah).[6] (Sl 119.97-102).

          Aquilo sobre o que meditamos, normalmente, molda a nossa perspectiva da realidade e o nosso comportamento.[7] O salmista meditava na Palavra de Deus.

          O meditar na Palavra e nos feitos de Deus é uma prática abençoadora pelo fato de ocupar nossas mentes e corações com o que realmente importa; estimula a nossa gratidão e perseverança em meio às angústias.[8] Isto nos traz grande alívio. Davi no deserto se confortava meditando nos feitos de Deus: “No meu leito, quando de ti me recordo e em ti medito (hg’h’) (hãgãh), durante a vigília da noite. Porque tu me tens sido auxílio; à sombra das tuas asas, eu canto jubiloso” (Sl 63.6-7/Sl 77.11-12; 143.5).

O verbo que é usado de forma negativa e positiva na Escritura (hg’h’) (hãgãh), tem o sentido de murmurar, gemer, meditar, planejar, imaginar.É possível que a Palavra fosse “murmurada”, lida a meia voz durante a sua contínua meditação.[9] Este meditar tinha como objetivo de, por meio da aprendizagem dos mandamentos de Deus,[10] adequar a sua vida aos ensinamentos ali contidos, não apenas um exercício intelectual e sensorial (Js 1.8).

          Como há outras vozes querendo nos afastar da verdade, apresentando um caminho que, à primeira vista, pode nos parecer mais convidativo e tentador, devemos perseverar no caminho verdadeiro.

          Paulo recrimina o esmorecimento dos gálatas que começando a crer corretamente na graça de Deus, agora, passam a viver, como se fosse possível, pelas obras. O legalismo judaico se constituía num impedimento aos judeus cristãos: “Vós corríeis bem; quem vos impediu (e)gko/ptw) [11]de continuardes a obedecer à verdade?”(Gl 5.7). Este impedimento pode ser proveniente do diabo por meio de seus agentes (1Ts 2.14-18) ou do próprio coração humano, onde reside a raiz de nossos pecados.[12]

Maringá, 11 de outubro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] A palavra traduzida por “examinando” é a)nakri/zw, que tem o sentido de “fazer uma pesquisa cuidadosa”, um “exame criterioso”, “inquirir”. (* Lc 23.14; At. 4.9; 12.19; 17.11; 24.8; 28.18; 1Co 2.14,15 (duas vezes); 4.3 (duas vezes),4; 9.3; 10.25,27; 14.24). Conforme vemos em Lc 23.14; At 4.9 e 24.8, o verbo era usado para “investigações judiciais”. “Este verbo implica em integridade e ausência de preconceito. Desde então, o adjetivo ‘bereano’ tem sido aplicado a pessoas que estudam as Escrituras com imparcialidade e cuidado” (John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, São Paulo: ABU Editora, 1994, (At 17.11), p. 308).

[2] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, (At 17.11), p. 308.

[3] “A ideia essencial (…) representa um modo de pensar e uma atitude para com as experiências da vida, incluindo questões de interesse geral e moralidade básica. Tais assuntos se relacionam à prudência em negócios seculares, habilidades nas artes, sensibilidade moral e experiência nos caminhos do Senhor” (Louis Goldberg, Hãkam: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 459).

[4] De modo pactual confirma e adverte quanto à natureza de Deus, à veracidade e seriedade das exigências da Lei de Deus enfatizando a Aliança. Deus dá testemunho de Si mesmo (Ex 25.16-22).

[5]Enfatizam a suprema autoridade de Deus em nos prescrever as leis que devem regular as nossas relações e exigir que as cumpramos (Dt 4.1,5,8,14; 5.1; 6.1).

[6]Figuradamente tem o sentido de mostrar, indicar, “apontar o dedo”. Encaminhar (Gn 46.28); disparar (Sl 11.2; 64.4); apontar (Sl 25.8); atingir (Sl 64.4); desferir (Sl 64.7). No hifil, conforme o texto citado, tem o sentido de “ensinar”. (Do mesmo modo: Sl 86.11; 119.33; Pv 4.4; 4.11, etc.).

[7] “Todos nós meditamos e somos moldados pelo objeto de nossa meditação” (Randy Alcorn, Decisões diárias cumulativas, coragem em uma causa e uma vida de perseverança: In: John Piper; Justin Taylor, eds. Firmes: um chamado à perseverança dos santos. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 99).

[8]“Quando formos premidos pela adversidade, ou envolvidos em profundas aflições, meditemos nas promessas de Deus, nas quais a esperança de salvação nos é demonstrada, de modo que, usando este escudo como nossa defesa, rompamos todas as tentações que nos assaltam” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 4), p. 89).

[9] Vejam-se: Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 55-56; Hebert Wolf, Hagâ: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 337; Willem A. VanGemeren, Psalms. In: Frank E. Gaebelein, ed. ger., The Expositor’s Bible Commentary, Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1991, v. 5, (Sl 1), p. 55; M.V. Van Pelt; W.C. Kaiser, Jr., Hgh: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 981-982; Helmer Ringgren; A. Negoitã, Haghah: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1978, v. 3, p. 321-324.

[10]“A aprendizagem é o processo mediante o qual a experiência passada do amor de Deus é traduzida, pelos aprendizes, em obediência à Torá de Deus” (D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 662).

[11]No seu emprego militar esta palavra tinha o sentido de cortar uma árvore para causar um impedimento ou, abrir uma vala que obstaculizasse temporariamente o caminho do inimigo, daí a palavra tomar o sentido de “impedimento”, “empecilho”, “obstáculo”, “cansar”, “sobrecarregar”. (Vejam-se: G. Stählin, Kopeto/j, etc.: In: G. Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), v. 3, p. 855-860; C.H. Peisker, Impedir: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 417-418; William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, Chicago: University Press, 1957, p. 215; F.F. Bruce, Hechos de los Apóstoles: Introducción, comentarios y notas, Michigan: Libros Desafío, 2007, (At 24.4), p. 513-514).

[12]Cf. G. Stählin, Kopeto/j, etc.: In: G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 856-857.

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