A Pessoa e Obra do Espírito Santo (171)

3) Jesus Cristo, o Justo justificador dos humanamente injustificáveis

                                                                       Qual é o seu único conforto na vida e na morte?

R.: O meu único conforto é que – corpo e alma, tanto na vida como na morte – não pertenço a mim mesmo, mas a meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que, com o seu próprio sangue, pagou totalmente por todos os meus pecados e me libertou completamente do poder do diabo. – Catecismo de Heidelberg (1563), Perg. 1.

                                                                     É necessário que entendamos que a doutrina da justificação não é uma fraude, como se Deus considerasse justo o que não é justo, fazendo vista grossa à condição humana de pecado e depravação. Segundo a própria instrução divina, o juiz não pode justificar o culpado e punir o inocente (Dt 25.1).[1]

          Contudo, se não somos justos, como Deus, então, nos declara justos? Nesta doutrina nos deparamos com o absoluto padrão de Deus e a realidade da aplicação de sua justiça. Prossigamos.

          O Antigo Testamento refere-se ao Messias que viria como aquele que agiria com justiça. O Novo Testamento atesta a realidade do cumprimento histórico do que fora dito. No Antigo Testamento lemos as profecias messiânicas:

Para que se aumente o seu governo e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça (hq’d’c.) (tsedaqah) desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos exércitos fará isto. (Is 9.7).

Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo (qyDIc;)(tsadiyq) e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. (Zc 9.9).

          No Novo Testamento, na iminência da condenação de Jesus, a mulher de Pilatos, Cláudia Prócula, manda um recado ao seu marido: “…. Não te envolvas com esse justo (di/kaioj); porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito” (Mt 27.19). Ao presenciar o modo como morreu nosso Senhor, um centurião, glorificando a Deus, exclamou: “Verdadeiramente, este homem era justo (di/kaioj)(Lc 23.47).

          Após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus, Pedro, no seu discurso diante dos judeus, demonstra que eles escolheram libertar um criminoso (Barrabás) ao invés de Jesus Cristo, contra quem não havia acusação real passível de qualquer condenação judicial: “Vós, porém, negastes o Santo e o Justo (di/kaioj), e pedistes que vos concedessem um homicida” (At 3.14).

           Anos mais tarde, na sua primeira Epistola, Pedro escreveria: “…. Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo (di/kaioj) pelos injustos (a)/dikoj = “ímpio”, “desonesto”[2])….”(1Pe 3.18).

          As Escrituras nos ensinam que Jesus Cristo, a nossa justiça, é a própria justiça de Deus, e que o seu ministério consistiu em cumprir a obra que o Pai lhe confiara, em favor de todo o seu povo (Jo 17.4). A sua obra foi realizada retamente, em harmonia com o “Conselho da Trindade” (Ef 1.11). Por isso, o escritor da Carta aos Hebreus pôde dizer: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15).

          A essência da justificação é que Cristo suportou a justa condenação de Deus para que o seu povo fosse declarado justo em sua obra de justiça.[3]

          Murray (1898-1974) diz corretamente que:

 A única justiça concebível que satisfará as necessidades da nossa situação como pecadores e que satisfará as exigências de uma plena e irrevogável justificação é a justiça de Cristo. Esta afirmação implica a sua obediência e, portanto, a sua encarnação, morte e ressurreição. Em uma palavra, a necessidade da expiação é inerente e essencial à justificação. Uma salvação do pecado que é divorciada da justificação é uma impossibilidade, e a justificação de pecadores sem a justiça divina do Redentor é inconcebível.[4]

          A santidade absoluta de Deus se revela na cruz onde o seu amor e a sua justiça se evidenciam de forma eloquente e perfeita.[5] A cruz enfatiza o Deus santo e majestoso, zeloso por sua glória.[6] A cruz não fez Deus nos amar, antes, o seu amor por nós a produziu e se revelou ali.[7]       

          Enquanto para nós as circunstâncias servem de pretexto para os nossos atos pecaminosos e os posteriores atenuantes, para Deus tais circunstâncias – sobre as quais tem total domínio: Ele também é o Senhor das circunstâncias – oportunizam a manifestação do que Ele é em sua essência.

          O pecado não tornou Deus misericordioso, santo ou justo. Ele é eternamente misericordioso, santo e justo. No entanto, o pecado propiciou a Deus, por sua livre graça, revelar-se desta forma para conosco.[8]

Maringá, 25 de abril de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Em havendo contenda entre alguns, e vierem a juízo, os juízes os julgarão, justificando ao justo e condenando ao culpado” (Dt 25.1).

[2] a)dikoj * Mt 5.45; Lc 16.10,11; 18.11; At 24.15; Rm 3.5; 1Co 6.1,9; Hb 6.10; 1Pe 3.18; 2Pe 2.9.

[3] Veja-se: John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 318.

[4] John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 19.

[5] “A cruz e a coroa revelam não apenas as virtudes do Filho, mas também do Pai. Todos os atributos divinos alcançam plena expressão aqui. Dentre todas elas, uma sobressai: a justiça do Pai. Se Ele não tivesse sido justo, certamente não teria entregue seu Filho Unigênito. E também, se não fosse justo, Ele não teria recompensado o Filho por Seu sofrimento. Mais, por meio dos louvores da multidão salva, o Pai (bem como o Filho) é glorificado” (William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004(Jo 17.1), p. 754). “A cruz se levanta como testemunho da infinita dignidade de Deus e o infinito ultraje do pecado” (John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 31).

[6] “A justiça de Deus é o zelo resoluto pela exaltação de Sua glória” (John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 27).

[7]Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997 (Grandes Doutrinas Bíblicas, v. 1), p. 426.

[8] Watson (c. 1620-1686) disse que “A justificação é uma misericórdia provinda das entranhas da livre graça” (Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 264).

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