Uma oração intercessória pela Igreja (44)

        4.1.5.3. Manifestações do Senhorio Pastoral de Cristo (Continuação)

         M. Vocaciona e dá autoridade aos seus Ministros

         Uma das formas pelas quais Deus se vale para cuidar de sua Igreja, é vocacionando e habilitando seus pastores para, por meio deles, alimentar e cuidar de seu rebanho.

Lucas descreve de forma sucinta e reverente a vocação do Apóstolo Paulo e a comissão de Ananias:

15 Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; 16 pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. 17 Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. (At 9.15-17).

            Mais tarde, Paulo pôde escrever a Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério” (1Tm 1.12).

            No seu chamado, Paulo reconhecia a autoridade apostólica conferida pelo Senhor para a edificação da Igreja: “Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não me envergonharei” (2Co 10.8/2Co 13.10;1Co 5.1-5).

            Calvino acentuou a responsabilidade do presbítero. Entende que Deus se dignou em consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz”.[1] Deste modo, os pastores não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas para Jesus Cristo. (Voltaremos a tratar desse assunto mais à frente).

        N. Cuida dos Presbíteros da Igreja

            O Senhor que vocaciona os seus ministros também os capacita concedendo graça para realizarem a sua obra. (Trataremos mais detalhadamente desse ponto quando estudarmos At 20).

         O. Dá-nos compreensão

            Um dos perigos para nós cristãos é simplesmente não usar a nossa mente. A nossa conversão a Deus envolve também uma nova mente, uma nova maneira de perceber a realidade, vendo o real como de fato é ainda que não exaustivamente.

            Nosso coração e mente precisam ser convertidos ao Senhor.[2] É necessário que usemos a nossa mente em submissão a Deus.[3]

            Devemos aprender a entender a vontade de Deus em todas as circunstâncias e submetermo-nos a ela.

            A nossa mente deve ser tão devotada a Deus como o nosso coração; excluí-la, significa não amar a Deus como Ele requer.

            Deus deseja que o amemos e o sirvamos também com nossa inteligência: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (kardi/a), de toda a tua alma (yuxh//) e de todo o teu entendimento (dia/noia). Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22.37-38).

            Portanto, o nosso testemunho exige o uso abalizado de nossa inteligência, a vivência de nossa fé na história, dentro das circunstâncias nas quais vivemos. A rejeição de um racionalismo autônomo cuja única referência seria o eu pensante, uma egorreferência apelidada de “maioridade”, tão sonhada pelo iluminismo, não significa o abandono da racionalidade na compreensão e transmissão da mensagem do evangelho.

            Indicando a responsabilidade que temos de consagrar as nossas mentes ao serviço de Deus, em 1980, Charles Habib Malik (1906-1987), filósofo e diplomata cristão de origem libanesa, declarou na inauguração do Billy Graham Center no campus do Wheaton College:

Devo ser franco com vocês: o maior perigo que o cristianismo evangélico americano enfrenta é o anti-intelectualismo. A mente, compreendida em suas maiores e mais profundas faculdades, não tem recebido suficiente atenção. No entanto, a educação intelectual não ocorre sem uma profunda imersão por alguns anos na história do pensamento e do espírito. Aqueles que estão com pressa de saírem da faculdade e começarem a ganhar dinheiro ou a servir na igreja ou a pregar o evangelho não têm ideia do valor infinito de se gastar anos conversando com as maiores mentes e almas do passado, desenvolvendo, afiando e ampliando seu poder de pensamento. O resultado é que a arena do pensamento criativo é abandonada e entregue ao inimigo. Quem, entre os acadêmicos evangélicos, pode enfrentar os grandes pensadores seculares em seus próprios termos acadêmicos? Quem, entre os acadêmicos evangélicos, é citado pelas maiores autoridades seculares como fonte normativa em história, filosofia, psicologia, sociologia ou política? O modo evangélico de pensar teria a menor chance de se tornar dominante nas grandes universidades da Europa e América que moldam toda nossa civilização com seu espírito e suas ideias? Por uma maior eficácia no testemunho de Jesus Cristo, assim como pela sua própria causa, os evangélicos não podem se dar ao luxo de viver na periferia da existência intelectual responsável.[4]

