A Pessoa e Obra do Espírito Santo (172)

3) Jesus Cristo, o Justo justificador dos humanamente injustificáveis (Continuação)

Na cruz vemos a manifestação gloriosa dos atributos de Deus. “A justiça e o amor se encontraram e se abraçaram. Os santos atributos de Deus são glorificados juntamente na morte do Filho de Deus na cruz”, comenta Lloyd-Jones .[1]

          Não haveria para nenhum de nós salvação de nossos pecados sem a justificação. Da mesma forma, existe a justificação porque Jesus Cristo é a nossa justiça; é Ele mesmo quem nos redime (1Co 1.30).[2]

          Como escreveu Lloyd-Jones (1899-1981):

Se lhes fosse solicitado responder onde a Bíblia ensina a santidade de Deus mais poderosamente teriam de ir ao Calvário. Deus é tão santo, tão plenamente santo, que nada senão aquela morte terrível poderia tornar possível que Ele nos perdoasse. A cruz é a suprema e a mais sublime declaração e revelação da santidade de Deus.[3]

          Na cruz temos a reconciliação do santo com o pecador, do perfeitamente justo com o totalmente injusto, do infinito com o finito; do Deus eterno com o homem temporal: “A cruz é o centro da história e a reconciliação de todas as antíteses”, analisa Bavinck.[4]

          O profeta Isaías diz que “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele [Jesus Cristo] a iniquidade de nós todos” (Is 53.6).

          De acordo com as Escrituras, ou somos justificados por Cristo por meio da fé, ou estamos definitivamente condenados. A ilusão humana fruto do seu pecado é achar que não tem pecado, ou que pode amparado em seus próprios merecimentos apresentar-se diante de Deus.[5]

Na realidade, não há meio-termo; não há síntese entre nossas supostas obras e a fé em Cristo. Não há meia-justiça. Ou é tudo, ou é nada. Para a Teologia Reformada, a justificação é totalmente pela graça, mediante a fé, ou seja, por Cristo Jesus.[6]

           Jesus Cristo é o único que cumpriu perfeitamente a justiça divina. Somente nele podemos   fato sermos declarados justos. A graça nos justifica na justiça de Cristo. Deste modo, não é a fé que nos justifica, antes, é Deus quem nos justifica em Cristo nos comunicando esta bênção pela fé. Sem a graça não haveria fé. Como vimos, a fé é a boa obra do Espírito Santo em nós.

          A fé em Cristo é o esvaziamento de toda confiança em nossa capacidade e merecimento. A eficácia da fé não está em sua suposta perfeição. Aliás, nossa fé sempre é limitada e imperfeita. Por isso, a sua efetividade está no repouso humilde e total  na justiça perfeita de Cristo.[7] “A justiça de Deus não nos condena, mas nos justifica. Somos revestidos da justiça de Cristo”, resume Bavinck.[8]

          Não existe justificação sem a pessoa e obra de Cristo (Rm 3.24; Tt 3.7[9]).[10] “…. mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11).

          Jesus Cristo cumpriu a Lei. Ele é a nossa justiça: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30).

          O Espírito aplica em nós a justiça de Cristo, por isso, somos declarados justos diante de Deus.

          A Confissão de Westminster professa:

Deus, desde toda a eternidade, decretou justificar todos os eleitos; e Cristo, no cumprimento do tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou para a justificação deles; contudo, eles não são justificados até que o Espírito Santo, no tempo próprio e de fato, comunica-lhes Cristo. (Rm 3.4; 4.25; Tt 3.6-7/1Co 6.11).[11]

Desse modo, vemos que Deus eternamente decretou nos justificar. Contudo, Ele o faz no tempo, também por graça, por meio da fé.

          A nossa dívida foi paga. Nada ficou pendente. Cristo satisfez completamente as santas e justas exigências do Pai. Tudo foi pago pela graça e com justiça. A Trindade nos justifica (At 13.39; Rm 8.30,33; 1Co 6.11).

