Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (10)

            “É especialmente no nome Yhwh que o Senhor se revela como o Deus de Graça”, assevera Bavinck.[1] Aqui, de modo especial, encontramos a afirmação da imutabilidade de Deus, a confirmação do eterno cumprimento das suas promessas decorrentes do Pacto (Ex 3.13,14; 6.2,3; 15.3; Is 42.8; Os 12.5-6). Deus não muda em seu relacionamento com o seu povo.[2]

            Deus se revela no Antigo Testamento como Senhor; e, seu Senhorio envolve alguns aspectos distintivos os quais serão melhor desenvolvidos posteriormente:

1) Deus é autoexistente e, portanto, autopoderoso. Ele existe por si mesmo, não dependente de nada fora dele  (Ex 3.14/Ap 1.4). Ele é a causa eficiente de tudo o que existe (Is 44.24/Jo 1.1-3).

2) Deus é o Senhor da terra: Ele criou o céu e a terra, enchendo-os todo com a sua glória, tendo, portanto, todo o domínio (Gn 1.1; Js 3.11,13; Sl 93.1-2; 95.3-5; Is 6.3; Mq 4.1-3); consequentemente.

3) Ele é o Senhor de Israel: Como Senhor de toda a criação, visível e invisível, Deus criou o seu povo e, o adquiriu ainda, num segundo estágio, quando o livrou da escravidão do Egito (Ex 19.4-6; Sl 100.3; Is 1.24; 6.1,8; 43.1,21; 60.21).

4) Deus é o Senhor da História: Deus exerce ativamente o seu poder sobre o mundo e os homens, dirigindo a História para a realização do seu propósito eterno. Em alguns momentos a sucessão dos eventos históricos pode nos deixar perplexos, como aconteceu com o profeta Habacuque, entretanto, a mão poderosa de Deus rege todos os acontecimentos. Deus dirige a história, fazendo com que todas as coisas contribuam para o bem do seu povo, da sua Igreja (Rm 8.28).[3]  O Senhor da História conduz a história para o seu glorioso fim:  “O Senhor da história será o Juiz do mundo inteiro”.[4]

5) Deus é o Senhor da graça: O Antigo Testamento é o registro infalível da historificação da graça de Deus; os homens são compelidos a se estribarem única e simplesmente na Sua graça: “No tocante a mim, confio na tua graça” (Sl 13.5). Essa graça deve ser compartilhada e proclamada (Sl 40.10). (Veja-se: Sl 63.3; 69.16; 85.9-12; 89.14; Is 60,10; Dt 7.6-8, etc.).

6) Não há impedimentos para Deus. Sendo Ele coerente consigo mesmo, é poderoso para cumprir todas as suas promessas. (Ex 3.13,14; 6.2-4; 15.1-7; Sl 22.3-5; Is 42.8-9; Os 12.5-6).

            A questão do nome adquire um sentido ainda mais rico e profundo[5] por meio do Logos encarnado. O Filho eterno coexistente com o Pai, estando com Ele desde o início (Jo 1.18),[6] foi quem o revelou de forma completa dentro do propósito Trinitário de se fazer conhecido. 

            Na Oração Sacerdotal[7] Jesus Cristo, fala ao Pai a respeito de seus discípulos:

Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. (Jo 17.6).

Eu lhes fiz conhecer (gnwri/zw) o teu nome e ainda o farei conhecer (gnwri/zw). (Jo 17.26).

Como temos insistido, o conhecimento do nome de Deus só nos é possível por iniciativa do próprio Deus. O seu nome não é atribuído por nós de forma arbitrária.[8] Aliás, nem teríamos parâmetros para isso. Ele mesmo se dá a conhecer em Jesus Cristo. A revelação é um ato da livre graça de Deus.[9] “É o próprio Deus que, por meio da natureza e da Escritura, colocou seus nomes esplêndidos em nossa boca”.[10]

O nome de Deus retrata aspectos de sua própria natureza. O nome abrange tudo quanto nos foi revelado a seu respeito: Todos os Seus atributos revelados e todas as suas obras.[11] O nome de Deus está relacionado à sua revelação;[12] Jesus revelou (fanerw/n[13] = “tornar claro”; “manifestar”, “fazer conhecido”) o nome do Pai (Jo 17.6).

