A Pessoa e Obra do Espírito Santo (311)

1) Ser vocacionado (Continuação)

                                                            Aqui quero me deter um pouco mais falando sobre a vocação, o chamado de Deus para o desempenho de nossos ofícios, não estando isso limitado ao diaconato.

O serviço que prestamos a Deus deve ser visto não como uma fonte de lucro ou projeção, mas como resultado de um chamado irrevogável de Deus. As Escrituras não tratam apenas da questão material, do que fazemos, mas, também, e essencialmente, com qual propósito o fazemos.

A integridade de propósito em nossas ações é essencial às Escrituras. O que fazemos deve proceder das Escrituras e com o propósito de glorificar a Deus.

          Paulo em seu ministério tinha esta consciência, de ser apóstolo pela vontade de Deus. A sua vontade era decorrente da vontade do seu Senhor.

          Por força de ofício, já participei de alguns eventos acadêmicos. Observo que na apresentação do preletor ou conferencista destacam-se os seus títulos mais importantes, cargo que ocupa ou função que exerce. Em geral, acredito, isto predispõe positivamente o auditório a ouvi-lo com atenção considerando-o uma autoridade no assunto. O mesmo fazemos quando nos deparamos com um livro que nos chama a atenção, porém, escrito por um autor desconhecido. Tendemos a examinar quem é o autor, quem o apresenta, sua formação acadêmica, instituição em que trabalha, livros publicados, etc.

          Paulo inicia a Epístola como de costume, identificando-se e, apresentando o que considera o mais importante para os seus leitores: a fonte de sua autoridade apostólica, a sua vocação por vontade de Deus: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus” (Ef 1.1/Rm 1.1-5; 1Co 1.1; 2Co 1.1; Cl 1.1; 2Tm 1.1).[1] “O apostolado de Paulo era algo para o louvor de Deus, porquanto ele foi transformado de inimigo em servo”, comenta Calvino.[2]

          A sua mensagem não era uma nova filosofia resultante de suas reflexões autônomas ou experiência mística ou mesmo de vida,  antes, ele falava em nome de Deus, da parte de Deus. Era de fato um enviado de Deus.

É necessário ter muita cautela para não confundirmos as nossas reflexões – sem dúvida, com frequência, úteis e necessárias –, com a Palavra de Deus. Muito do que pensamos e refletimos pode estar dominado por paixões circunstanciais, cativas de determinadas apreensões que nos impedem de ver as Escrituras em sua abrangência.

É preciso pensar e repensar. Contudo, a compreensão correta vem de Deus (2Tm 2.7).[3] Quando o âmago de nossa mensagem brota simplesmente de nossa experiência, sem dúvida, há algo de errado em nosso ensino.[4] Sem dúvida a Palavra é para ser vivenciada e ensinada. Contudo, o fundamento de nosso ensino não pode ser a nossa experiência, mas, a Palavra que é o poder de Deus (Rm 1.16).[5] Paulo anunciava a Palavra.

          Continuando a leitura do primeiro capítulo de Efésios, percebemos logo de início um aspecto fundamental do Deus Bendito (Ef 1.3): a sua Soberania. Ele como Senhor da Igreja é quem vocaciona os seus servos, conforme comenta Calvino em lugares diferentes: “A Deus pertence com exclusividade o governo de sua Igreja. Portanto, a vocação não pode ser legítima a menos que proceda dele”.[6] “Sempre foi da vontade de Deus conservar a direção de sua igreja para si próprio, e que sua Palavra devesse ser recebida sem contradição. Ele não deu esse privilégio a criatura alguma”.[7] 

          A vocação de Deus antecede à nossa convicção e, ao mesmo tempo, o chamado não cai no vazio. Deus mesmo nos confere esta certeza subjetiva de que foi ele quem nos chamou para o seu serviço (Jr 1.5; Gl 1.15; Ef 3.7/Fp 2.13).[8]

          Deste modo, “nenhum homem deve tomar essa honra para si próprio, mas deve esperar pela vocação divina, pois Deus é o único que pode legitimar os ministros”, conclui Calvino.[9]

Portanto, insistimos, o que torna uma pessoa capacitada para um ofício, é a vocação de Deus (Hb 5.4).[10] Ele o faz por meio da Palavra: “Porquanto a Igreja não pode ser governada senão pela Palavra”.[11]

          A tentativa de falar por si mesmo, sem o chamado divino, significa a presunção de ter sob si o governo da Igreja, o que é uma blasfêmia, pois, tal direção pertence a Deus, o soberano pastor. A presunção de uma autoridade autogerada e autogerida é por si só destrutiva a quem a pressupõe e, pior, à igreja.

Maringá, 02 de outubro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, 2 o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, 3 com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi 4 e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor, 5 por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé, entre todos os gentios” (Rm 1.1-5). “Paulo, chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo, e o irmão Sóstenes” (1Co 1.1). Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto e a todos os santos em toda a Acaia” (2Co 1.1). Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo” (Cl 1.1). “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pela vontade de Deus, de conformidade com a promessa da vida que está em Cristo Jesus” (2Tm 1.1).

[2]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 1.24), p. 45.

[3] Pondera (noe/w) (= atentar, compreender, pensar, entender) o que acabo de dizer, porque o Senhor (ku/rioj) te dará compreensão (su/nesij) (= entendimento, inteligência, discernimento) em todas as coisas” (2Tm 2.7).

[4] “No reino do misticismo espiritual, alguns têm deixado a autoridade da Palavra de Deus e estabelecido a autoridade da experiência” (Paul N. Benware, A obra do Espírito Santo hoje: In: Mal Couch, ed. ger., Os Fundamentos para o Século XXI: Examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p. 402).

[5] “Nunca devemos basear nossas doutrinas na experiência, e sim na verdade” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 55).

[6]João Calvino, Gálatas,(Gl 1.1), p. 22.  “Entre tantos dotes preclaros com os quais Deus há exornado o gênero humano, esta prerrogativa é singular: que digna a Si consagrar as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar Sua própria voz” (João Calvino, As Institutas, IV.1.5).

[7] João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 24.

[8] “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1.5). “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve” (Gl 1.15). “Do qual fui constituído ministro conforme o dom da graça de Deus a mim concedida segundo a força operante do seu poder” (Ef 3.7). “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).

[9]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.1), p. 22.

[10]Ninguém, pois, toma esta honra (sumo-sacerdócio) para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão(Hb 5.4).

[11]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.9), p. 313.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *