“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (150)

a) Sensibilidade para com as necessidades dos irmãos  (Continuação)

Prisão e intercessão

Quando Pedro estava preso, a Igreja orava incessantemente em favor dele (At 12.5).

            Paulo chegou a Filipos, por volta do ano 49, em companhia de Silas, Timóteo e Lucas (At 16.1-3,10-12; 1Ts 1.1/2.2). Assim pôde pregar naquela colônia romana, evangelizando a Lídia, a vendedora de púrpura, e a todos os seus familiares (At 16.14,15).Poucos judeus residiam na cidade. O “lugar de oração” (At 16.13) indica a presença de alguns judeus, porém, em número inferior a dez homens, quantidade mínima considerada para se formar uma sinagoga. De acordo com a lei da Mishná, era permitido que dez homens judeus formassem, em qualquer lugar, uma sinagoga.[1] Havia cidades, inclusive, que possuíam várias. Estima-se que em Jerusalém houvesse cerca de 500 delas.[2]

            Paulo expulsou o demônio de uma jovem adivinhadora, dando prejuízo aos seus senhores; ele foi acusado, açoitado e preso (At 16.16-24). Na prisão testemunhou sua fé aos outros companheiros de cela; teve também a oportunidade de pregar ao carcereiro que foi convertido juntamente com os seus familiares (At 16.25-34).

            Quando as autoridades descobriram que Paulo era cidadão romano, reconheceram que haviam transgredido a lei visto que o haviam prendido e açoitado sem que houvesse um processo formal contra ele (At 16.35-38).

            Libertos, Paulo e Silas vão embora; Lucas permaneceu em Filipos (Compare: At 16.10,12,13 /At 16.40; 17.1). Quando Paulo e Silas partem, ao que parece, a Igreja ficou se reunindo na casa de Lídia (At 16.40). Ao longo dos anos os crentes filipenses permaneceram em contato com Paulo, auxiliando-o em seu ministério, provendo recursos para as suas necessidades (2Co 11.9; Fp 1.5; 2.25,30; 4.10,14-19). Paulo visitou a Igreja em pelo menos duas outras ocasiões antes de sua prisão em Jerusalém e a redação da carta destinada à Igreja (2Co 2.12,13; 7.5-7; At 20.1,3,6).

Comunhão operante

            Paulo lhes escreve: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vós, fazendo sempre, com alegria, súplicas por todos vós, em todas as minhas orações” (Fp 1.3-4). Paulo diz dar graças a Deus (eu)xariste/w) por tudo que recordava daquela Igreja. No verso 5, ele explicita o motivo primeiro: “pela vossa cooperação (koinwni/a) no evangelho”.

            A palavra Koinwni/a[3] é derivada de koino/j,cuja ideia básica, bem como de todos os seus cognatos (koino/w, koinwno/j, koinwne/w, koinwni/a e koinwniko/j), é de comum”, “comunhão”, “companheirismo”, “compartilhar”, etc.

            Koinwni/a no Novo Testamento denota uma comunhão participante independentemente do conhecimento pessoal (Rm 15.26. ARA: “coleta”). Esta comunhão é resultante da comunhão que todos temos com o Pai e com o Filho (1Jo 1.3,6,7) e da comunhão do Espírito (Fp 2.1). A nossa comunhão com Cristo antecede ao tempo, visto que fomos eleitos nEle antes da fundação do mundo (Ef 1.4).

            É um privilégio poder socorrer, manifestar de forma liberal esta comunhão para com os nossos irmãos necessitados (2Co 8.4. ARA: “participarem”; 2Co 9.13. ARA: “contribuís”). “Koinõnia é o espírito do compartilhar gracioso em contraste com o espírito egoísta que deseja obter tudo para si”.[4]

            Este espírito fraterno que se manifesta de forma prática, é agradável a Deus:“Não negligencieis igualmente a prática do bem e a mútua cooperação (koinwni/a); pois com tais sacrifícios Deus se agrada”(Hb 13.16).

            Mesmo sendo evidente a união entre os crentes de Filipos, esta não era perfeita: Paulo os orienta constantemente quanto à necessidade de estarem unidos (Fp 1.27; 2.1-4; 4.2,3,5,7,9). Contudo, a Igreja, que não era e nem poderia ser perfeita, demonstra uma cooperação espiritual, apesar das dificuldades inerentes à sua própria condição de pecadores.

