A Pessoa e Obra do Espírito Santo (112)

6.2.5. O Espírito Santo e o confronto do Senhor Jesus com Satanás (Continuação)

    Calvino é enfático:

Satanás labora muito mais do que imaginamos para banir de nossas mentes, por todos os meios possíveis, a fé na sã doutrina; e visto que nem sempre é fácil fazer isso através de um franco ataque à nossa fé, ele se arma contra nós secretamente e pelo uso de métodos indiretos e a fim de destruir a credibilidade de seu ensino, ele desperta suspeitas acerca da vocação dos santos mestres.[1]

    Pouco mais de trinta anos depois dessa experiência, Pedro, inspirado por Deus, instrui as igrejas da Dispersão, dizendo que Satanás anda em derredor, como um leão rugindo continuadamente, procurando quem possa atacar (1Pe 5.8).[2] Ele está atento, vigilante, arquitetando seu plano para nos pegar, nos enlaçar.

    Ele procura aperfeiçoar as suas técnicas, observa também a nossa maneira de pensar, agir e responder, verificando os nossos pontos visivelmente mais resistentes e analisando as situações mais apropriadas. Ele não tem nenhuma pressa que o conduza à afobação; sabe esperar para dar o bote, no momento que considera “oportuno”. E, se há alguma coisa que satanás tem, é o senso de tempo, de oportunidade. Ele é um “perito”[3] em tentar.[4] Por isso, não nos iludamos, Satanás está à espreita de forma vigilante, aguardando e propiciando as suas condições favoráveis de ataque.

    Packer, nos fala sobre isso:

Se formos vigilantes contra Satanás em um ponto da muralha de nosso viver, ele tentará rompê-la em outro ponto, esperando por um momento quando nos sentirmos seguros e felizes, e quando, provavelmente, nossas defesas estarão fracas. Assim prosseguem os seus ataques, o dia inteiro e todos os dias.[5]

    No Apocalipse lemos que Satanás sabe do pouco tempo que lhe resta (Ap 12.12/Mt 25.41),[6] daí a sua urgência devoradora, que obedece sempre a sua estratégia. Quanto a nós, devemos estar atentos constantemente (1Pe 5.8), cuidando para não dar “lugar ao diabo” (Ef 4.27).

    Satanás procura confundir a Igreja, usando para isto várias táticas; uma delas é semear o joio no meio do trigo, para que não saibamos quem é quem e, na pressa de distinguirmos um do outro, percamos parte do trigo e fiquemos com o joio (Mt 13.24-30; 36-43).

    No entanto, a despeito de nossa debilidade, Deus preserva a sua Igreja. Satanás usa de suas artimanhas para destruir a Igreja de Deus, entretanto, ela é sustentada pelo próprio Cristo. “O diabo não é tão contra nós como é contra Deus. Nada somos aos olhos seus, exceto que somos o povo de Deus. A paixão e ambição consumidora do diabo é danificar e destruir a obra de Deus”, interpreta Lloyd-Jones.[7]

    Satanás é muito poderoso. Sozinhos jamais poderíamos vencê-lo. Servos de Deus, em tempos diferentes, destacaram este ponto:

Aqueles que a tal combate se preparam na confiança de si próprios não compreendem suficientemente com quão aguerrido e bem equipado adversário se tenham de haver.[8]

Existe um inimigo superior, inevitável, a quem é totalmente impossível resistir se Deus não vêm em nosso auxílio.[9]

O homem que ainda não descobriu o poder da tentação é o mais típico novato em questões espirituais (…). O poder do inimigo contra nós somente é inferior ao poder de Deus. Ele é mais poderoso que qualquer homem que jamais viveu; e os santos do Velho Testamento caíram diante dele.[10]

    O nosso conforto é-nos assegurado pelas Escrituras, conforme escreve Paulo e Pedro respectivamente: “Todavia, o Senhor é fiel; ele vos confirmará e guardará do Maligno”(2Ts 3.3). “Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. Nisto exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações”(1Pe 1.5).

