Uma oração intercessória pela Igreja (160)

         8.6. A Igreja como expressão e agente da Glória do Deus Triúno (Continuação)

            O Espírito dirige a Igreja na glorificação de Cristo, ensinando-lhe a obediência proveniente da fé.[1] Para isto, temos no Filho o próprio paradigma a ser seguido. Foi justamente na obediência perfeita ao Pai, que o Filho O glorificou. “Eu te glorifiquei (doca/zw) na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4).

            Quando evangelizamos estamos revelando o nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-lhe obedientes na vivência de nossa natureza de testemunho e serviço. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama”(Jo 14.21). A obediência é fruto da genuína fé.[2]Na obediência a Cristo, a Igreja o glorifica. O Espírito que cumpre seu ministério obedientemente (Jo 16.13-14),[3] conduz a Igreja a ser a glorificação de Cristo em sua obediência (Jo 17.9,10).[4]

            Se pudéssemos imaginar na eternidade alguém perguntando sobre os frutos da obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, encontraríamos a resposta na indicação jubilosa da Igreja de Deus, a qual Ele comprou com o seu próprio sangue e preservou até o fim (At 20.28/Is 43.7/Ef 1.3-14; 2.6,7). “A Igreja é o brilho mais esplendente da sabedoria de Deus (…). A Igreja é a expressão final da sabedoria de Deus, a realidade que, acima de todas as demais, capacita até os anjos a compreenderem a sabedoria de Deus”, exulta Lloyd-Jones.[5]

     O Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza a todos os homens e ao homem todo. A Teologia oferece solidez na transmissão desta verdade, mostrando quem é Deus e a real necessidade do homem.

     Van Til (1895-1987) comenta:

Tudo o que as Escrituras dizem a respeito do homem, e particularmente tudo o que elas dizem sobre a salvação do homem, é afinal de contas para glória de Deus. Nossa teologia está centralizada em Deus porque nossa vida está centrada em Deus.[6]

            Quando a evangelização se transforma apenas em questão de estatística ― número de membros, tamanho do edifício, arrecadação, relevância social das pessoas que frequentam os cultos, etc. ―, há muito deixamos de compreender o genuíno significado do Evangelho bíblico. A grandeza e importância da Igreja está em seu Senhor; as demais coisas são periféricas. A mensagem do Evangelho propõe-se a anunciar a Deus na beleza de sua santidade, sabendo que Deus será glorificado por meio de nossa fidelidade à sua Palavra.

            O livro de Atos se constitui no maior relato da glorificação de Cristo pelo Espírito: A expansão missionária e a edificação dos crentes em santidade. Quando cristãos sinceros pregavam o Evangelho e, homens e mulheres eram transformados pelo seu poder, sendo conduzidos a uma vida santa, Cristo estava sendo glorificado. Este continua sendo o modo efetivo de glorificar a Deus: Obedecer aos seus mandamentos em fé e amor.

            Nas páginas do Novo Testamento vemos que quando a liderança da Igreja de Jerusalém foi convencida por Pedro ― como este também o fora pelo Senhor ―, de que a mensagem do Evangelho era para todos, sem exceção; com alegria glorificaram a Deus: “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram (doca/zw) a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 11.18).

            Posteriormente, quando os gentios entenderam a mensagem do Evangelho após a pregação de Paulo inspirada no profeta Isaías, relata Lucas: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam (doca/zw) a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).

            Quando Paulo relata aos presbíteros de Jerusalém como Deus operara entre os gentios por intermédio do seu ministério, “Ouvindo-o, deram eles glória (doca/zw) a Deus e lhe disseram: Bem vês, irmão, quantas dezenas de milhares há entre os judeus que creram, e todos são zelosos da lei” (At 21.20). Notemos que em todas estas manifestações, Deus e a sua mensagem é que eram engrandecidos: a glória pertence unicamente a Deus!

            Paulo no final da segunda carta aos tessalonicenses, roga àqueles irmãos que conheciam o poder e glória do Evangelho: “Finalmente, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague e seja glorificada (doca/zw), como também está acontecendo entre vós” (2Ts 3.1). A Igreja prega o Evangelho e ora para que Deus, somente Deus seja glorificado por meio de sua missão. De fato, Deus o será todas as vezes que a Igreja for fiel ao seu Senhor.

            Kuiper (1886-1966) é contundente e certeiro em sua afirmação:

A fé calvinista propõe o mais elevado objetivo da evangelização. E não é a salvação de almas. Nem o crescimento da Igreja de Cristo. Tampouco é a vinda do reino de Cristo. Todos estes objetivos da evangelização são importantes, inestimavelmente importantes. Mas são apenas meios para a consecução do fim para o qual todas as coisas foram trazidas à existência e continuam existindo, para o qual Deus faz tudo o que faz, no qual a história toda culminará um dia, e no qual estão focalizadas todas as eras da eternidade sem fim – a glória de Deus. Em resumo, de todos os cristãos, o calvinista tem de ser o mais zeloso pela evangelização. É o que ele será, se for verdadeiramente calvinista – e não só de nome.[7]

             Piper, escrevendo sobre Missões, inicia o seu livro de forma surpreendentemente objetiva:

As missões não representam o alvo fundamental da igreja, a adoração sim. As missões existem porque não há adoração, ela sim é fundamental, pois Deus é essencial e não o homem. Quando esta era se encerrar e os incontáveis milhões de redimidos estiverem perante o trono de Deus, não haverá mais missões. Elas representam, no momento, uma necessidade temporária. Mas a adoração permanece para sempre.

A adoração é, portanto, o combustível e a meta das missões. É a meta das missões porque nelas simplesmente procuramos levar as nações ao júbilo inflamado da glória de Deus. O alvo das missões é a alegria dos povos na grandiosidade de Deus (Sl 97.1; 67.3-4).

As missões começam e terminam com a adoração.

Se a busca da glória de Deus não for colocada acima da busca do bem do homem nas afeições do coração e nas prioridades da igreja, o homem não será bem servido e Deus não será devidamente honrado. Não estou pleiteando por uma diminuição de missões, mas pela exaltação de Deus. Quando a chama da adoração arder com o calor da verdadeira excelência de Deus, a luz das missões brilhará para os povos mais remotos da terra. Eu anseio para a chegada desse dia!

Onde a paixão por Deus é fraca, o zelo pelas missões será fraco.[8]

As missões não são a meta suprema de Deus, a adoração, sim.[9]

A razão mais importante para a adoração ser o alvo das missões é porque ela é a meta de Deus.[10]

            O objetivo final da evangelização, bem como da salvação do seu povo, é que Deus seja glorificado. A Igreja, como bela expressão da sabedoria e glória de Deus, é por natureza agente dessa glória. Glorifiquemos ao Senhor.

São Paulo, 26 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“A principal obra do Espírito Santo é glorificar ao Senhor Jesus Cristo. Portanto, não haverá valor em nossas orações, se não crermos nele, em sua divindade singular, em sua encarnação, nascimento virginal, milagres, morte expiatória, ressurreição e ascensão. O Espírito O glorifica e, portanto, devemos crer nele e ser ‘unânimes’ em nossa doutrina” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 72).

[2]Dietrich Bonhoeffer, Discipulado,2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 25.

[3]“Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará (doca/zw), porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[4]“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado” (Jo 17.9-10).

[5]D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 77.

[6]Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 1.

[7]R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 149. Vejam-se também: R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 58-59; 90-91; Idem, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 225-226; J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 51ss.

[8]John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 13-14.

[9] John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, p. 17.

[10]John Piper, Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus em missões, p. 18.

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