O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (18)

A sabedoria cristã e a sua loucura contracultural

Um dos ensinamentos basilares do cristianismo é que Deus decidiu vir aonde estamos. Em vez de esperar  que o encontremos, ele vem até nós. Há quem pense que a religião é como subir uma escada para encontrar Deus. Contudo, o cristianismo afirma que Deus resolveu descer aquela escada para nos encontrar e depois nos levar para casa exultantes. – Alister McGrath.[1]

     O Cristianismo como uma filosofia de vida, traz ingredientes fundamentalmente estranhos aos sistemas religiosos e filosóficos de todos os tempos. Obviamente, ele não ensina tudo de novo – como temos visto, ele absorve, sintetiza, adapta e transforma elementos do pensamento grego e, por motivos mais do que claros, do judaísmo -, contudo, o que ele ensina diferente de outras religiões e filosofias, sustenta que a sua posição é verdadeira e consequentemente as outras estão erradas em suas perspectivas ou, pelo menos, são aproximações incompletas.

     Lewis (1898-1963)  destacou essa verdade sem pudores de “politicamente correto”: “O cristão tem de admitir que, nos pontos em que o Cristianismo diverge de outras religiões, ele é verdadeiro, e as outras religiões são falsas”.[2]

     A religião judaico-cristã que valoriza profundamente a história,[3] parte de princípio da existência de um Deus transcendente e pessoal que cria todas as coisas do nada, as sustenta e se relaciona com as suas criaturas de modo pessoal.[4] Ele é o Senhor de todas as coisas. Tudo lhe pertence. Ao mesmo tempo, Ele é Pai boníssimo a quem podemos nos dirigir diretamente sabendo que Ele nos ouve e atende dentro de seus propósitos santos.[5]

     Esses aspectos, apenas como amostragem, fornecem uma cosmovisão totalmente diferente de todas as outras. A nossa concepção religiosa está no cerne de toda a construção da cultura[6] e, também, na compreensão de mundo.

     Ao contrário da concepção grega, sempre dependente da humanização de deuses disfarçados de homens[7] mas, que refletiam, por vezes, como vimos, o pior de seus vícios, as Escrituras descortinam a realidade da vida e do além, de forma teorreferente,  sendo esse Deus, referência absoluta, santo e que exige santidade de seu povo.

     Sproul (1939-2017) expressa bem a questão:

O Cristianismo não trata de uma relação tangente com a experiência religiosa. Ele envolve um encontro com um Deus santo, o qual constitui o centro, ou o núcleo, da existência humana. A fé cristã é teocêntrica. Deus não está à margem da vida dos cristãos, mas no centro. Ele define toda nossa vida e nossa visão do mundo.[8]

     O Cristianismo não é mero sentimento ou emoção, antes, nos fala de um encontro qualitativo com o Deus infinito-pessoal, nos oferecendo uma estrutura de pensamento que deve ser considerada por sua organicidade e coerência.  “O cristianismo é singular  entre todas as religiões do mundo. A razão de sua singularidade é a figura histórica que se constitui no seu centro – Jesus Cristo”, enfatiza McGrath.[9]

     A fé cristã é Cristocêntrica e Cristorreferente-teleológica. Jesus Cristo é o Senhor verdadeiro de toda a realidade, e por isso mesmo, de nossa existência, quer aqui quer na eternidade. Por isso mesmo, negar a Deus é uma loucura (Sl 10.2-4;14.1).

     Para os fins propostos nesse ensaio, quero me deter em alguns aspectos fundamentais que perpassam toda a Escritura. A compreensão que o princípio de toda sabedoria, não está na admiração,[10] reflexão, busca dentro de si mesmo Socrática ou, em um esvaziamento místico, mas, no temor do Senhor. A Filosofia cristã começa e termina em Deus, aquele que é Sábio e usa de onisciência e onipotência dirigindo a história pelos melhores meios para atingir o glorioso fim que tem em vista.[11]

     MacArthur, conceitua: “A sabedoria de Deus poderia ser definida como a onisciência agindo com uma vontade santa”.[12]

Maringá, 20 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Alister McGrath, O Deus desconhecido, São Paulo: Loyola, 2001, p. 58.

[2] C.S. Lewis, A Essência do Cristianismo Autêntico, São Paulo: Aliança Bíblica Universitária,  (s.d.), p. 19.

[3]Tomo o parecer de dois historiadores a respeito do assunto: “O cristianismo, como também a religião de Israel, da qual ele nasceu, se apresenta como uma religião histórica de forma absolutamente concreta, em comparação à qual nenhuma das outras religiões do mundo pode se equiparar – nem mesmo o Islã, apesar de este se aproximar mais do cristianismo e do judaísmo, nesse sentido, que qualquer outra religião” (Christopher Dawson, Dinâmicas da História no Mundo, São Paulo: É Realizações Editora, 2010, p. 343). Georges Duby (1919-1996), dentro de uma perspectiva puramente histórica, admite: “O Cristianismo, que impregnou fundamentalmente a sociedade medieval, é uma religião da história. Proclama que o mundo foi criado num dado momento e que, num outro, Deus fez-se homem para salvar a humanidade. A partir disso, a história continua e é Deus quem a dirige” (Georges Duby, Ano 1000, ano 2000, na pista de nossos medos, São Paulo: Editora UNESP.; Imprensa Oficial do Estado, 1999, p. 16).

[4] “A principal ênfase do cristianismo bíblico consiste na doutrina de que um Deus infinito e pessoal é a realidade final, o Criador de todas as outras coisas, e de que um indivíduo pode se aproximar do Deus santo com base na obra consumada de Cristo, e somente desse modo” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21,  São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 272).

[5]Morris (1914-2006) apresenta alguns informes estatísticos demonstrando que até desse modo, Deus pode ser visto como o centro nos escritos de Paulo. Em seguida, esboça alguns temas teocêntricos presentes em suas epístolas. (Veja-se: Leon Morris, Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 29-45).

[6] “A cultura é determinada pela religião” (Henry R. Van Til, O conceito calvinista de cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 9).

[7] “A mitologia grega abunda em histórias de deuses que andaram na terra como homens. Pareciam pessoas. Agiam como pessoas. Mas numa ocasião  crítica punham de lado o seu disfarce e, usando o poder divino, mostravam-se tais quais eram. Nunca chegavam a ser homens, mas deuses disfarçados” (Leon Morris, O Senhor do Céu, Queluz: Núcleo, 1979, p. 63).

[8]R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 225.

[9]Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo,  São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 23.

[10] Vejam-se, por exemplo: Aristóteles, Metafísica, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 4), 1973, I.2. p. 214; Platão, Teeteto, 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, 155d. p. 20;

[11]Vejam essas conceituações convergentes a respeito da sabedoria divina: “A sabedoria de Deus é Sua capacidade de selecionar os melhores meios para a obtenção do alvo mais elevado” (William Hendriksen, Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2001,  (Rm 11.33), p. 510).   “A sabedoria fala sobre o arranjo e a adaptação de todas as coisas para o cumprimento de seus santos propósitos” (John Murray, Romanos,  São José dos Campos, SP.: Fiel, 2003, (Rm 11.33-36),  p. 469). “Podemos definir a sabedoria de Deus dizendo que é o atributo pelo qual Ele dispõe os Seus propósitos e os Seus planos, e dispõe os meios que produzem os resultados que Ele determinou”   (D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 73).

[12]John MacArthur, Deus: Face a face com sua Majestade,  São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 65.

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