                                                           4) Um perdão legal: um novo status

                                                                      A justificação é o fundamento judicial ou forense da santificação.[12] Na justificação pressupomos uma relação entre duas partes considerando o seu direito. Nesta doutrina, temos a regulamentação das relações entre as partes.[13] Há uma mudança na nossa condição legal: Deus declara ao homem culpado que já não há mais culpa em nós. Aqui de fato passamos a ter vida.[14] Mudamos da situação de um condenado que aguardava tristemente a terrível sentença condenatória para a condição de filho de Deus, na expectativa da sua majestosa herança (Rm 8.14-18)[15].[16]

          É importante enfatizar que na justificação “Deus não declara que o ímpio é santo; ele declara que, não obstante sua pecaminosidade e indignidade pessoal, ele é aceito como justo com base no que Cristo fez por ele”, destaca Hodge.[17]

          Segundo escreveu Calvino: “Quando Deus nos justifica pela intercessão de Cristo, ele nos absolve não pela prova de justiça pessoal, mas pela imputação de justiça, de sorte que somos tidos por justos em Cristo, nós que inerentemente não o somos”.[18]

          A justificação – que ocorre fora de nós – não produz nenhuma transformação espiritual em nosso ser. Contudo, significa que Deus já a fez pela regeneração e continuará fazendo pela santificação.[19] Na regeneração recebemos um coração novo, com uma santa disposição. Na justificação, Deus, Senhor e Rei, nos declara justos,  e perdoa todos os nossos pecados os quais foram pagos definitivamente por Cristo. Por isso, já não há nenhuma condenação sobre nós. Estamos em paz com Deus resultante da justiça de Cristo imputada a nós (Rm 5.1; 8.1,31-33).[20]

Deste modo, o Pai decretou nos justificar por meio dos méritos de Cristo que são aplicados pelo Espírito Santo. O Senhor, no legítimo uso de seus direitos e prerrogativas, mudou o nosso status de condenados para declarados justos.

Maringá, 25 de abril de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 222.

[2]Ver: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 19.

[3] D. M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 97. “A santidade e a retidão do Seu ser eterno e do Seu caráter significam que Ele não pode ignorar o pecado. O pecado é uma realidade, um problema (…) até para Deus. É uma coisa que Ele vê e da qual tem que tratar, e assim manifesta a glória do Seu ser em Sua santidade e justiça” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 51).

[4]Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 48.

[5] “A ilusão mais perigosa de todas é o farisaísmo. Essa é a verdadeira barreira a Jesus Cristo. Toda a rejeição da graça de Deus toma essa forma. Aqueles que recusam o perdão gratuito de Deus por meio de Cristo fazem assim porque acham que não precisam desse perdão. Eles não admitem que são pecadores. Eles negam que estejam desesperadamente perdidos” (Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 79).

[6]Veja-se: João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.15-16), p. 68-71.

[7]Ver: Joel R. Beeke, Justificação pela Fé Somente (A Relação da Fé com a Justificação): In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente,São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 54.

[8]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 179.

[9]“Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). “A fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eterna” (Tt 3.7).

[10] Vejam-se: Michael Horton, União com Cristo. In: Michael Horton, org., Cristo o Senhor: A Reforma e o Senhorio da Salvação,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 105-106; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 1115.

[11] Confissão de Westminster,XI.4.

[12] Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 209; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 540.

[13] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 371-372.

[14]“Justificação forense significa que somos declarados justos por Deus em um sentido legal. A base dessa declaração legal é a imputação da justiça de Cristo a nosso favor” (R.C. Sproul, O que é teologia reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 51. Do mesmo modo: R.C. Sproul, A natureza forense da justificação: In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual a Igreja: Justificação pela Fé Somente, São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 27ss. Veja-se: George Whitefield, Cristo: Sabedoria, Justiça, Santificação, Redenção, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), p. 8.

[15] 14 Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. 15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. 17 Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados. 18 Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.14-18).

[16]Veja-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980,p. 121.

[17]Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 1115. “A justificação é um ato judicial de Deus, no qual ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as reivindicações da lei são satisfeitas com vistas ao pecador” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 517).

[18] João Calvino, As Institutas, III.11.3.

[19] “Não há justificação sem regeneração, assim como não há regeneração sem justificação” (James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 369).

[20]“Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). 31 Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? 32 Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? 33 Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8. 31-33).

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