Uma oração intercessória pela Igreja (45)

        4.1.5.3. Manifestações do Senhorio Pastoral de Cristo

          O. Dá-nos compreensão (Continuação)

              O Senhor nos dá compreensão; nos faz ter entendimento de toda a realidade. O real não é uma mera utopia, antes, é acessível e, portanto, conhecível. Não vivemos num mundo de imagens, mas, de realidade, por mais desagradável que essa possa se configurar a nós em determinadas circunstâncias. No entanto, precisamos refletir a respeito. Não basta ler, é preciso refletir. O que me faz pensar que o caminho para a compreensão das coisas é um pensar intenso, humilde e submisso a Deus. Nem sempre as coisas se mostram a nós de forma clara e evidente. Precisamos pensar a respeito.

            O clima intelectual de uma época é sempre fortemente influenciador de nossa estrutura de pensamento e, portanto, de nossas prioridades e valores. A força deste “clima” talvez repouse sobre a sua configuração óbvia e normativa com que ele se apresenta à nossa mente. É quase impossível ter a percepção de algo que nos conduz – como também a nossos parceiros de entendimento – de forma tão suave. Por isso, o simples – ainda que não seja tão simples assim – fato de podermos pensar com clareza, sem estes condicionantes, é uma bênção inestimável de Deus.[1] “O pecado é anti-intelectual”.[2]

            Por vezes pensamos que o pensar com intensidade é uma tarefa exclusiva para profissionais, quem sabe, filósofos. No entanto, o Cristianismo apresenta um desafio constante ao pensamento, à análise e ponderação.[3] O homem é destinado ao pensamento. Na Criação vemos que Deus planeja, executa e avalia a Sua obra (Gn 1.26-31). Ao mesmo tempo, lemos que Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Por isso não podemos conceber o ser humano no emprego adequado de seus dons, não se valer naturalmente desta característica divina que lhe foi concedida e, que o caracteriza.[4]

            Adler (1902-2001), resume assim a vocação do ser humano ao pensamento, à filosofia:

Não podemos deixar de repetir que a filosofia é assunto para todos. Ser um ser humano é ser dotado com a propensão de filosofar. Em certa medida, todos nos ocupamos de pensamentos filosóficos durante o curso de nossas vidas. Reconhecer isso não é o bastante. Também é necessário compreender por que é assim e qual é o negócio da filosofia. A resposta, em uma palavra, é ideias. Em duas palavras, é grandes ideias – as ideias básicas e indispensáveis para compreendermos a nós mesmos, nossa sociedade e o mundo em que vivemos.[5]

            Outro aspecto que quero destacar é que pelo fato de nosso pensamento fluir com certa facilidade sobre determinados assuntos, termos conceitos claros ou, uma linha de pensamento que nos parece coerente e sensata, nem por isso podemos nos acomodar em nossos pensamentos. É preciso que desenvolvamos a arte de pensar sobre o pensar. O pecado também afetou a nossa estrutura de pensamento e consequentemente o ato de pensar e, necessariamente, o processo de reflexão.[6] Muito do que vemos e priorizamos está associado não ao que vemos, mas, à nossa predisposição intelectual para ver como vemos.[7]

            Como cristãos, talvez por partirmos do pressuposto equivocado de que a fé cristã é apenas uma questão de sentimento, corrermos o risco de reduzir a nossa fé e as Escrituras a apenas esta esfera da realidade. Deste modo, o nosso cultuar limita-se ao que sentimos, ainda que nada compreendamos ou mesmo, nos esforcemos por isso. Não podemos ser cristãos autênticos sem o cultivo de uma mente que também busque o amadurecimento.[8]

            Piper é preciso:

Pensar não é o alvo da vida. Pensar, como o não pensar, pode ser o alicerce para a vanglória. Pensar, sem oração, sem o Espírito Santo, sem obediência e sem amor ensoberbecerá e destruirá (1Co 8.1). Mas o pensar em submissão à poderosa mão de Deus, o pensar saturado de oração, o pensar guiado pelo Espírito Santo, o pensar vinculado à Bíblia, o pensar em busca de mais razões para louvar e proclamar as glórias de Deus, o pensar a serviço do amor – esse pensar é indispensável em uma vida de pleno louvor a Deus.[9]

            Sabemos que cada época é, de certa forma, cativa de valores que são apresentados com status de racionalidade, objetividade, universalidade e perpetuidade. É extremamente difícil escapar dos encantos sedutores de nossa geração.[10]

Contrariamente, o que Paulo instrui a Timóteo é no sentido de que ele reflita sobre o que o Apóstolo lhe escreveu buscando a compreensão no Senhor. Reflexão e oração caminham juntas. Devemos, portanto, pensar sobre o pensar rogando a Deus a sua iluminação.[11] Deus, por graça, nos dará o discernimento sobre todas as coisas. O pensar, orar e discernir, deve ser um prelúdio à submissão sincera. Pense sobre isso.

