A Pessoa e Obra do Espírito Santo (257)

          6.4.3. As Marcas da Igreja  (Continuação)

Os Credos como norte teológico da igreja

Os Credos da igreja, além de outras funções, serviam como ensino proposicional a respeito da fé cristã, ao mesmo tempo que combatiam ênfases ou ensinamentos essencialmente errados,[1] resguardando assim a Igreja, de ensinamentos heréticos[2] e concediam uma certa uniformidade de fé nos convertidos.[3]

No segundo século eles eram conhecidos como “regra de fé”.[4] Os candidatos à Profissão de Fé estudavam a “doutrina” a fim de que pudessem, na ocasião própria, declarar publicamente a sua fé de forma responsiva.

          Os Credos também tiveram outra utilidade: Devido ao medo da perseguição, ao invés deles serem escritos, eram memorizados[5] e quando necessário, recitados como testemunho de sua fé. Desta forma, os credos, assumiram papel fundamental na vida dos fiéis que têm a sua fé alimentada e fortalecida na declaração da promessa na qual ele crê. Deste modo, a promessa é a mesma, a fé tem o mesmo fundamento, contudo, em situações diversas assumem contornos mais contundentes e relevantes.

          Foi com o surgimento das heresias que se tornou necessário estabelecer”um padrão de verdade ao qual a igreja deve corresponder”,[6] sendo os Credos uma resposta da Igreja à situação de ameaça à teologia considerada bíblica.

          Com o passar do tempo, os credos como declarações teológicas, foram se tornando mais detalhados. Isto por três motivos:

1) Devido à  reflexão e compreensão mais aprimorada das doutrinas bíblicas;

2) Considerando o intenso crescimento da igreja (séc. III), instruir os neófitos para que estes não fossem facilmente conduzidos pelas heresias;[7]

3) Devido à necessidade de, mediante o ensino cristão, combater as heresias que surgiam, de forma cada vez mais intensa, com novas interpretações e questionamentos, marcadamente, relacionados com a pessoa de Cristo.[8] Desta forma as declarações de fé além de reafirmarem as anteriores,  foram sendo ampliadas  e aprofundadas em suas respostas.

Neste contexto, são realizados os grandes Concílios da Igreja com as suas famosas e necessárias declarações de fé que se tornaram paradigmáticas para a fé cristã.

Por exemplo, conforme já mencionamos, o Quarto Concílio Ecumênico, realizado em Calcedônia (8-31/10/451) ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381).[9]

O seu objetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja. Mesmo tendo como preocupação dominante as questões referentes ao Filho, encontramos na sua declaração termos que se tornaram padrão dentro da teologia para se referirem à Trindade.

Maringá, 06 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Vejam-se: At. 2.42; Rm 6.17; Ef 4.5; Fp 2.16; Cl 2.7; 2Ts 2.15; 1Tm 4.6,16; 6.20; 2Tm 1.13,14; 4.3; Tt 1.9, entre outros.

[2]Veja-se: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 45-49.

[3]Veja-se: Alister E. McGrath, Teologia Histórica: uma introdução à história do Pensamento Cristão, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 45;

[4] Os “Pais da Igreja” e alguns Concílios usaram com certa frequência a expressão “cânon” que, via de regra, visava distinguir os ensinamentos da Igreja cristã das heresias que surgiam. Abaixo, poderemos constatar, dentro da documentação disponível, alguns dos diversos e valiosos testemunhos dos Pais e Concílios da Igreja.

