A Pessoa e Obra do Espírito Santo (256)

          6.4.3. As Marcas da Igreja  (Continuação)

   A verdade revelada nas Escrituras é a realidade como Deus a percebe. Deus percebe as coisas como são. Somente Deus, e mais ninguém, tem um conhecimento objetivo da realidade. A verdade deve se conformar com a realidade, fazendo justiça ao que dela pode ser percebido.

A busca da compreensão verdadeira da verdade

          Na busca pela verdade são bem-vindos trabalhadores sinceros, ainda que limitados, porém, jamais insinceros. A verdade não carece de artifícios. Ela é única em sua compreensão exaustiva e, portanto, eterna.

As coisas são como são porque de alguma forma Deus as sustenta. Desse modo, antes de atribuirmos valor à verdade, ela já o tem porque foi Deus quem a criou e lhe confere significado.

A verdade é uma expressão de Deus em si mesmo e na Criação. Deus é a verdade, opera por meio da verdade e nos conduz à verdade.

A graça de Deus opera pela verdade e, nesta verdade que foi ouvida e compreendida, frutificamos (Cl 1.6). “A verdade é aquilo que é consistente com a mente, a vontade, o caráter, a glória e o ser de Deus. Sendo mais preciso: a verdade é a autoexpressão de Deus”, interpreta MacArthur.[1]

A verdade é sempre crucial e fundamental

Por isso, a verdade é sempre crucial. O Cristianismo não se sustenta amparado em aparências, circunstâncias e ambiguidades, antes, ele proclama a verdade e se dispõe a ser examinado à luz da verdade. Apesar de muito barulho e pretensões humanas, nós não criamos nem inventamos a verdade.[2] A verdade antecede e independe de nossa percepção e mesmo, da igreja. Apenas, pela graça a descobrimos, redirecionamos a nossa vida e a proclamamos.[3]

Portanto, ou a sua mensagem é verdadeira, ou não há mensagem relevante a ser proclamada. “Como sempre, verdade é a questão essencial. Onde uma noção clara da verdade está ausente, o cristianismo torna-se mais uma atitude do que um sistema de crenças. Contudo a crença sempre pressupõe uma verdade que pode e deve ser conhecida”, conclui Mohler.[4] 

          O fato é que muitos se intitulam pertencerem à verdade Igreja de Cristo. O problema é: como identificá-la? Quem estabelece o critério? Há autoridade suficiente naquele que formula tais princípios para identificá-la visivelmente?[5]

    Estas questões pressupõem a existência de variadas supostas igrejas que alegam ser o verdadeiro Corpo de Cristo. Porém, Cristo não está dilacerado. Ele só tem um corpo. Como conciliar tais questões de forma bíblica com grupos que, por vezes, professam uma fé excludente?

A necessidade de definição

          Em uma entrevista concedida em 1991, o físico e filósofo Thomas Kuhn (1922-1996) queixando-se do uso excessivo e inadequado da expressão “paradigma”, que marca o seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, admite que no livro não definira “paradigma” tão rigorosamente como deveria”.[6]

          Definir, segundo o sentido etimológico[7] é delimitar. A definição procura determinar a compreensão da ideia,[8] circunscrevendo a sua abrangência, indicando todos os seus elementos constitutivos. Como todo conceito possui um conteúdo, a definição nada mais é do que a determinação da natureza deste conteúdo.[9]

          A definição deve partir da observação definido, não de uma interposição arbitrária de nomes e qualidades que julgamos serem compatíveis ou sugestivos. Agostinho nos orienta quanto a isto: “A ciência da definição, da divisão e da classificação, ainda que seja empregada muitas vezes para coisas falsas, não é por si só falsa; nem foi instituída pelos homens, mas descoberta pela própria razão das coisas”.[10]

          Aristóteles (384-322 a.C.), compreendia a definição como consistindo “no gênero e nas diferenças; e se, por outro lado, não é um desses termos, evidentemente, será um acidente”.[11]

          Do ponto de vista lógico, a ideia é igual a sua definição. A definição lógica consiste de fato em delimitar exatamente a compreensão de um objeto, ou, em outros termos, em dizer o que uma coisa é. Daí o princípio: “A definição é a noção (ideia) desenvolvida e (…) a noção é a definição condensada”.[12]

          Clouser enfatiza: “Uma definição não arbitrária deve afirmar o conjunto de características singulares compartilhado por todas as coisas do tipo que está sendo definido”.[13]

          A definição se propõe a nos fazer ver com maior clareza o assunto do qual tratamos. A “indefinição” acarreta uma série de omissões, generalizações e equívocos, justamente por não termos claro diante de nós o objeto do qual estamos tratando ou, em que sentido nos aproximamos de cada ideia.

