Teologia da Evangelização (85)

2.4.9.4. Uma demonstração prática da doutrina (Continuação)

Paixão pelas suas ovelhas de Genebra

Em 7 de maio de 1549, escreve a Bullinger. A certa altura, revela o seu profundo amor pela igreja de Deus em Genebra:

Se eu fosse considerar minha própria vida ou meus interesses particulares, deveria dirigir-me imediatamente para outro lugar. No entanto, quando considero o quanto esta região é importante para a propagação do reino de Cristo, tenho boa razão para sentir-me ansioso quanto a que ela seja cuidada com atenção.[1]

           Comentando sobre as perseguições aos huguenotes na França, escreveu a Madame de la Roche-Posay (10.06.1549):

Quão alegres devemos estar quando o reino do Filho de Deus, nosso Salvador, multiplica-se e quando a boa semente de sua doutrina se espalha por toda parte (…). Na verdade, é uma espécie de milagre quando Ele se agrada de fazer sua gloriosa luz brilhar no lugar de tão profundas trevas. (…) Reconheça então que nosso bom Senhor estendeu a mão para você, até as profundezas do abismo, e que ao fazer isso Ele expressou uma infinita compaixão por você. Portanto, é seu dever, como nos disse São Pedro, empenhar-se em engrandecer seu santo nome. Pois, ao nos chamar a si mesmo, Ele nos consagra para que toda a nossa vida seja em sua honra, o que não pode acontecer sem que nos retiremos das poluições deste mundo. (…) No entanto, você deve se lembrar que, aonde quer que formos, a cruz de Jesus Cristo nos seguirá, mesmo no lugar onde você possa desfrutar do seu bem-estar e conforto. Considere isso, que mesmo no país onde você tem liberdade, tanto para honrar a Deus como para ser confirmado por sua palavra, você terá que suportar muitos aborrecimentos. Pois esta é a própria maneira pela qual Deus faria prova de nossa fé, e saberia se, ao buscá-lo, temos renunciado a nós mesmos.[2]

Irmãos perseguidos em Lyon

          Comentando Filipenses, Calvino abre um pouco o seu ardente coração pastoral:

Um dos sinais de um genuíno pastor é que, enquanto se encontrar a grande distância, e se detiver voluntariamente por atividades piedosas, não obstante será atingido por preocupação pelo seu rebanho, e terá saudade dele; e, ao descobrir que suas ovelhas se angustiam por sua causa, ele se preocupará com a tristeza delas.[3]

          Em 7 de julho de 1553, Calvino escreve mais uma carta aos “prisioneiros de Lyon” que aguardavam a sua condenação por terem aderido à Reforma Protestante. Esta ele dirige em especial a dois deles: Denis Peloquin de Blois e Louis de Marsac. A certa altura, diz:

Meus irmãos (…), estejam certos de que Deus, que se manifesta em tempos de necessidade e aperfeiçoa Sua força em nossa fraqueza,  não vos deixará desprovidos daquilo que poderosamente glorificará o Seu nome. (…) E como você sabe, temos resistido firmemente as abominações do Papado, a menos que nós renunciássemos o Filho de Deus,  que nos comprou para Si mesmo pelo precioso preço. Medite, igualmente, naquela glória celestial e imortalidade para as quais nós somos chamados, e é certo  de alcançar pela Cruz –– por infâmia e morte.  De fato, para a razão humana é estranho que os filhos de Deus sejam tão intensamente afligidos, enquanto os ímpios divertem-se em prazeres; porém, ainda mais, que os escravos de Satanás nos esmaguem sob seus pés, como diríamos, e triunfem sobre nós. Contudo, temos meios de confortar-nos em todas as nossas misérias, buscando aquela solução feliz que está prometida para nós, que Ele não apenas nos libertará mediante Seus anjos, mas pessoalmente enxugará as lágrimas de nossos olhos.[4] E, assim, temos todo o direito de desprezar o orgulho desses pobres homens cegos, que para a própria ruína levantam seu ódio contra o céu; e, apesar de não estar neste momento em suas condições, nem por isso deixamos de lutar junto com vocês em oração, com ansiedade e suave compaixão, como companheiros, percebendo que agradou a nosso Pai celeste, em Sua bondade infinita, unir-nos em um só corpo sob Seu Filho, nossa cabeça. Pelo que eu lhe suplicarei que possa garantir a vocês essa graça; que Ele os conserve sob Sua proteção e lhes dê tal segurança disso que possam estar aptos a desprezar tudo o que é deste mundo. Meus irmãos os saúdam mui afetuosamente, e assim também muitos outros. –– Seu irmão, João Calvino.[5]

          Louis de Marsac, na prisão, responde-lhe:

Senhor e irmão, eu não posso expressar o grande conforto que recebi… da carta que você enviou para meu irmão Denis Peloquin que passou-a a um  de nossos irmãos que estavam numa cela abobadada acima de mim, e leu-a para mim em voz alta, porque eu não pude lê-la por mim mesmo, sendo incapaz de ver qualquer coisa em meu calabouço. Então, eu lhe peço que persevere nos ajudando com semelhante consolação, pois isso nos convida a chorar e orar.[6] 

          Posteriormente, Louis de Marsac, Etienne Gravot de Gyen, e Marsac, primo de Louis serão condenados à morte, sendo queimados: Morreram cantando um hino. Aliás, o canto em meio às chamas tornou-se um testemunho fervoroso da fé calvinista na França, conforme apresentaremos alguns exemplos.[7]

Maringá, 07 de outubro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 5 (Letters, Part 2), 1983, p. 227.

[2]In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 5 (Letters, Part 2), 1983, p. 229-231.

[3]João Calvino, Gálatas-Efésios-Filipenses-Colossenses,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, (Fp 2.26), p. 434.

[4] Comentando o salmo 56.8, Calvino assim se expressou: “…. Se Deus concede tal honra às lágrimas de seus santos [lembrar-se delas], então pode ele contabilizar cada gota do sangue que eles derramaram. Os tiranos podem queimar sua carne e seus ossos, mas seu sangue continua a clamar em altos brados por vingança; e as eras intervenientes jamais poderão apagar o que foi escrito no registro divino das memórias” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 56.8), p. 501).

[5] John Calvin, To the Prisoners of Lyons, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], nº 320.

[6]In: To the Prisoners of Lyons, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], nº 320. Calvino atendeu à solicitação e, em 22/08/1553, escreveu-lhes novamente (Ver: John Calvin, To Denis Peloquin and Louis de Marsache, “Letters,” John Calvin Collection,[CD-ROM], nº 323).

[7] Vejam-se: John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 299, 301. Encontramos alguns exemplos significativos em: Charles W. Baird, A Liturgia Reformada: Ensaio histórico, Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 67ss.

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