            Clemente (c. 30-100), bispo de Roma (91-100), por volta do ano 95 AD., deparou-se com uma grave dissensão na Igreja de Corinto, causada por alguns jovens que não estavam obedecendo aos presbíteros da Igreja. Clemente então, no mesmo ano, escreveu uma carta à Igreja, na qual ele os exorta à humildade e obediência, segundo o exemplo de Cristo, para que possam assim, chegar à unidade e paz. Estimulando a Igreja arrependida a uma caminhada segura em Cristo, diz: “Prossigamos para a gloriosa e venerável regra (kanw/n) de nossa tradição” (Clemente de Roma, Epístola aos Coríntios, I.7.2). Clemente de Alexandria (c. 150-c. 215), chamou a harmonia entre o Antigo e o Novo Testamento de “um cânon para a Igreja” (Clemente de Alexandria, The Stromata, VI.15. In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers. 2. ed. Peabody, Massachusetts: Eerdmans, 1995, v. 2, p. 506-511. (Vd. também, VI.11; VII.16)). Ele também escreveu um livro contra os judaizantes, intitulado, “Cânon eclesiástico ou contra os judaizantes”  (Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica,Madrid: La Editorial Catolica, S.A., (Biblioteca de Autores Cristianos), 1973, VI.13.3). Irineu (c.120-202), chama o “credo batismal” – que deveria ser guardado sem nenhuma modificação no coração –, de “O cânon da verdade” (Irineu, Against Heresies, I.9.4. In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers. 2. ed. Peabody, Massachusetts: Eerdmans, 1995, v. 1, p. 330. Veja-se também, Against Heresies, I.10.1; III.4.1). Policarpo (c. 70-155), refere-se ao “Evangelho” como “cânon da fé” (Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, V.24.6).

            Entre os anos de 264 e 268, três Sínodos reuniram-se sucessivamente em Antioquia, tendo como objetivo julgar a conduta e os ensinamentos de Paulo de Samosata, bispo de Antioquia desde 260. O último dos três sínodos (268) o condenou e o excomungou por “heterodoxia” (e(terodoci/an). A sua doutrina e conduta foram classificadas como sendo uma “apostasia do cânon” (“a)posta\j tou= kano/noj”)(Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiastica,VII.30.6); ou seja, o abandono da fé ortodoxa.

            Como pudemos observar, o emprego da expressão “cânon” pelos Pais e Concílios da Igreja, tinha o sentido de um padrão aprendido e recebido como verdadeiro. Uma outra expressão usada e, pelo que deduzimos, tinha o mesmo significado, era: “regra de fé” (Cf. o uso feito por Tertuliano, Da Prescrição dos Hereges, 13. In: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, 2. ed. (revista e ampliada), São Paulo: Paulinas, 1980. § 254, p. 162 e In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers. 2. ed. Peabody, Massachusetts: Eerdmans, 1995, v. 3, p. 249; Novaciano, Sobre a Trindade: In: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, § 309, p. 201) e, “regra dos antigos” (Conforme uso de Basílio, Profissão de Fé: In: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, § 365, p. 239). Em outras palavras, o “cânon eclesiástico” (kanw\n th=j e)kklhsi/aj), quando não se referia aos Livros da Bíblia, significava a doutrina ortodoxa da Igreja, aquilo que a Igreja sustentava como verdade. (Para mais detalhes sobre este assunto, Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998).

[5]Ambrósio de Milão (c. 334-397) escreveu: “Os santos apóstolos juntos fizeram um resumo da fé, a fim de que pudéssemos compreender brevemente o elenco de toda a nossa fé. A brevidade é necessária, para que ela seja sempre mantida na memória e na lembrança” (Ambrósio, Explicação do Símbolo, São Paulo: Paulus, 1996, 2. p. 23).

[6] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 579.

[7] Cf. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 125.

[8] “A cristologia, como a maioria das doutrinas do Novo Testamento, foi retirada da bigorna da necessidade quando a igreja entrou em conflito com os ensinos errôneos” (Broadus D. Hale, Introdução ao Estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP., 1983, p. 299). Quanto às principais heresias dos primeiros séculos concernentes à Pessoa de Cristo, Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Parakletos, 2002).

[9] “Assim, o Concílio de Nicéia (325) garantiu a verdade de que Jesus é verdadeiro Deus, enquanto o Concílio de Constantinopla (381) garantiu que Jesus é verdadeiro homem. Em seguida, o Concílio de Éfeso (431) garantiu que, apesar de Deus e homem, Jesus é só uma pessoa, enquanto o Concílio de Calcedônia (451) garantiu que, apesar de uma única pessoa, ele tinha duas naturezas, divina e humana” (John Stott, O Incomparável Cristo, São Paulo: ABU., 2006, p. 83).

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