Uma fé que investiga e uma ciência que crê (9)


            O mundo do conhecimento pertence a Deus. Ele é o seu autor e revelador. Logo, todo e qualquer conhecimento quer empírico, quer filosófico, quer científico, quer teológico[1] que o homem tenha ou possa ter, é parte do conhecimento de Deus expresso na sua Criação. Desta forma, podemos dizer que não existe conhecimento fora de Deus.

            A realidade pertence a Deus, quem a criou, e lhe confere sentido. Quando, então, nos referimos ao conhecimento que podemos ter do próprio Deus, do seu caráter e majestade, temos de reafirmar a verdade bíblica de que esse conhecimento provém do próprio Deus. 

            Portanto, Deus só pode ser conhecido por Ele mesmo. Por isso a necessidade de revelação para que possamos conhecê-lo, e nos relacionarmos com Ele.[2] Deus em sua integridade se revela verdadeiramente como é em sua natureza essencial.[3]  Porém, nenhuma de suas perfeições esgota a totalidade de seu ser. Este conhecimento resultante da graça é único, singular e pessoal.[4]

            No entanto, não é demais enfatizar que o nosso conhecimento a respeito de Deus é um “conhecimento-de-servo” delimitado pelo próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano.

            Em outras palavras, citando Frame: “É um conhecimento acerca de Deus como Senhor, e um conhecimento que está sujeito a Deus como Senhor”.[5]

            O nosso conhecimento nunca é autorreferente com validade própria e por iniciativa nossa.[6] “Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”, interpretam Geisler e Bocchino.[7] Por isso mesmo, a realidade sempre é mais importante e complexa do que a nossa experiência. A ontologia é a determinante de nossa possibilidade epistemológica.

            Poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina. Dito de outro modo, o nosso conhecimento é um ato de fé, e esta é procedente da graça[8] que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer. Mais: nunca somos ou seremos o padrão de verdade. Os nossos pensamentos e as nossas supostas experiências concretas não têm poder autorreferentes, antes, precisam sempre ser validados pela Palavra, que é a verdade (Jo 17.17).

            Só pensamos verdadeiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, é que conhecer a Deus é algo singular porque somente Deus é soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo. E tudo isso, por meio de Jesus Cristo, o Deus encarnado,[9] a revelação pessoal de Deus.[10]  

Conhecer a Deus em sua soberania, portanto, é um dom da graça do soberano Deus. Este conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possamos conhecer a nós mesmos e as demais coisas da realidade.

O nosso pastor é Rei de toda a terra. O reinado de Deus é uma declaração de fé que permeia todo o Antigo Testamento, especialmente nos Salmos.[11]

            O seu trono não depende da vontade humana ou de aclamação popular. Foi Ele mesmo quem o estabeleceu e sustenta (Sl 9.7).[12] Isso é motivo de admiração e temor.  Escreve o salmista: “Reina o SENHOR; tremam os povos. Ele está entronizado acima dos querubins; abale-se a terra” (Sl 99.1).

Maringá, 29 de março de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Quanto aos tipos de conhecimento, veja um resumo em: Hermisten M. P. Costa, Introdução à metodologia das ciências teológicas, Goiânia, GO.: Cruz, 2015.

[2]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 287ss.

[3] “Deus se revela como ele verdadeiramente é. Seus atributos revelados verdadeiramente revelam sua natureza” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 98).

[4] “Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular” (John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).

[5]John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 56.

[6]A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 68).

[7]Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50.

[8] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[9] “Toda nossa luz e conhecimento consistem (…) em conhecer a Deus na pessoa de seu Filho unigênito. Com isso, digo eu, é que devemos nos contentar” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 146-147).

[10] Vejam-se: Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 25-26); Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 167.

[11]Veja-se: Carl J. Bosma, Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações. Aspectos da base teológica e prática missionária no Livro dos Salmos, São Paulo: Fôlego, 2009, p. 29ss.

[12]“Mas o SENHOR permanece no seu trono eternamente (~l’A[) (olam), trono que erigiu (!WK) (kun) para julgar (jP’v.mi)(mishpat)(Sl 9.7).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *