A Pessoa e Obra do Espírito Santo (315)

A perfeita vontade de Deus

A vontade de Deus é eticamente perfeita; isto é, ela é completa, aplicando-se a todas as áreas de nossa vida, bem como em todas as épocas e circunstâncias.

          Mais uma vez identificamos a vontade de Deus com Ele mesmo: Deus é perfeito, não muda, não se aperfeiçoa nem se deteriora (Mt 5.48; Hb 13.8; Tg 1.17). A perfeição não comporta ganho ou perda de qualidade. Deus é eternamente perfeito. Assim também é a sua vontade. Não há um centímetro sequer de toda a criação que não seja abrangido pela totalidade da sua vontade.

          Conforme já vimos, a Lei do Senhor reflete o Senhor que se manifesta na Criação com ordem e beleza. Por isso, o salmista após descrever esta sinfonia da Criação afirma que, como não poderia ser diferente, “A lei do Senhor é perfeita (~ymiT’)(tamiym)(Sl 19.7).

          No caminho de Deus não há contradição. Por isso, as suas orientações são completas, sem mistura: “O caminho de Deus é perfeito (~ymiT’) (tamiym); a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam” (Sl 18.30).

          Quando assimilamos de coração a Palavra de Deus e a adotamos com integridade, independentemente das consequências e dos juízos dos outros, não teremos do que nos envergonhar.

          O salmista almeja viver conforme a integridade da Palavra, orando neste sentido: “Seja o meu coração (ble)(leb) irrepreensível (~ymiT’) (tamiym) nos teus decretos, para que eu não seja envergonhado” (Sl 119.80).

          Desse modo, quando oramos pela concretização da vontade de Deus, estamos dizendo: “Senhor faze a Tua vontade; eu sei que ela envolve todas as minhas necessidades, mesmo aquelas que eu ainda desconheço; no entanto Tu o sabes, portanto, amparado nisso, dirige-me conforme a Tua Lei”.

          Esta oração implica no fato de que estamos confiantes de que a vontade de Deus é a melhor para nós e, também, que elegemos o céu como o nosso padrão perfeito de cumprimento da vontade de Deus: “Assim na terra como no céu”.

          Paralelamente a isso, declaramos estar dispostos a aceitar alegremente a vontade de Deus, renunciando os nossos desejos pessoais em prol daquilo que temos certeza de ser incomensuravelmente melhor: A vontade de Deus. O maior exemplo desta entrega sem reservas a Deus temos em Cristo Jesus, que diante da aproximação do momento em que daria a Sua vida pelo Seu povo ora: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero (qe/lw), e sim como tu queres” (Mt 26.39).  Aqui temos a declaração verbal e existencial de nosso Senhor: “seja feita  a Tua vontade!”.

Discernimento necessário

          Jesus Cristo afirma que aquele que deseja fazer a vontade de Deus deve examinar a doutrina: “Se alguém quiser fazer a vontade (qe/lhma) dele (Deus), conhecerá (ginw/skw) a respeito da doutrina (didaxh/), se ela é de Deus” (Jo 7.17).

          O fato de a vontade de Deus estar revelada nas Escrituras não significa que a Bíblia seja um manual repleto de regras minuciosas para cada circunstância de nossa vida, por meio do qual possamos encontrar sempre uma regra explícita para a nossa situação específica. Não. A Palavra é a fonte e norma de todo o conhecimento e prática cristã. Nela temos os princípios de Deus que se adequam a todas as nossas necessidades, em quaisquer épocas e circunstâncias. Todavia, a Bíblia não é um livro mágico, por meio do qual exercitamos a nossa “sorte espiritual” abrindo-o ao acaso, e procurando saber qual a vontade de Deus para a nossa vida em determinada situação, mediante o texto que o nosso dedo (“sensor espiritual”) apontar.

          Sem dúvida, precisamos conhecer a vontade de Deus, mas isto fazemos lendo e meditando na sua Palavra, fazendo-o com discernimento e entendimento, rogando a Deus que nos dê compreensão do que lemos e como isso se aplica à nossa vida.

          É isto que Paulo recomenda à Igreja de Éfeso: “Vede prudentemente como andais, não como néscios, e, sim, como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão não vos torneis insensatos, mas procurai compreender (Suni/hmi)[1]qual a vontade (qe/lhma)do Senhor” (Ef 5.15-17).

          Paulo estimula a Igreja a usar positivamente a sua capacidade de raciocínio a fim buscar compreender a vontade de Deus. Somente assim aqueles irmãos poderiam ter um discernimento claro do propósito de Deus em sua vida.

          Negativamente considerando, podemos dizer que o mesmo princípio de discernimento deve ser aplicado às mensagens que ouvimos com frequência, a respeito da “vontade de Deus para a nossa vida”.

          É necessário que entendamos que a nossa mente não é um “acessório” descartável de nossa existência, o qual pode ser poupado – deixado em casa, quem sabe, em uma gaveta – quando vamos à Igreja, lemos livros, ouvimos mensagens ou simplesmente conversamos sobre aspectos da vida cristã. Deus criou o homem completo a fim de que ele possa, com o auxílio do Espírito Santo, usar de todos os recursos que Ele lhe outorgou.