    A História é o palco das artimanhas de Satanás contra a Igreja de Deus, mas, também, é a descrição da vitória de Cristo conforme o enredo escrito na eternidade. O mundo é o teatro de Deus e Ele mesmo tem o controle perfeito de todo o enredo e de todas as pessoas que ali estão. Satanás já condenado está.

    Esta vitória na história ocorreu na vinda do Messias. Graça a Deus por isso!

    Jesus realizou milagres no poder do Espírito. O Reino de Deus é o Reino de Cristo – o governo triunfante de Cristo sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis – e, este Reino se faz presente por meio da obra de Cristo, libertando os homens do domínio de Satanás e dos poderes do mal, desmantelando a cidadela de Satanás (Mt 12.28,29).[11] Observem que mesmo entre os judeus, corria a sua fama de que “nele operam forças miraculosas” (Mc 6.14).

    O pavor dos demônios diante de Cristo, aponta para o fato da chegada poderosa e vitoriosa do Reino (Mt 8.29). “O Reino de Deus significa que Deus é Rei e age na história para trazer a história a um alvo divinamente determinado”, escreve Ladd (1911-1984).[12]

    Falar no Reino é apontar para a concretização do propósito de Deus em Cristo, libertando os homens do poder de satanás, conduzindo-os à liberdade concedida por Cristo, o Senhor. “O reino de Deus é o reinado de Deus que derrota a Seus inimigos, trazendo aos homens o gozo das bênçãos do reino divino”, conclui Ladd.[13]

    Enquanto isso, cabe à Igreja anunciar o Evangelho, para que por meio dele Deus opere abrindo os olhos dos pecadores e estes, se convertam  “das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (At 26.18).

Maringá, 15  de fevereiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.11), p. 210.

[2]“Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar” (1Pe 5.8).

[3]Conforme indicamos acima, o verbo peira/w que traduzimos por tentar (O substantivo é peira/zw, tentação) é de onde provém o termo latino “peritus”, português “perito”, aquele que tem perícia, habilidade, destreza, instrução; sabe por experiência, experimentado. Aliás, esta era uma das conotações de peira/w no grego secular, indicando “saber por experiência” (Vejam-se: H. Seesemann, pei=ra: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds., Theological Dictionary of the New Testament, v. 6, p. 23-36; peira/zw: In: William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 2. ed. Chicago: University Press, 1979, p. 640).

[4] Como diz Packer: “Satanás testa o povo de Deus ao manipular as circunstâncias dentro dos limites que lhe são permitidos por Deus” (J.I. Packer, Tentação: In: J.D. Douglas, editor org. O Novo Dicionário da Bíblia, v. 3, p. 1581).

[5]J.I. Packer, Vocábulos de Deus,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 83.

[6]“Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (Ap 12.12). Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41).

[7]D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 85. “Satanás aplica toda sua energia para tirar qualquer coisa de Cristo” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.3), p. 35).

[8]J. Calvino, As Institutas, III.20.46.

[9]Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 86.

[10]D.M. Lloyd-Jones, Por Que Prosperam os Ímpios?, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 16-17. Em outro lugar, Lloyd-Jones diz: “Se você não reconhecer que, todo o tempo em que estiver nesta vida e neste mundo, haverá este terrível poder infernal dentro de você, ao seu redor e sobre você, então será um mero neófito nestes assuntos! (…) O primeiro passo é que o homem tem que reconhecer e confessar sua pecaminosidade” (David M. Lloyd-Jones, O Clamor de um Desviado: Estudos sobre o Salmo 51, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 16-17). “Só o cristão imaturo pensa que pode lidar com a tentação”. Somente este é que diz: “‘Isto nunca vai acontecer comigo. Não caio nessa’.” (Tony Evans, Chega de Ceder à Tentação: In: Bruce H. Wilkinson, ed. ger. Vitória sobre a Tentação, 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999, p.177).

[11]28 Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós. 29Ou como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo? E, então, lhe saqueará a casa(Mt 12.28-29).

[12]George E. Ladd, The Presence of the Future: The Eschatology of Biblical Realism, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, Revised Edition,1974, p. 331.

[13]George E. Ladd, El Evangelio del Reino,Miami: Vida, 1985, p. 165. (Veja-se: também, A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 65ss.).

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