A essência da sabedoria celestial consiste nisto: que os homens, tendo seus corações fixos em Deus através de uma fé genuína e não fingida, o invoquem; e que, com o propósito de manter e nutrir sua confiança nele, se exercitem em meditar sinceramente nesses benefícios; e que, então, se lhe entreguem em obediência sincera e devotada.[12]

São Paulo, 16 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ver: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansiedade,São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 32.

[2]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 72.

[3]“Pensar não é tarefa somente para grandes filósofos. Nós estamos todos envolvidos. “Precisamos pensar profundamente no que significa o cristianismo e sua relação com as questões culturais” (H.R. Rookmaaker, A Arte não Precisa de Justificativa, Viçosa, MG.: Ultimato, 2010, p. 32).

[4]“Não posso conceber um homem sem pensamento: seria uma pedra ou um animal” (Blaise Pascal, Pensamentos, São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Os Pensadores, v. 16), VI.339. p. 127. Veja-se também, p. 128 e 130).

[5]Mortimer J. Adler, Como pensar sobre as grandes ideias, São Paulo: É Realizações, 2013, p. 21.

[6] “Os cristãos precisam pensar sobre o pensamento. (…) A maioria dos seres humanos, contudo, nunca pensa profundamente sobre o ato de pensar. (…) Devido à devastação intelectual causada pela queda, temos a obrigação de pensar sobre o ato de pensar. Essa é a razão pela qual o discipulado cristão é, também, uma atividade intelectual” (R. Albert Mohler Jr., O modo como o mundo pensa: Um encontro com a mente natural no espelho e no mercado. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 44,45,54).

[7] “Você não precisa acreditar em tudo o que pensa, e a razão é simples: nós vemos o que queremos ver. (…) O nervo óptico, o único nervo com ligação direta com o cérebro, na verdade transmite mais impulsos do cérebro para o olho do que vice-versa. Isto significa que seu cérebro determina o que o olho vê. Você já está precondicionado. É por isso que, se quatro pessoas presenciarem um acidente, cada uma vai relatar algo diferente. Precisamos nos lembrar, e ensinar aos outros, que não devemos acreditar em tudo o que pensamos” (Rick Warren, A batalha pela sua mente. In: John Piper; David Mathis, orgs. Pensar – Amar – Fazer, São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 27). “Em suas Memórias, Ludwig Richter [1803-1884] lembra uma passagem de sua juventude, quando certa vez, em Tivoli, ele e mais três companheiros resolveram pintar um fragmento de paisagem, todos firmemente decididos a não se afastarem da natureza no menor detalhe que fosse. E embora o modelo tivesse sido o mesmo e cada um tivesse sido fiel ao que seus olhos viam, o resultado foram quatro telas completamente diferentes – tão diferentes quanto as personalidades dos quatro pintores. O narrador concluiu, então, que não havia uma maneira objetiva de se verem as coisas, e que formas e cores seriam sempre captadas de maneira diferente, dependendo do temperamento do artista” (Heinrich Wölfflin, Conceitos Fundamentais da História da Arte, 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, (2ª tiragem) 2006, p. 1).

[8]“Nossas igrejas estão cheias de pessoas que são espiritualmente nascidas de novo, mas que ainda pensam como não cristãs” (William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14). À frente: “Nossas igrejas estão cheias de cristãos intelectualmente preguiçosos” (p. 26). No mesmo diapasão: “Um cristianismo irrefletido só pode produzir um cristianismo fraco e carnal”  (Joel Beeke; Mark Jones, Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1196).

[9] John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 41.

[10]“Cada época caracteriza-se por determinadas crenças responsáveis por sua visão de mundo” (Alister E. McGrath, Fundamentos do Diálogo entre Ciência e Religião, São Paulo: Loyola, 2005, p. 19).

[11]“Pensar intensamente sobre a verdade bíblica é o meio pelo qual o Espírito nos mostra a verdade” (John Piper: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 64).

[12] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3 (Sl 78.7), p. 202.

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