Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (96)

A Igreja é uma testemunha comissionada pelo próprio Deus, para narrar os seus atos gloriosos e salvadores. A igreja é o meio ordinário de Deus para esta tarefa. Assim, a sua mensagem não foi recebida de terceiros, mas sim, diretamente de Deus, por meio da Palavra do Espírito, registrada nas Sagradas Escrituras. O “Ide”, ordenado aos apóstolos é uma mensagem à  toda igreja à qual eles representavam naquele momento.[1]

A Igreja declara ao mundo, o “Evangelho do Reino”, visto e experimentado por ela em sua cotidianidade. “A Igreja e o evangelho são inseparáveis. (…) A Igreja é tanto o fruto como o agente do evangelho, visto que por meio do evangelho a igreja se desenvolve e por meio desta se propaga aquele”, conclui Stott (1921-2011).[2]

O testemunho da Igreja é resultado de uma experiência pessoal: O Espírito dá testemunho do Filho, porque procede do Pai e do Filho (Jo 14.26; 15.26; Gl 4.6); nós damos testemunho do Pai, do Filho e do Espírito, porque Os conhecemos e temos o Espírito em nós (Jo 15.26,27; 14.23/Rm 8.9). Notemos, contudo, que a experiência da Igreja não se torna a base da sua proclamação; ela anuncia não as suas experiências mas, a Palavra de Deus. A nossa tarefa é ensinar o Evangelho tal qual registrado nas Escrituras, em submissão ao Espírito que nos dá compreensão na e por meio da Palavra (Sl 119.18).

Encontramos exemplos deste testemunho em Estevão, que falava cheio do Espírito Santo (At 6.10; 7.55); em Paulo, que após receber o Espírito no ato da sua conversão, passou a pregar que Jesus era o Filho de Deus (At 9.17-20; 13.9-12) e, também, em Barnabé, no seu breve, porém profícuo ministério em Antioquia (At 11.21-25).

O poder do Espírito não significa simplesmente uma vitória sobre as dificuldades, antes, ele nos fala do triunfo, mesmo quando a derrota nos parece evidente. Assim, Estevão testemunhou no poder do Espírito e foi apedrejado; Paulo cumpriu seu ministério sob a direção do Espírito e foi preso e martirizado. Estes exemplos que não são isolados, nos falam de uma aparente derrota e frustração, todavia, é apenas uma falsa percepção dos fatos. O poder do Espírito é a capacitação para levar adiante a mensagem de Cristo, mesmo que isto nos custe o mais alto preço do testemunho, que é o martírio.

A Igreja no poder do Espírito declara solene e corajosamente: “Nós não podemos deixar de falar das cousas que vimos e ouvimos” (At 4.20). “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29). “Estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.13).

A Igreja tem com muita frequência, se distanciado daquilo que a caracteriza: a pregação da Palavra[3]que consiste no ensino da verdade [4] e o genuíno culto ao Deus verdadeiro. Ela tem feito discursos políticos partidários, sociais, ecológicos etc.; todavia, tem se esquecido de sua prioridade essencial: pregar a Palavra a fim de que os homens se arrependam e sejam batizados, ingressando assim, na Igreja.

Com isto, não estamos defendendo um total distanciamento da Igreja do que ocorre na História, pelo contrário, a Igreja deve agir de forma evidente e efetiva na História; acontece, que ela age de forma eficaz não com discursos rotineiros a respeito da pobreza, da violência, das guerras e do desmatamento, mas sim, na proclamação do Evangelho de Cristo, que é o poder de Deus para a transformação de todos os homens que creem (Rm 1.16-17).

A recomendação bíblica é:

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina (didaskali/a); pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as cousas, suporta as aflições, faze o trabalho de evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).

Boanerges Ribeiro (1919-2003), dentro de uma abordagem penetrante, assevera:

A Igreja declara que a relação se restabeleceu entre Deus e o homem, pela Palavra criadora de Deus. Eis uma declaração que inquieta o mundo; eis uma declaração que provoca a fúria homicida do mundo em agonia, contra a Igreja imortal, o que tantas vezes faz da testemunha, mártir; e da Revelação a João, a tela de horrores apocalípticos, onde a besta desesperada tenta em vão destruir a Igreja. Mas a Igreja há de dar testemunho: não pode fugir à vocação de seu ser.

A Igreja é a comunidade de seres humanos organizada pela presença permanente do Espírito Santo (…) conservada no mundo para ser testemunha de Cristo por meio da Palavra de Deus”.[5]

Por isso, a Igreja como testemunha, não tem o direito, nem realmente deseja, optar se deve ou não dar o seu testemunho nem, a quem deve testemunhar: Ela de fato, não pode se calar, do mesmo modo que não podemos deixar de respirar. A Igreja não pode deixar de dar testemunho, visto que ela “não pode fugir à vocação do seu próprio ser”.[6] (At 1.8; 4.8-13; 6.10/7.55; 9.17-20; 11.21.25; 13.9-12).

Como Igreja, somos levados sob a direção do Espírito, de forma irreversível, a testemunhar sobre a realidade de Cristo e do poder da sua graça. “Viver segundo a direção do Espírito é viver na força do Espírito (…). A única maneira pela qual podemos viver pela força do Espírito é mantendo comunhão com Ele”, conclui Hoekema (1913-1988).[7]

Maringá, 10 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Cf. J.I. Packer,  Força na Fraqueza, Vencendo no poder de Cristo  São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 43.

[2]John R.W. Stott; Basil Meeking, editores, Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan: Nueva Creación, 1988, p. 62.

[3]Podemos tomar operacionalmente a definição que Alexander Vinet (1797-1847) deu de pregação: “A pregação é a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho” (A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry,2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189).

[4]“Uma igreja com um grande número de membros, com um imponente edifício, com uma elaborada liturgia, com uma eficiente organização e com vestimentas digníssimas, porém sem a verdade, não é uma igreja. Por outro lado, uma igreja com pouquíssimos membros, com um edifício que não é mais que uma choça, com uma ordem simples de adoração, com um mínimo de organização e sem vestiduras eclesiásticas, é uma igreja de Jesus Cristo se somente é leal à verdade” (R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo,p. 101).

[5] Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 42-43.

[6]Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 43.

[7] A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 59.

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