A Pessoa e Obra do Espírito Santo (18)

6.1.2. Unidade na diversidade das Escrituras

Como temos visto, a Bíblia é um livro maravilhoso! Quando fazemos esta afirmação, podemos ter em mente diversos elementos que contribuem para tornar este Livro tão esplêndido. Podemos, por exemplo, considerar a Bíblia como uma obra sem igual no campo da literatura, elencando e tratando com simplicidade de problemas universais que atingem os homens de todos os lugares e épocas, estando ainda na pauta das preocupações do homem moderno. Trata da origem do mundo, da criação do homem e do propósito final da sua existência bem como da história. Apresenta o sentido da vida em Jesus Cristo e como encontrá-lo.

          Na Bíblia há trechos de singular beleza literária, tais como: Rt 1.14-17; 1Sm 18.1-4; Sl 23; Mt 5.1-12; Lc 10.25-37;15.11-32, entre outros.

          Criswell (1909-2002) escreve:

No Livro Sagrado encontramos romance, como na história de Sara, de Rebeca, de Raquel e de Rute. Encontramos legislação, como nos incomparáveis preceitos de Moisés. Na história dos reis de Israel e de Judá e dos reinos do mundo, encontramos verdadeira história. E nela temos poesia real, como essa contida no lindo Salmo 23; e ainda encontramos provérbios e profecia. Um terço da Bíblia é profecia.[1]

          Apesar de toda a Sua beleza literária, que mesmo o homem natural pode reconhecer, “a nossa persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações”.[2] (Leia: Jo 16.13,14; 1Co 2.10-12). Em outras palavras: Só reconhecemos a Bíblia como Palavra de Deus, por obra e graça do Espírito Santo.

          De forma introdutória, consideremos o Maravilhoso Livro, não sob o prisma do seu indiscutível valor literário, mas, sob a ótica da sua coesão e unidade; e para tanto, começaremos estudando a sua diversidade, tomando como pressuposto, a verdade incontestável de que unidade não significa necessariamente uniformidade.

6.1.2.1. Diversidade na Bíblia

A) Diversidade de línguas

A Bíblia foi redigida em dois idiomas básicos: hebraico e grego; sendo o Antigo Testamento escrito em hebraico, tendo apenas algumas porções redigidas em aramaico, a saber: Ed 4.8-6.18; 7.12-26; Jr 10.11; Dn 2.4-7.28 e duas palavras em Gn 31.47. O aramaico tinha o mesmo alfabeto hebreu.

          No tempo de Senaqueribe (705-681 a.C.), o aramaico era um idioma diplomático (2Rs 18.26-28) e a língua oficial do império persa (550-450 a.C.). Após o cativeiro babilônico do povo judeu (587/586 a.C.), que durou setenta anos, o aramaico passou a ser a língua popular dos judeus, sendo o hebraico cultivado apenas pelos intelectuais.

          O Novo Testamento foi escrito na língua grega que, ao contrário da linguagem poética hebraica, zelava pela precisão dos termos, contando com um vocabulário de 200 mil palavras.[3]

B) Diversidade de escritores

A Bíblia foi redigida por cerca de 40 escritores, os quais tiveram uma formação cultural diferente e com suas personalidades próprias. Moisés, por exemplo, “… foi educado em toda a ciência dos egípcios” (At 7.22). Amós, era um homem rude, boieiro e colhedor de sicômoros (Am 7.14). Daniel era da linhagem real de Judá, instruído em toda a sabedoria, douto em ciência e versado no conhecimento (Dn 1.3-7). Salomão, o grande rei de Israel, a quem coube a honra e a responsabilidade de construir o Templo do Senhor (2Sm 7.12,13; 1Rs 6.1-13), era reverenciado como o homem mais sábio de todos, até mesmo pelos pagãos (1Rs 4.29-34; 10.1-13). Mateus, cobrador de impostos (Mt 9.9; Mc 2.13,14; Lc 5.27,28). Pedro e João, eram pescadores, com uma formação cultural notoriamente “inadequada” (Mt 4.18-22; At 4.13). Lucas, era médico (Cl 4.14); Paulo, um intelectual (At 22.3), sendo isto demonstrado em todos os seus escritos, quer pelo conteúdo, quer pela forma.

