Uma oração intercessória pela Igreja (13)

. Fé no “Senhor Jesus” (Ef 1.15)

            Paulo retoma o que dissera nos versos 12 e 13, demonstrando como a fé ocorre:

A fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes (a)kou/w = “entender”, “atender”) a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa. (Ef 1.12-13).

            A fé vem pelo ouvir do Evangelho (Rm 10.17) que Paulo chama aqui de “Evangelho da vossa salvação” (13). A Palavra de Deus é poderosa neste propósito determinado pelo próprio Senhor. O Evangelho é o próprio Cristo.[1] Anunciar o Evangelho é anunciar a Cristo, não as nossas impressões ou percepções. O Evangelho é de Deus, não nos pertence. Posso compartilhar minhas intuições e reflexões. O Evangelho, no entanto, é para ser pregado.[2]

            Justamente pelo fato de o Evangelho ser centrado em Cristo, é que a genuína fé, identificada como salvadora, não é uma crença qualquer, cujo teor seja indefinido, tendo como virtude apenas o fato de poder crer; uma espécie de fé na fé. O Evangelho[3] não é algo como uma garrafa “pet” que depois de esvaziada do seu conteúdo original, pode ser preenchida com amaciante, detergente, água ou alguma outra substância. O Evangelho conforme a Escritura nos ensina, é o próprio Senhor Jesus Cristo. Nele temos “uma revelação aberta de Deus”.[4]Podemos anunciar ou não o Evangelho, porém, não temos a liberdade ou prerrogativa de modificá-lo, adocicá-lo ou, fazer um “mix” com outros ingredientes.

O Evangelho não nos pertence; Ele pertence a Deus, o Seu Autor e preservador. A Boa Nova é de Deus, cujo conteúdo é o próprio Deus anunciando a salvação para todos os que sinceramente a desejarem.[5] Portanto, o Evangelho tem como conteúdo e essência[6] a Jesus Cristo como Senhor e Salvador conforme revelado na Escritura. “Ter fé é crer que aquilo que Deus diz é verdade. O conteúdo da fé cristã é a Palavra revelada de Deus”.[7] Jesus Cristo é a Palavra encarnada.

            Fé é o abandono de toda confiança em obra produzida por nós mesmos como fundamento de nossa justificação e salvação. A fé está convencida intelectualmente de sua veracidade e incontestabilidade (Hb 11.1).[8] Além deste elemento intelectual, consiste em uma rendição incondicional ao Seu Senhor, em Quem descansa de forma amorosa e confiante.[9] A fé ultrapassa a nossa capacidade racional, embora a envolva, bem como a sua demonstração lógica. Ou como diz, Mcgrath: “A fé não contradiz a razão, mas a transcende por meio de uma jubilosa libertação divina dos frios e austeros limites da razão e da lógica humanas”.[10]

            A fé que não parte de um conhecimento verdadeiro e, por isso mesmo, não é vivencial, não é a verdadeira fé bíblica. *** A verdadeira fé manifesta-se em uma confiança existencial, a qual rege o nosso coração. A fé é persuadida pelo conhecimento que a possibilitou crer.[11] “A fé salvadora é um conhecimento seguro que produz segurança e certeza. Conhecimento e segurança caminham juntos”, interpreta Bavinck.[12]

            É necessário que conheçamos o Senhor das Escrituras para que a nossa fé não se ampare em apenas uma invenção de nossa mente, num ser idealizado, uma projeção intelectual a respeito de Jesus, distante, portanto, da plenitude da revelação bíblica.

            Quando Paulo e Barnabé chegam à Igreja de Antioquia, apresentam um relato sumário de seu trabalho. Eles desejam compartilhar com todos. Registra Lucas: “Ali chegados, reunida a igreja, relataram quantas coisas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios a porta da fé” (At 14.27).

            No seu testemunho, enfatizam o poder soberano e operante de Deus em seu ministério e, como Deus operou eficazmente chamando os Seus pela fé. É por meio da Palavra que Deus nos gerou espiritualmente, tornando-nos seus filhos.

            Precisamos analisar então, alguns aspectos da fé. É o que faremos no próximo capítulo.

Maringá, 7 de abril de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“O conteúdo do Evangelho é Jesus mesmo, não um credo ou uma doutrina ou teoria acerca Dele” (Alan Richardson, Así se hicieron los Credos: Una breve introducción a la historia de la Doctrina Cristiana, Barcelona: Editorial CLIE, 1999, p. 17). “Para os Cristãos, Jesus é a personificação e a autorrevelação de Deus. No cerne da fé cristã está uma pessoa viva, não um livro” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 33).

[2]“O Evangelho não é algo inventado pelas percepções dos profetas ou pregadores, mas esse Evangelho vem do próprio Deus. Ele o possui. É sua propriedade. Portanto, quando proclamamos o Evangelho, estamos proclamando uma mensagem que não é nossa” (R.C. Sproul, O Pregador Mestre: In: R. Albert Mohler, Jr., et. al. Apascenta o meu rebanho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 95).

[3] Para um estudo da palavra Evangelho e do seu significado, veja-se: https://www.hermisten.com.br/teologia-da-evangelizacao-6/ (Consulta feita em 07.04.2023).

[4]João Calvino, Exposição de Segundo Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.18), p. 78.

[5]“Elimine-se o evangelho, e todos permaneceremos malditos e mortos à vista de Deus. Esta mesma Palavra, por meio da qual somos gerados, passa a ser leite para nos criar, bem como alimento sólido para a nossa nutrição contínua” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.15), p. 143).

[6]“Cristo é o fim da lei e a suma do Evangelho” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.20), p. 78).

[7]John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 16.

[8]“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem” (Hb 11.1).

[9]Para uma descrição sumária deste ponto, entre outros, vejam-se: R.C. Sproul, O Que é teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 59-60; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 506-508; Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Paracletos, 2002, p. 103-104; Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 409-412. Para uma abordagem histórico-crítica um pouco mais ampla, veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 128-135; 212-215.

[10]Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 15.

[11]Veja-se: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 412.

[12]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 99. Veja-se: Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido: ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 14-15.

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