          Condillac (1715-1780) assim expressou esta questão: “A necessidade de definir é apenas a necessidade de ver as coisas sobre as quais se quer raciocinar e, se fosse possível ver sem definir, as definições se tornariam inúteis”.[14]

          Como toda a Lógica, a definição respalda-se no “Princípio de Contradição” – “Nada pode simultaneamente ser e não ser”[15] –, portanto, uma definição não pode ser contraditória com a própria essência do definido; antes, ela deve convir a todo o definido e somente a ele. Assim sendo, será possível substituir a definição pelo definido sem possibilidade de equívoco, caso contrário não haveria interesse na definição, tantas as confusões que ela provocaria.

          A observação de Espinosa (1632-1677) é-nos orientadora: “A verdadeira definição de cada coisa não envolve nem exprime senão a natureza da coisa definida”.[16]

          O princípio que deve nos nortear é que a definição deve primar pela essência, não pelos “acidentes” que normalmente são efêmeros e não indicam as qualidades intrínsecas do ser.[17] Aristóteles (384-322 a.C.) está correto ao dizer: “Uma definição é uma frase que significa a essência de uma coisa”.[18]

          É neste ponto que destacamos a importância dos Credos da Igreja. Assunto que trataremos no próximo post.

Maringá, 06 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 30.

[2] “Não se pode construir a verdade de jeito nenhum; só se pode descobrir a verdade. E quanto mais ruidosamente as pessoas de opinião intervêm com suas contribuições menos provável é descobri-la” (Harry Blamires, A Mente Cristã: como um cristão deve pensar? São Paulo: Shedd Publicações, 2006, p. 113).

[3] “Para se viver com significado, é necessário descobrir a verdade, descobrir a realidade; uma vez descoberta, temos de viver em fidelidade para com a verdade. A integridade e a busca da verdade andam de mãos dadas” (Charles Colson; Harold Fickett, Uma boa vida, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 174).

[4]Albert Mohler, O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 11-12.

[5] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 17ss.

[6]John Horgan, O Fim da Ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento Científico, 3. reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 64. De fato, Allen e Springsted analisando aspectos da obra de Kuhn, dizem: “Seu uso de ‘paradigma’ é bastante vago” (Diogenes Allen; Eric O. Springsted, Filosofia para Entender Teologia. 3. ed. Santo André, SP.; São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2010, p. 322).

[7]As palavras gregas correspondentes são: o(/roj = “termo”, “limite” e o(rismo/j = “delimitação”, “acordo”, “tratado”.

[8] É a “expansão do conceito essencial das coisas”. “Definição é uma oração que manifesta a natureza de uma coisa ou de um termo” (Ernesto Dann Obregón, Lógica, 4. ed. Santa Fé: Libreria y Editorial Castellví, (1951), p. 89 e 90.

[9]Saucy, esclarecendo por que não podemos apresentar uma “definição rigorosa da ideia de Deus”, lança luz sobre o conceito de definição: “Definir, que significa limitar, envolve a inclusão do objeto dentro de certa classe ou proposição universal conhecida e a indicação dos seus aspectos distintivos comparados com outros objetos daquela mesma classe” (R.L. Saucy, Doutrina de Deus: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 440).

[10] Santo Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.36 p. 143.

[11] Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.8. p. 17.

[12] L. Liard, Lógica, 9. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979, p. 25.

[13]Roy A. Clouser, O mito da neutralidade religiosa: Um ensaio sobre a crença religiosa e seu papel no pensamento teórico, Brasília, DF.: Editora Monergismo, 2020. Edição do Kindle. (Posição 287 de 11450).

[14]E.B. de Condillac, Lógica ou Os Primeiros Desenvolvimentos da Arte de Pensar, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 27), 1973, p. 121.

[15] Aristóteles, Metafísica,III,2,996 b 30; IV,2,1005 b 24. Cf. Princípio de Contradição: In: N. Abbagnano, Dicionário de Filosofia,2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 188b.

[16]Baruch Espinosa, Ética, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 17), 1973, I.8. Escólio 2, p. 91.

[17]Mesmo a “definição essencial” sendo a mais adequada, devemos ter em mente que de acordo com a abordagem que faremos de um assunto, o “essencial” pode não ser o mais importante; neste caso, propomos a “definição operacional” que seria aquela que nos daria os “elementos essenciais” para a nossa abordagem (operação), para o fim almejado. (Veja-se:. Definição: In: N. Abbagnano, Dicionário de Filosofia,p. 222a).

[18]Aristóteles, Tópicos, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. IV), 1973, I.5. p. 13. O historiador Huizinga (1872-1945), apresenta-nos um bom princípio: “Uma boa definição deve ser concisa, ou seja, expor o conceito que se trata de definir com toda precisão e de um modo completo, no menor número de palavras. A definição descreve o significado de uma determinada palavra, usada para designar um determinado fenômeno. Na definição deve ficar inscrito, incluído o fenômeno em sua totalidade. Se permanecem fora dela partes essenciais do fenômeno, a definição não é boa. Por outro lado, uma definição não precisa entrar em detalhes” (Johan Huizinga, El Concepto de la Historia y Otros Ensayos, 4. reimpresión, México: Fondo de Cultura Económica, 1994, p. 87).

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