          Todos estes homens, a despeito de suas características pessoais, das suas falhas e limitações, foram usados por Deus para registrar a sua vontade, por intermédio da ação inspiradora do Espírito Santo. Todos eles “…falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). O Espírito os conduziu de um ponto a outro, até o fim. Temos aqui um argumento em favor da confiabilidade da Escritura.[4]

          O estilo deles varia, de acordo com a característica de cada um; entretanto, há uma unidade e coesão em tudo que escreveram.

          Ryle (1816-1900) comenta:

Cada um deles fez um relato do homem, de Deus, do caminho da salvação e do coração humano. Vê-se como a verdade é revelada e desenvolvida através deles enquanto se percorre todo o volume de seus escritos, mas nunca se descobre qualquer contradição ou contrariedade real em seus pontos de vista.[5]

C) Diversidade de tempos

Entre o primeiro livro do Antigo Testamento e o último do Novo Testamento, há uma distância de aproximadamente 16 séculos. Entretanto, os escritores do Novo Testamento citam os livros do Antigo Testamento com frequência, confirmando os ensinamentos ali registrados, aplicando-os ao contexto em que viviam e demonstrando a comprovação neotestamentária daquilo que fora profetizado no Antigo Testamento.

          Num período de 16 séculos, muita coisa muda. Os conceitos mudam, as explicações se modificam, a compreensão da realidade se transforma. Por mais vagarosas e tímidas que fossem as transformações na antiguidade, na realidade, muitos elementos novos surgiram no cenário da história humana.

          No período em que a Bíblia foi escrita, o cenário militar conheceu uma sequência em que pelos menos cinco exércitos dominaram grande parte do mundo conhecido, tais como: Os egípcios, assírios, babilônios, gregos e romanos.

          No campo da Filosofia, após um período de mitos e lendas, passando pelos “Pré-socráticos”, surgiram homens como Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), até hoje respeitados em muitas de suas contribuições.

          Na organização jurídica, os romanos são até hoje estudados, respeitados e copiados. Tudo isto evidenciando um longo processo de maturação e transformações, onde os conceitos antigos eram adaptados ou simplesmente rejeitados.

          O próprio povo judeu foi formado e viveu como escravo durante um longo período de 430 anos em que esteve no Egito (Ex 12.40,41). Após o Êxodo, peregrinou 40 anos no deserto, foi governado pelos juízes, teve reis, viu a divisão das doze tribos, o aniquilamento do Reino Norte, a destruição de Jerusalém e o exílio de 70 anos de Judá, com implicações sociais, econômicas, políticas e religiosas.

          Entretanto, os ensinamentos bíblicos atravessaram de forma coesa todas as adversidades e incertezas da história. Sabe por quê? Porque o Deus que se revelou no Livro de Gênesis é o mesmo de toda a Bíblia, coroando a Sua revelação progressiva no Apocalipse; sendo Jesus Cristo a sua palavra final: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as cousas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1,2).

          Toda verdade é verdade de Deus. A verdade de Deus não sofre correções, modificações ou acréscimos: A verdade é atemporal; ela permanece no tempo e ultrapassa a barreira da eternidade (Mt 5.18; Lc 16.17). O Deus que falou a Moisés é o mesmo que falou a João na ilha de Patmos e a todos os outros escritores sagrados.

Maringá, 12 de outubro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] W.A. Criswell, A Bíblia para o Mundo de Hoje, Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1968, p. 32.

[2] Confissão de Westminster, I.5.

[3] William Barclay informa-nos que o vocabulário hebreu dispunha de menos de 10 mil palavras e o grego de 200 mil. (W. Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 5, p. 35).

[4] Veja-se: B.B. Warfield, A inspiração e autoridade da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 111.

[5] J.C. Ryle, A Inspiração das Escrituras, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 3.

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