Uma oração intercessória pela Igreja (93)

           A Glória de estarmos para sempre com o Senhor

            A glória será contemplar o Senhor Deus na face de Cristo usufruindo de sua perfeita comunhão para sempre. (Cl 3.1-4/Ef 2.6-7). A glória do céu para nós é estar com Cristo.[1] A nossa felicidade só será real e, portanto, eterna, se tivermos a Deus como sua fonte e alegria.[2]

          Packer escreveu com profunda sensibilidade bíblica e experiencial: “Não importa quão velhos ou doentes estejamos, os pensamentos no que se refere a nosso futuro com Jesus trarão coragem e alegria ao nosso coração. Jesus mesmo, de seu trono, fará que isso aconteça”.[3]

         O fato meus irmãos é que não há nada mais nobre ou grandioso do que isso, nem aqui, nem na eternidade. A nossa salvação não é o fim último. Ela é o meio: somos destinados desde a eternidade à glória de Deus. Calvino resume: “Concordo que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação….”.[4] Em nosso chamado salvador, vemos a glória da graça de Deus. “Somente pela graça”, é outra forma de dizer: toda glória pertence a Deus![5]

            Henry (1662-1714), comentando o Salmo 17, escreveu:  

A felicidade no mundo vindouro está preparada somente para os que são justificados e santificados. (…) Não existe satisfação para uma alma, a não ser em Deus e em sua boa vontade para conosco; porém, esta satisfação não será perfeita até que cheguemos ao céu”.[6]

            Considerando que foi Deus mesmo quem nos chamou (vocacionou) (Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10), devemos instar com nossos irmãos e, interceder junto ao Senhor para que Ele torne nossos irmãos dignos dessa vocação. Este foi o procedimento de Paulo em contextos diferentes: “Rogo-vos (parakale/w),[7] pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno (a)cio/w)[8] da vocação (klh=sij) a que fostes chamados” (Ef 4.1). “….não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos (a)cio/w) da sua vocação (klh=sij) e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé” (2Ts 1.11).

            Alegremo-nos na doce, graciosa e gloriosa condição de filhos de Deus. O Pai nos chamou a este privilégio: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados (kale/w) filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus….” (1Jo 3.1).[9]

          Vocação, adoção e escatologia

            Assim como a redenção, a adoção tem um sentido presente, desfrutado por todos os redimidos (Rm 8.15,16; Gl 4.6,7),[10] e o seu aspecto futuro, ainda não plenificado, o qual aguardamos, “a redenção do nosso corpo”, ou seja, a nossa ressurreição (Rm 8.23)[11] como coroação de nossa santificação. 

            Neste ato, Deus nos deu privilégios que nem mesmo Adão conheceu. Escreve Lloyd-Jones: “Adão foi feito à imagem e semelhança de Deus, entretanto nunca foi ‘participante da natureza divina’. (…) Fomos colocados numa nova relação com Deus que nem mesmo Adão gozou”.[12]

            No entanto, ainda assim aguardamos o que haveremos de ser. Na realidade, não mais do que filhos, visto que não há privilégio maior. Contudo, a glória para nós preparada ainda não se manifestou em sua plenitude, nem somos capazes de imaginar, visto que jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para os seus filhos (Rm 8.18; 1Co 2.9; 2Co 4.17; Ef 3.20).[13]

            Escreve o apóstolo João: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”(1Jo 3.2).

Davids comenta:

A Adoção, pois, é libertação do passado (…), um status e um modo de vida no presente (andando pelo Espírito, santificação) e uma esperança para o futuro (salvação, ressurreição). Descreve o processo de alguém tornar-se um filho de Deus (…) e de receber uma herança da parte de Deus.[14]

            Somos herdeiros do Reino eterno: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam?”(Tg 2.5).

            Frame pontua de modo significativo e jubiloso:

Quando  cremos em Cristo, nós nos tornamos membros da sua família. Mas, a plenitude de nossos privilégios como filhos e filhas nos aguarda no futuro (…). Cristãos não costumam ser muito respeitados neste mundo. Mas nosso destino último é uma vida de tamanha dignidade e autoridade que não conseguimos imaginar agora. Assim, até mesmo a criação geme na expectativa da manifestação dos filhos de Deus: você e eu.[15]

            Neste estado de existência, até os anjos que serviram fisicamente a Cristo servem agora à Igreja, seu corpo místico, como espíritos ministradores: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?” (Hb 1.14).

            A nossa certeza e conforto de hoje permanecem para toda a eternidade, quando estaremos na glória: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).

            Celebremos com júbilo ao Senhor a nossa filiação. Amém.

Maringá, 10 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Vejam-se: Sam Storms, Com um pé levantado: Calvino, a glória da ressurreição final e o céu: In: John Piper; David Mathis, Com Calvino no teatro de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 93-110 (http://www.desiringgod.org/messages/the-final-act-in-the-theater-of-god) (visto em 08.07.2023); J.I. Packer, Força na fraqueza: vencendo no poder de Cristo, São Paulo: Vida Nova, 2015.

[2] Vejam-se: John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 128; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Edições Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 16.11), p. 324).

[3] J.I. Packer, Força na fraqueza: vencendo no poder de Cristo, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 102.

[4]J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301.

[5] Vejam-se: James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 449; D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 125, 127.

[6]Matthew Henry, Comentário Bíblico de Matthew Henry, 5. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, (Sl 17), p. 409.

[7] O verbo tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).

            O apelo de Paulo era frequentemente fundamentado numa questão teológica; não se amparava simplesmente em sua idoneidade ou autoridade, antes em Deus mesmo. Assim ele o faz pelas misericórdias de Deus (Rm 12.1; 1Ts 2.12) e pelo Senhor Jesus (Rm 15.30; 1Co 1.10; Fp 4.2). Como cooperador de Deus exorta a que os coríntios não recebam em vão a graça de Deus (2Co 6.1); roga também pela mansidão e benignidade de Cristo (2Co 10.1).

[8] Este advérbio tem o sentido primário de “contrabalança”, aquilo que é de “igual valor”, “equivalente”. A ideia da palavra é a de estabelecer uma relação de compatibilidade e equilíbrio.

[9] Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 83.

[10] “Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção (ui/oqesi/a), baseados no qual clamamos: Aba, Pai. 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.15-16). “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! 7 De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4.6-7).

[11]Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 617.

[12]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 121. Continua: “Cristo, em Sua obra, não somente desfez os trágicos resultados da Queda, não somente riscou os nossos pecados: Ele promoveu a nossa posição” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, p. 121).

[13] “Se acaso tivermos a pretensão de ser mais que filhos e herdeiros de Deus, teremos que subir mais alto que Cristo. Mas se temos nele o nosso limite extremo, não estaremos provocando Sua ira máxima, se buscarmos fora de Cristo o que já obtivemos nele, sendo que só o podemos obter nele? Além disso, visto que Cristo é a sabedoria eterna do Pai, a verdade imutável, o conselho inabalável, não devemos acreditar que o que Ele nos declara com Sua boca possa diferir um átomo que seja da vontade do Pai, a qual buscamos conhecer. Antes, Ele nos manifesta fielmente qual é a vontade do Pai, desde o princípio e para sempre” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.8), p. 61).

[14] P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19.

[15]John Frame, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 332.

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