          Já na década de 60 do primeiro século encontramos em Colossos vestígios de uma heresia que tentava fundir a simplicidade do evangelho com especulações filosóficas – caracterizadas por práticas ascéticas – estando estes ensinamentos a prejudicar a Igreja (Cl 2.8, 16,18,20,21). Paulo, acompanhado por Timóteo e Epafras (Cl 1.1; 4.12), escreve aos colossenses, mostrando a supremacia de Cristo sobre todas as coisas (Cl 1.15,19; 2.3,19).

          Juntamente com o ensino correto, Paulo declara que ele próprio, Timóteo e Epafras estão orando pela Igreja: “Não cessamos de orar por vós, e de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade (qe/lhma), em toda a sabedoria (sofi/a) e entendimento (su/nesij)”[2] (Cl 1.9). “Saúda-vos Epafras que é dentre vós, servo de Cristo Jesus, o qual se esforça sobremaneira, continuamente, por vós, nas orações, para que vos conserveis perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade (qe/lhma) de Deus” (Cl 4.12).

          Por isso, insistimos: é necessário discernimento para interpretar as doutrinas que nos são transmitidas a fim de saber se são de Deus, ou não (Jo 7.17). Portanto, devemos desejar conhecer a vontade de Deus (Ef 5.17). Paulo orava para que os colossenses “transbordassem” (plhrwqh=te). A voz passiva indica aqui a ação de Deus; para que “Deus encha vocês” deste genuíno conhecimento (Cl 1.9[3]/Cl 4.12/Hb 13.21).

          Devemos dar crédito à verdade procedente de Deus (1Ts 2.10-13). Contudo como muitos falsos mestres têm saído pelo mundo, faz-se necessário provar os espíritos. Precisamos exercitar o “ceticismo cristão” que não aceita tudo, contudo não rejeita a procura da verdade:[4]

Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai (dokima/zw)[5] os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade (a)lh/qeia) e o espírito do erro (1Jo 4.1-6).[6]

          O fato bíblico, é que a verdade não gera mentira: “Mentira alguma jamais procede da verdade (a)lh/qeia)[7] (1Jo 2.21).

Maringá, 11 de outubro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Suni/hmi, cujo sentido primário, empregado por Homero, é de “congregar”, metaforicamente, envolve a ideia de reunir as coisas, analisá-las, tentando chegar a uma conclusão por meio de uma conexão das partes. (* Mt 13.13,14,15,19,23,51; 15.10; 16.12; 17.13; Mc 4.12; 6.52; 7.14; 8.17,21; Lc 2.50; 8.10; 18.34; 24.45; At 7. 25 (duas vezes); 28.26,27; Rm 3.11; 15.21; 2Co 10.12; Ef 5.17.   

[2] Su/nesij ocorre 7 vezes no NT.: Mc 12.33; Lc 2.47; 1Co 1.19; Ef 3.4; Cl 1.9; 2.2; 2Tm 2.7, significando, discernimento, inteligência, envolvendo, conforme vimos, a ideia de reunir as evidências para avaliar e chegar a uma conclusão. Este “entendimento” deve ser fruto de uma reflexão, recorrendo, contudo à iluminação de Deus (2Tm 2.7).

[3] “Quando todo o espaço das nossas mentes for preenchido até transbordar com o conhecimento da vontade do Senhor, já não teremos muito interesse em satisfazer egoisticamente a nossa própria vontade” (R. P. Shedd, Andai Nele: Exposição bíblica de Colossenses, São Paulo: ABU., 1979, p. 22).

[4] Vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 233; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 129-131.

[5]Dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10).

[6]Archibald Alexander (1772-1851), um dos fundadores do Seminário de Princeton e seu primeiro professor de Teologia Sistemática, resumiu:

       “Na avaliação da experiência religiosa é de todo importante manter continuamente à vista o sistema de verdade divina contido nas Sagradas Escrituras; caso contrário, nossa experiência, como ocorre muito frequentemente, se degenerará em entusiasmo. (…) Em nossos dias não há nada mais necessário que estabelecer na religião, uma cuidadosa distinção entre as experiências verdadeiras e as falsas; para ‘provar os espíritos se procedem de Deus’. E ao fazer esta discriminação, não há outro padrão de prova senão a infalível Palavra de Deus. Tragamos cada pensamento, motivo, impulso e emoção, ante esta pedra de toque. ‘À lei e ao testemunho, se não falam de acordo com estes, é porque não há luz neles’” (Archibald Alexander, Thoughts on Religious Experience,Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1989 (Reprinted), p. XVIII).

[7] Etimologicamente, a ideia da palavra verdade (a)lh/qeia) é de “não ocultamento”, mostrando-se tal qual é em sua pureza, sem falsificação. A palavra confere o sentido de confiabilidade, autenticidade, honradez, segurança. Jesus diz ao Pai que proclamou a Sua Palavra a qual é a verdade; nela não há ambiguidade, dupla intenção, antes, expressa as coisas como realmente são em sua essência. Analisemos alguns aspectos concernentes à verdade.

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