A Pessoa e Obra do Espírito Santo (414)

6.4.10.2.5.1. A Pregação de Paulo entre os tessalonicenses (Continuação)

Mesmo havendo um tipo de linguagem que propiciava a persuasão, Paulo não se valia deste método. Diz aos coríntios: “A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva (peiqo/j) de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder” (1Co 2.4).

            Há sempre o risco de substituir o poder de Deus pela “técnica”, pela capacidade de convencer os nossos ouvintes. Neste caso, substituiríamos o conteúdo pelo sucesso; a soberania de Deus pelo poder de nossos argumentos.[1]

            É preciso um cuidado especial neste ponto. Calvino se detêm especialmente nesta questão: “Para que possa haver eloquência, devemos estar sempre em alerta a fim de impedir que a sabedoria de Deus venha sofrer degradação por um brilhantismo forçado e corriqueiro”.[2] A eloquência “é um dom muito excelente, mas que, quando se vê divorciado do amor, de nada serve para alguém obter o favor divino”.[3]

            A questão está em não usar desses meios como sendo a força do Evangelho, esquecendo-nos de sua simplicidade que é-nos comunicada pelo Espírito: “Não devemos condenar nem rejeitar a classe de eloquência que não almeja cativar cristãos com um requinte exterior de palavras, nem intoxicar com deleites fúteis, nem fazer cócegas em seus ouvidos com sua suave melodia, nem mergulhar a Cruz de Cristo em sua vã ostentação”.[4] “O Espírito de Deus também possui uma eloquência particularmente sua”.[5]

            Continua Calvino: “…. a eloquência que está em conformidade com o Espírito de Deus não é bombástica nem ostentosa,[6] como também não produz um forte volume de ruídos que equivalem a nada. Antes, ela é genuína e eficaz, e possui muito mais sinceridade do que refinamento”.[7]

            Paulo recordando aos crentes de Corinto o que lhes havia ensinando, diz: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho (eu)agge/lion) que vos anunciei (eu)agg/li/zw)  (…) que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Co 15.1,3).

Notemos que Paulo escrevia à igreja, aos crentes. Não havia um novo Evangelho a ser pregado. ele precisava apenas ser recordado em seu conteúdo e significado: “venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei”. Na realidade, Paulo estava declarando (lembrando) o Evangelho que já fora evangelizado (anunciado); nada havia a acrescentar e, ao mesmo tempo, a mensagem transmitida não era descartável: permanecia com o mesmo valor e relevância.  Portanto, evangelizar, proclamar as Boas Novas, é um trabalho contínuo. Não se encerra, simplesmente, com o primeiro anúncio:  “venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei”.

Portanto, devemos ter bem claro em nossa mente que a relação entre o “Evangelizar” e o “Ensinar” é constante em diversos textos bíblicos, sendo uma das características da pregação de Jesus  e dos discípulos. Deste modo, a Evangelização sempre terá um caráter educativo.

“Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando (dida/skw) nas sinagogas, pregando o evangelho (khru,sswn to. euvagge,lion) do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23).

“E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando  (dida/skw) nas sinagogas, pregando o evangelho  (khru,sswn to. euvagge,lion) do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt 9.35).

“Aconteceu que, num daqueles dias, estando Jesus a ensinar (dida/skw)  o povo no templo e a evangelizar   (euvaggeli,zw)….” (Lc 20.1).

“E todos os dias, no templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo (dida,skontej kai. euvaggelizo,menoi VIhsou/n to.n cristo,n)(At 5.42).

“Paulo e Barnabé demoraram-se em Antioquia, ensinando (dida/skw)e pregando, (eu)aggeli/zomai)   com muitos outros, a palavra do Senhor” (At 15.35).

“Ora, tendo acabado Jesus de dar estas instruções a seus doze discípulos, partiu dali a ensinar  (dida/skw)e a pregar (khru,ssw) nas cidades deles” (Mt 11.1).

Pregando  (khru,ssw) o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava (dida/skw)as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.31).

Prega (khru,ssw) a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina (didach,)(1Tm 4.2).

Maringá, 26 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Packer desenvolve este tema de forma pertinente:

            “Se considerarmos que nossa tarefa consiste não simplesmente em apresentar Cristo, mas realmente em produzir convertidos – evangelizando não apenas fielmente, mas também com sucesso – então nossa maneira de evangelizar tornar-se-á pragmática e calculista. Terminaríamos por concluir que nosso equipamento básico, tanto para tratar pessoalmente como para pregar publicamente, deve ser duplo. Precisaríamos possuir não apenas uma compreensão clara do significado e aplicação do evangelho, mas igualmente uma técnica irresistível capaz de induzir os ouvintes a aceitá-lo. Assim sendo, precisaríamos nos esforçar por experimentar e desenvolver tal técnica. E deveríamos avaliar toda evangelização, tanto a nossa como a de outras pessoas, não pelo critério da mensagem pregada, mas também dos resultados visíveis. E, se nossos próprios esforços não estivessem produzindo frutos, concluiríamos que nossa técnica ainda precisa de melhoramentos. E caso estivessem produzindo fruto, concluiríamos que isso justifica a técnica usada. Se assim fosse, deveríamos considerar a evangelização como uma atividade que envolve uma batalha de vontades entre nós mesmos e aqueles para quem pregamos, uma batalha cuja vitória dependeria de havermos detonado uma barragem suficiente de efeitos calculados. Dessa maneira, nossa filosofia de evangelização tornar-se-ia terrivelmente semelhante à filosofia da lavagem cerebral. E já não poderíamos mais argumentar, quando tal semelhança fosse aceita como fato, que essa não é a concepção certa de que seja evangelizar. Pois seria um conceito apropriado de evangelização, se a produção de convertidos fosse responsabilidade nossa.

“Isso nos mostra o perigo de esquecermos as implicações práticas da soberania de Deus” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 22-23). Veja-se também: John MacArthur, Abrir mão do lucro: Todas as coisas para todas as pessoas: In: John MacArthur, el. al.,  Evangelismo: compartilhando o evangelho com fidelidade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012. p. 95ss.

[2]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.13), p. 91.

[3]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 13.1), p. 394.

[4]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 55. “Deus quer que sua Igreja seja edificada com base na genuína pregação de sua Palavra, não com base em ficções humanas. (…) Nesta categoria estão questões especulativas que geralmente fornecem mais para ostentação – ou algum louco desejo – do que para a salvação de homens” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.12), p. 112). “A pregação de Cristo é nua e simples; portanto, não deve ela ser ofuscada por um revestimento dissimulante de verbosidade” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 54). “(A) fé saudável equivale à fé que não sofreu nenhuma corrupção proveniente de fábulas” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.14), p. 320). “Se porventura desejarmos conservar a fé em sua integridade, temos de aprender com toda prudência a refrear nossos sentidos para não nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar atenção às fábulas, ela perde também a integridade de sua fé” (João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320).

[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 56.

[6]“Pois ninguém é mais radical do que os mestres desses discursos bombásticos, quando fazem pronunciamentos precipitados sobre coisas das quais nada sabem” (João Calvino, As Pastorais,(1Tm 1.7), p. 34).

[7]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 1.17), p. 56.

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