A Pessoa e Obra do Espírito Santo (143)

     O envio de missionários para outras cidades e países era uma questão delicada para a qual a Companhia de Pastores manteve, enquanto pôde, sigilo absoluto até mesmo do Conselho Municipal.

  Os nomes dos missionários eram em geral mantidos em sigilo. A primeira vez[1] que tais nomes são mencionados na Companhia de Pastores de Genebra foi em 22 de abril de 1555. Jehan Vernoul e Jehan Lauvergeat, designados para as igrejas dos vales de Piemonte, atendendo a solicitação de três irmãos que a Companhia enviara, solicitando o auxílio de mais missionários, considerando que a obra do Senhor estava avançando naquela região.[2]

     Na ocasião (22.04.1555), há o registro do envio de Jacques Langlois  Tours, para Lausanne e Lyon, onde seria martirizado em 1572.[3]

     Outro exemplo: o envio de dois ministros para a missão no Brasil, em resposta ao apelo de Villegagnon,[4] é descrita de forma sumaríssima: O registro simplesmente menciona (25/08/1556) que Pierre Richier († 1580)[5] e M.  Guillaume Charretier (Chartier)[6] foram enviados.[7] A própria correspondência que vinha dos franceses no Brasil para Calvino, recorria a algum de seus pseudônimos.[8] 

     A partir daí, o registro do trabalho de recrutamento e treinamento de missionários para a França, Itália e toda a Europa, envolvendo o Brasil na América do Sul, se intensificará gradativamente. 

     Mais tarde, em 1557, conscientes de que esse trabalho “secreto” não poderia ser mantido indefinidamente, Calvino compareceu pessoalmente ao Conselho municipal e contou sobre o envio de missionários. Não houve maiores problemas mas, o Conselho municipal de forma sagaz, acordou com Calvino fazer vista grossa. Uma espécie de: “não sabemos de nada”. Assim a Companhia pôde continuar o seu trabalho de preparo e envio de missionários, sem que Genebra oficialmente participasse disso, evitando possíveis conflitos diplomáticos.[9] Contudo, a partir de 1562, com o início das guerras religiosas na França, tornou-se necessário omitir novamente os nomes dos missionários.

     Em 01 de outubro de 1560, Calvino escreve uma extensa carta ao seu amigo Bullinger (1504-1575).[10] A certa altura diz:

Enquanto isso, a verdade do evangelho está avançando. Na Normandia nossos irmãos estão pregando em público, porque nenhuma casa particular é capaz de conter um público de três ou quatro mil pessoas. Há maior liberdade em Poitou, Saintonge, e em toda a Gasconha. Languedoque, Provença e Delfinado há muitos discípulos intrépidos de Cristo.[11]

     O Conselho de Genebra liderado por Calvino esforçou-se intensamente pela evangelização da França, chegando, em alguns casos, até mesmo cidades suíças ficarem desguarnecidas de pastores devido também, ao entusiasmo e voluntariado destes em difundir o Evangelho naquele país.

   Mesmo confiante na soberania de Deus que operava poderosamente por meio do Evangelho valendo-se dos meios propostos por Ele mesmo, Calvino entendia que “certamente nada retarda tanto o progresso  do reino de Cristo como a escassez de ministros”.[12] “Um pregador do Evangelho, portanto, deve ter como sua meta, na realização de seu ofício, oferecer a Deus as almas purificadas pela fé”.[13] Por outro lado, “a infidelidade ou negligência de um pastor é fatal à Igreja”.[14]

     Medeiros, tratando sobre o grande interesse missional dos pastores da Suíça, escreve, possivelmente com um tom melancólico: “Ao que parece, era mais fácil e mais rápido encontrar tais obreiros na Genebra do século 16 e enviá-los para a América do Sul do que para uma agência missionária contemporânea recrutar um pastor hoje para o trabalho missionário”.[15] 

Maringá, 26 de março de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. Alister E. McGrath,  A Vida de João Calvino, p. 211.

[2]Acredito que antes disso outros missionários foram enviados sem que seus nomes aparecessem nos Registros. Os próprios três irmãos que pediram ajuda, caso tenham sido enviados pela Companhia,  como suponho que sim, não têm o seu envio registrado. Se eu estiver certo, esse fato contribui em grande parte para que as estatísticas do envio de missionários sejam bastante flexíveis e discrepantes.

[3] Robert-M. Kingdon; J.F. Bergier,  Registres de La Compagnie des Pasteurs de Genève au Temps de Calvin, Tome II, 1553-1564, Genève: Librairie E. Droz, 1962, p. 62-63.  Veja-se : W. de Greef,  The Writings of John Calvin: An Introductory Guide,  Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 73ss.

[4] Cf. Jean de Léry, Viagem à Terra do Brasil,  3. ed. São Paulo: Martins Fontes, (1960), p. 51-52. Léry narra que “Ao receber as suas cartas e ouvir as notícias trazidas, a igreja de Genebra rendeu antes de mais nada graças ao Eterno pela dilatação do reino de Jesus Cristo em país tão longínquo, em terra estranha e entre um povo que ignorava inteiramente o verdadeiro Deus” (p. 51).

[5] Antes de aderir ao protestantismo era monge carmelita e doutor em teologia. Calvino achava que ele tinha algum problema no cérebro (Carta a Farel de 14/02/1558). Carta 2814. In: Herman J. Selderhuis, ed.,  Calvini Opera Database 1.0,  Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 17).

[6] Posteriormente Calvino demonstrou ter dúvida quanto à integridade de Chartier (Carta a Macarius de 15/03/1558). Carta 2833. In: Herman J. Selderhuis, ed.,  Calvini Opera Database 1.0,  Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 17). Macarius (pastor Jean Macard), no entanto, depois de investigar, atesta a fidelidade de Chartier (Cartas de Macarius a Calvino de 21/03/1558 e 27/03/1558). Cartas 2838 e 2841. In: Herman J. Selderhuis, ed.,  Calvini Opera Database 1.0,  Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 17).

[7] Robert-M. Kingdon; J.F. Bergier,  Registres de La Compagnie des Pasteurs de Genève au Temps de Calvin, Tome II, 1553-1564, Genève: Librairie E. Droz, 1962, p. 68.

[8] Vejam-se  Frans L. Schalkwijk, O Brasil na Correspondência de Calvino. In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, IX/1 (2004) 101-128. Vejam-se também as explicações a respeito dos pseudônimos e fac-símiles das respectivas assinaturas in: Emile Doumergue, Jean Calvin: Les hommes et les choses de son temps, Lausanne: Georges Bridel & Cie Editerurs, 1899, v. 1,  p. 558-573 (Apêndice nº VIII).

[9] Vejam-se detalhes em Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 211-213.

[10]Bullinger foi amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), tendo escrito cerca de 150 obras, entre elas, A Segunda Confissão Helvética (1562-1566).

[11] In: Rudolf Schwarz, ed., Johannes Calvins Lebenswerk in seinen Briefen, Germany: Neukirchener Verlag: 1962,v. 3, p. 1083.

[12] Carta de Calvino a Bullinger, escrita em 12.03.1562. In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983,  p. 263.

[13]João Calvino, Romanos,2. ed. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, (Rm 15.16), p. 507.

[14]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.16), p. 126.

[15] Elias Medeiros, O compromisso dos reformadores calvinistas com a propagação do evangelho a todas as nações. (https://www.martureo.com.br/wp-content/uploads/2017/10/o-compromisso-dos-reformadores_elias-medeiros.pdf) (Consultado em 26.03.2021).

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