            Cerca de 20 anos antes desse pronunciamento, Blamires (1916-2017), em sua obra clássica, A mente Cristã, constatava com tristeza (1963):

Não existe mais uma mente cristã. Existe ainda, naturalmente, uma ética cristã, uma prática cristã e uma espiritualidade cristã. O cristão moderno, como ser moral, subscreve a um código diferente daquele do não cristão. Como membro da igreja, ele assume obrigações e observâncias ignoradas pelo não-cristão. Como ser espiritual, em oração e meditação, ele se esforça para cultivar uma dimensão de vida inexplorada pelo não-cristão. Mas como um ser pensante, o cristão moderno já sucumbiu à secularização.[5]

            Na Segunda Epístola destinada a Timóteo, Paulo se despede. Apresenta instruções finais e palavras de encorajamento ao seu discípulo mais próximo. Escreve então: Pondera (noe/w) (= atentar, compreender, pensar, entender) o que acabo de dizer, porque o Senhor (ku/rioj) te dará compreensão (su/nesij) (= entendimento, inteligência, discernimento) em todas as coisas” (2Tm 2.7).

            Pensar, pensar sobre o pensar é algo salutar e muito desafiante e abençoador. Somos destinados ao pensar. Devemos nos valer deste privilégio, próprio do ser humano, concedido pelo Criador.

            Precisamos aprender que a fé não elimina a nossa responsabilidade de pensar. Pensar não exclui a nossa fé. Ambas as atitudes devem caracterizar a vida do cristão a fim de que a nossa fé seja compreensível e a nossa razão seja guiada pela fé. A nossa fé e a nossa inteligência devem caminhar de mãos dadas em submissão a Deus.

            O pensar confuso, destituído de fundamento, leva-nos à confusão. O seu repetir e propagar cria uma estagnação social em todos os níveis. A confusão intelectual é uma das raízes de repetições infindáveis que sufoca a possibilidade de crescimento, ajudando a perpetuar o erro, o equívoco e o que é obsoleto em sua constituição e prática.

            Calvino (1509-1564), escreveu com propriedade demonstrando que é o Espírito quem deve guiar nossa razão:

Chamo serviço não somente o que consiste na obediência à Palavra de Deus, mas também aquele pelo qual o entendimento do homem, despojado dos seus próprios sentimentos, converte-se inteiramente e se sujeita ao Espírito de Deus. Essa transformação, que o apóstolo Paulo chama renovação da mente [Rm 12.2], tem sido ignorada por todos os filósofos, apesar de constituir o primeiro ponto de acesso à vida. Eles ensinam que somente a razão deve reger e dirigir o homem, e pensam que só a ela devemos ouvir e seguir; com isso, atribuem unicamente à razão o governo da vida. Por outro lado, a filosofia cristã pretende que a razão ceda e se afaste, para dar lugar ao Espírito Santo, e que por Ele seja subjugada e conduzida, de modo que já não seja o homem que viva, mas que, tendo sofrido com Cristo, nele Cristo viva e reine.[6]

São Paulo, 16 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[2]Ver: Oliver Barclay, Developing a Christian Mind, Great Britain: Christian Focus, 2006, p. 16-17; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 133-138.

[3] “A razão é boa e necessária enquanto souber submeter-se à verdade” (William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 15).

[4]Apud Garrett J. DeWeese; J.P. Moreland, Filosofia Concisa: uma introdução aos principais temas filosóficos, São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 154-155. (Do mesmo modo em: J.P. Moreland; William L. Craig, Filosofia e Cosmovisão Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 15; William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14-15).  

[5]Harry Blamires, A Mente Cristã: como um cristão deve pensar? São Paulo: Shedd Publicações, 2006, p. 15-16. Sobre este ponto, veja-se a excelente e densa obra de Carson: D.A. Carson, O Deus amordaçado: o Cristianismo confronta o pluralismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2013.

[6]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 184 (Veja-se a nota 5 in loc).

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