São Paulo, 03 de setembro de 2019.

Rev.  Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Herman Bavinck, The Doctrine of God, 2. ed. Grand Rapids, Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co., 1955, p. 103. Cf. também, L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 51.

[2]Veja-se: Walter C. Kaiser, Jr., Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 111-112. G. Aulén: “A fé entende a imutabilidade como expressão da direção inalterável da vontade de Deus e como a afirmação de que essa vontade, sob todas as circunstâncias e em toda a sua atividade, caracteriza-se pelo amor” (G. Aulén, A Fé Cristã, São Paulo: ASTE, 1965, p. 131).

[3] “Toda nação da terra está sob a mão divina, porque não há poder neste mundo que, em última instância, não seja por Ele controlado. (…) Deus é o Senhor da história. (…) Ele começou o processo histórico, controla-o, e por-lhe-á um fim. Jamais devemos perder de vista este fato decisivo” (D. Martyn Lloyd Jones, Do Temor à Fé, Miami: Vida, 1985, p. 21).

[4] D.M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 323.

[5] Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 100-101.

[6]“Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1.18).

[7]Para um estudo mais detalhado dessa oração, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Tua Palavra é a Verdade, 2. ed. Brasília, DF.: Monergismo, 2012.

[8]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 101-102.

[9]“Ele não nos manda que subamos incontinenti aos céus, e, sim, perscrutando nossa debilidade, Ele mesmo desce até nós” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 42.1-3), p. 257). “O Deus verdadeiramente Deus é aquele que não é conhecido por meio da razão, mas através da manifestação do seu Nome, o Deus da revelação” (Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 162-163).

[10]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 110.

[11] “‘O nome’ significa tudo quanto está envolvido na pessoa de Deus, tudo quanto nos foi revelado a respeito de Deus. Significa Deus em todos os Seus atributos, Deus em tudo quanto Ele é em Si mesmo, Deus em tudo quanto Ele tem realizado e continua realizando”(D. M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte,São Paulo: FIEL., 1984, p. 345).“O nome significa a representação gloriosa de Deus no mundo criado” (K. Barth, La Oración,Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 45).

[12] Heródoto registra uma tradição, relacionada com os Pelasgos, os quais em tempos antigos sacrificavam “aos deuses todas as coisas que lhes podiam oferecer (…) lhes dirigiam preces, não lhes dando, todavia, nem nome nem sobrenome, pois nunca os viram designados por tal forma. Chamavam-nos deuses, de um modo geral, considerando-lhes a função de estabelecer e manter a ordem no universo. Não vieram a conhecer senão muito mais tarde os nomes dos deuses, quando os egípcios os divulgaram….” (Heródoto, História,Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.], II.52).

[13] Este verbo é empregado por João para indicar o início da “manifestação” da glória do Filho através do milagre da transformação da água em vinho (Jo 2.11). Coube a Cristo – Aquele que se manifestou em carne (1Tm 3.16; 2Tm 1.10) – revelar aos seus santos o “mistério” que estivera oculto a respeito da glória de Deus, sendo confiado a Paulo este anúncio (Cl 1.26,27/Tt 1.3). Nesta revelação do Pai no Filho, vemos a manifestação do amor do Deus Pai e do Deus Filho (1Jo 4.9/1Pe 1.20). A manifestação do Filho aniquilou o pecado e o poder do diabo (Hb 9.26; 1Jo 3.5,8). Os irmãos de Jesus, de forma provocativa, desafiaram-no a manifestar publicamente os Seus sinais (Jo 7.4). Por meio da igreja Deus revela a fragrância do conhecimento de Cristo (2Co 2.14). A manifestação final do Filho será glorificante (Cl 3.4; 1Pe 5.4; 1Jo 3.2). Os que abandonam definitivamente a Igreja de Cristo revelam quem realmente são (1Jo 2.19).

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