A Pessoa e Obra do Espírito Santo (113)

6.2.6. Na Sua Obra Sacrificial

 A justiça e o amor reconciliador de Deus

    Como é óbvio, Deus não é obrigado a salvar pessoa alguma. Todos pecaram por sua livre deliberação. Contudo, a nossa salvação é obra da maravilhosa graça da Trindade. Somos todos igualmente devedores à graça de Deus.

    Deus sempre age em harmonia com o seu Ser. O homem é pecador e, por isso, precisa ser punido pelo seu ato de rebelião contra Deus. A disciplina faz parte da execução da justiça eterna de Deus.

    Por outro lado, Deus em seu amor eterno, infinito e causado em si mesmo – visto que não há nada em nós que mereça ou mesmo desperte o amor de Deus –, deseja salvar-nos (Jr 31.3; Ef 1.3-14).

    A justiça de Deus é santa e o seu amor é real.  A graça de Deus é caríssima. Ela tem sempre um alto preço para Deus.

    Nós muitas vezes nos comportamos como filhos que, amados e agraciados com presentes de seus pais, se esquecem de que se aquilo que ganhamos foi “fácil”, “generoso”, sem mérito algum de nossa parte, custou muitas vezes um alto preço para os pais: planejamento, preocupação, privação de adquirir outro bem para si, filas, crediários, juros, economias, etc. A graça de Deus tem outro lado, que com frequência nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo.

    É um erro lamentável julgar toda a verdade considerando apenas a parte que nos compete do todo. A nossa visão é bastante seletiva. Quando costumamos analisar a vida apenas a partir do nosso umbigo, não é estranho que muitas sejamos precipitados, injustos e, por vezes, levianos em nossas avaliações.

    A graça de Deus se evidencia nas obras da Trindade. O Pacto da Graça,[1]  por meio do qual somos salvos, foi Pacto de Obras para Cristo.[2] A nossa salvação é muito cara, custou o precioso sangue de Cristo: Graça barata é uma negação do Evangelho bíblico.[3] (1Pe 1.18-20/At 20.28; 1Co 6.20).[4]

    Calvino expressou sua compreensão com seriedade bíblica: “Nós dizemos que [a Redenção] é gratuita para nós, mas não para Cristo, a quem custou altíssimo preço, uma vez que Ele pagou o resgate com o seu santo e precioso sangue, porque não existe nenhum outro preço que possa satisfazer à justiça de Deus”.[5]

    A graça é a própria fonte do Evangelho; sem a graça de Deus não haveria boas novas de salvação. Todos nós herdaríamos as consequências eternas dos nossos pecados. Todavia, a graça reina pela justiça de Deus. Jesus Cristo. é a personificação da graça. Ele encarna a graça e a verdade. Nele encontramos o fundamento do que é verdadeiro: Ele é a verdade eterna que valida o que é, desmistificando os nossos padrões equivocados e, por isso mesmo, transitórios de verdade e, também, cumpre as promessas de Deus em graça (Jo 1.17; 14.6).[6]

    O Evangelho é a graça verbalizada. Jesus Cristo é a causa, o conteúdo e a manifestação da graça de Deus. Falar de Cristo é falar da graça. Deste modo, Deus tornou-se um de nós (Jo 1.14; Gl 4.4,5), a fim de nos resgatar do poder e maldição do pecado.

    Lloyd-Jones, comenta:

Deus, que é justo, pode perdoar pecado porque Ele já puniu o pecado na Pessoa de Seu unigênito Filho. (…) Deus proclama Sua eterna justiça e ainda pode perdoar os pecados daqueles que creem em Jesus – eis uma terribilíssima, uma profundíssima declaração.[7]

    É por meio do Evangelho que Deus transmite a sua Palavra de graça (At 14.3; 20.24). “O Evangelho é o divulgador da graça”, como corretamente afirma Pink (1886-1952).[8] A graça nos é ensinada pelo Evangelho (Cl 1.4-6). Por isso, pregar o Evangelho é um “favor” de Deus (Ef 3.8).

Maringá, 12 de fevereiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso – o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos – que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cântico perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente. Ele já havia entrado em conselho consigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo” (C.H. Spurgeon,  Sermões no Ano do Avivamento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 47-48).

[2]“Em última análise a justificação é por obras no sentido que somos justificados pelas obras de Cristo” (R.C. Sproul, O Que é teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 61).

[3]Posteriormente li MacArthur comentando a respeito da expressão “graça barata” (Veja-se: John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 68-90). Dentro de uma perspectiva complementar, escreveu Bonhoeffer (1906-1945): “A graça barata é inimiga mortal de nossa igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. (…) A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus. (…) A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus vivo, encarnado” (D. Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 9-10). Do mesmo modo: “A graça de Deus não é graça barata; ela custa tudo que somos e que temos” (Helmut Thielicke, Mosaico de Deus, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1968, p. 72). “Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho” (Albert Mohler Jr., O desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32).

[4]18 Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, 19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, 20 conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”(1Pe 1.18-20).

[5]João Calvino,As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.6), p. 237.

[6]“Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1.17). “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).

[7]D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997 (Grandes Doutrinas Bíblicas, v. 1), p. 420.

[8] A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 74.

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