            Paulo reconhece a cooperação daqueles irmãos no Evangelho, que se manifestava de forma concreta – mais recentemente – na ajuda que lhe prestara por meio de Epafrodito.

            A cooperação era constante desde o início (Fp 1.5).Não dependia simplesmente de estar entusiasmado, ou de uma alegria circunstancial, antes era o resultado de uma união de espírito em Cristo Jesus. O nosso serviço deve ser feito de forma consciente do seu objetivo e a Quem estamos servindo. A Igreja de Filipos cooperava no Evangelho, certamente, entendendo ser este o poder de Deus para a transformação de vidas (Rm 1.16). À frente, Paulo enfatiza: “…. Todos sois participantes (sugkoinwno/j) da graça (xa/rij) comigo” (Fp 1.7).  

A palavra Sugkoinwno/j tem o sentido de “coparticipante”, “cooperador”, “parceiro”, “companheiro” (* Rm 11.17; 1Co 9.23; Fp 1.7; Ap 1.9). No final da carta, Paulo novamente retrata da fraternidade filipense: “….Fizestes bem, associando-vos (sugkoinwne/w[5]) na minha tribulação (qli/yij)” (Fp 4.14).

            A constância da cooperação dos irmãos de Filipos pode ser demonstrada da seguinte forma:

            a) Lídia, que fora convertida por intermédio da pregação de Paulo, abriu as portas de sua casa para hospedá-lo juntamente com Silas (At 16.15). Após a partida de Paulo e Silas, a igreja parece ter se centralizado em sua casa (At 16.40).

            b) O carcereiro cuida com amor e carinho dos ferimentos de Paulo e Silas, fazendo-os compartilhar festivamente de sua mesa (At 16.33,34).

            c) Na cidade seguinte, Tessalônica, Paulo já pode usufruir da comunhão participante dos filipenses que supriu de modo eficiente as suas necessidades (Fp 4.16).

            d) Em Corinto,Paulo que não queria ser pesado aos irmãos daquela cidade, recebeu com alegria o suprimento dos filipenses (Fp 4.15/2Co 11.9).

            Aqueles irmãos eram perseverantes em sua demonstração fraterna desde o início no Evangelho.

            Quando Paulo escreve aos Coríntios a respeito da oferta para a Igreja de Jerusalém, que enfrentava uma série de dificuldades financeiras, ele se refere aos crentes da Macedônia (Filipos, Beréia, Tessalônica etc.) que já haviam contribuído, dizendo que estes pediram “com muitos rogos, a graça (xa/rij) de participarem (koinwni/a) da assistência (diakoni/a) aos santos”(2Co 8.4).

            Os macedônios entendiam que poder ajudar os seus irmãos necessitados era uma graça, um privilégio que não poderiam deixar passar incólume.

            Paulo toma este argumento e fala nos mesmos termos aos coríntios, a fim de que eles participem desta graça de socorrerem os seus irmãos das igrejas da Palestina (2Co 8.6,7). Paulo também entende que administrar este trabalho é uma graça (2Co 8.19).

            Estes são apenas alguns dos exemplos que refletem a comunhão espiritual da Igreja Primitiva. O curioso, é que em muitos casos, os irmãos nem sequer se conheciam; entretanto, entendiam de modo correto, que todos eles faziam parte do mesmo corpo de Cristo (1Co 12.13).

Maringá, 11 de setembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Philip Schaff,History of the Christian Church,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 1, p. 456.

[2]Broadus B. Hale, Introdução ao Estudo do Novo Testamento,Rio de Janeiro: JUERP., 1983, p. 17. Variando as estimativas entre 394 e 480 (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 1, p. 457).

[3] Koinwni/a  *At 2.42; Rm 15.26; 1Co 1.9; 10.16 (2 vezes); 2Co 6.14; 8.4; 9.13; 13.13;  Gl 2.9; Ef 3.9 (aqui, somente no Textus Receptus; em Scholz e Tischendorf: oi)konomi/a) Fp 1.5; 2.1; 3.10; Fm 6; Hb 13.16; 1Jo 1.3,6,7.

[4]W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento,  São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 122.

[5]Somente neste texto o verbo é usado de forma positiva; nos dois outros lugares: Ef 5.11 e Ap 18.4, tem o sentido negativo de “cumplicidade” com as obras das trevas.

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