A Pessoa e Obra do Espírito Santo (478)

3.3. Gratidão a Deus

A ingratidão para com Deus é uma característica marcante no modo de vida pagão. Paulo diz que a ignorância a respeito de Deus é irreal, visto que a criação aponta para Deus revelando, inclusive, alguns de seus atributos. Portanto, a idolatria é um ato de rebelião e ingratidão:

19 porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.  20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis;  21 porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. (Rm 1.19-21).

            A gratidão a Deus deve ser uma força motivadora e conducente da vida cristã.[1] Obviamente, não podemos devolver a Deus tudo o que Ele nos têm dado – aliás, nem Ele requer isso de nós –, todavia, podemos e devemos ser-lhe grato.

            Como diz o poeta, nele “vivemos e nos movemos”. A existência e qualquer possiblidade do ser e fazer emanam de Deus, Portanto, o reconhecimento do cuidado preservador de Deus e das suas bênçãos cotidianas, deve se revelar num ato de gratidão, se manifestando inclusive em meio às adversidades, como um sinal evidente de que temos a vitória por Cristo. (1Ts 5.18/At 16.25; Rm 8.37; 1Co 15.57; 2Co 2.14).

            À jovem Igreja de Tessalônica, Paulo orienta: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco”(1Ts 5.18).

            A expressão “dai graças” é a tradução do verbo grego Eu)xariste/w, que tem o sentido, conforme o traduzido, de “agradecer”. A sua raiz é a mesma do substantivo Eu)xaristi/a (Eucaristia), que pode ser traduzido por “gratidão” (Cf. At 24.3).

            Partindo destas observações, concluímos que o ato de dar graças só pode ser verdadeiro se proceder de um coração agradecido.[2] Se assim não for, tratar-se-á de mera formalidade vazia  de sentido e, portanto, de nada vale.

            A vontade de Deus é que lhe sejamos agradecidos. Por isso, todas as vezes que reconhecemos os feitos de Deus em nossa vida, e lhe agradecemos por isso, estamos concretizando o “seja feita a Tua vontade”.

            A gratidão é a atitude da alma que reconhece a direção de Deus em todos os episódios de sua existência, daí a recomendação paulina: “Em tudo dai graças”. Nesta atitude não há uma senha mágica, um talismã linguístico, que vise modificar as situações adversas, mas, sim, a expressão sincera de um coração agradecido, que sente-se seguro sob a proteção de Deus (Rm 8.31-39).

            “Sempre que Deus manifesta sua liberalidade para conosco, também nos encoraja a render-lhe graças; e prossegue agindo em nosso favor de forma semelhante quando vê que somos gratos e cônscios do que Ele nos tem feito”, escreve Calvino.[3]

            Paulo diz que devemos ser imitadores de Deus e, como tais, ao invés de vivermos com conversações torpes, devemos andar em ações de graça (Ef 5.1-4).

            Calvino comenta:

A condição dos crentes nunca é perfeita neste mundo, a ponto de não termos, invariavelmente, carência de algo. Porque, mesmo o homem que tenha começado admiravelmente bem pode enfrentar insuficiência em centenas de casos ao dia; e devemos estar sempre fazendo progresso enquanto ainda estamos a caminho. Portanto, tenhamos em mente que devemos regozijar-nos nos favores que já recebemos e dar graças a Deus por eles, de tal maneira que busquemos dele, ao mesmo tempo, a perseverança e o avanço.[4]

            A nossa gratidão a Deus é o resultado da certeza de que Ele cuida de nós e que, de fato, não existem eventos casuais, sorte, azar ou fatalismo. Deus é quem nos guarda!

            Davi escreve: “Muito sofrimento terá de curtir o ímpio, mas o que confia no Senhor, a misericórdia (ds,x) (hesed) o assistirá  (bb;s’) (sabab)” (Sl 32.10).

            A palavra assistir, que tem um amplo sentido literal e figurado, significa envolver, cercar, contornar. Apenas para ilustrar, mencionamos que esta é a palavra usada para descrever as voltas que o exército de Israel deu sobre Jericó durante sete dias (Js 6.3,4,7,11,14,15). A ideia expressa é a de que Deus nos cerca, nos envolve por todos os lados com a sua misericórdia.

O hesed de Deus é o seu incansável, fiel e misericordioso amor pactual que se revela em sua relação com o seu povo. Ele pode ser esperado, desejado e suplicado, porém, não pode ser exigido.[5] A misericórdia de Deus se manifesta de forma boa e agradável a fim de nos restaurar. Ela se relaciona com a profundidade de seu amor que se revela em atos concretos de compaixão.

            A misericórdia de Deus é uma realidade contínua em nossa existência. Contudo, ela se torna mais eloquente para nós quando tomamos consciência do nosso pecado e do perdão de Deus.

            No Salmo 6, o salmista Davi, tendo pecado, arrependido, suplica a Deus: “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça (ds,x,) (hesedh)(Sl 6.4).

Por maiores que sejam os nossos pecados, exponhamos a Deus em oração. Não tenhamos vergonha de colocar diante de Deus as nossas angustias, temores e ansiedades. Tenhamos vergonha de pecar. Lamentavelmente tendo feito isto, arrependidos, não tenhamos vergonha de confessar a Deus a nossa transgressão rogando-lhe a graça do perdão.

Enquanto o egoísmo pode se tornar um forte obstáculo à gratidão, achando que Deus existe para satisfazer os nossos desejos que, na realizada nunca se saciam; como cristãos, devemos ter sempre presente diante de nossos olhos que a restauração concedida por Deus à nossa vida é unicamente amparada em sua misericórdia e graça, cujo fundamento é a obra redentora de Cristo. Esta é uma bênção inigualável, imerecida e totalmente por graça. A nossa resposta à graça, deve ser gratidão. A graça recebida pela fé, se revela em grata obediência.

            Portanto, em todas as circunstâncias, podemos encontrar motivos para agradecer a Deus, certos de que Ele é o Senhor da história e nada nos acontece sem a permissão governativa de Deus e que tudo o que nos ocorre tem um sentido proveitoso para a expressão de nossa vida: física, psíquica e espiritual.[6] “Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). O “bem” dos filhos de Deus é tornar-se cada vez mais identificado com o seu Senhor (Rm 8.29-30).

Maringá, 16 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: J.I. Packer, A Redescoberta da santidade, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 61

[2]Calvino corretamente diz: “Embora Deus de forma alguma careça de nossos louvores, contudo sua vontade é que este exercício, por diversas razões, prevaleça em nosso meio” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 40.9), p. 232).

[3] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 40.9), p. 231.

[4]João Calvino, Gálatas, Efésios, Filipenses e Colossenses, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, (Cl 1.3), p. 494.

[5]Veja-se: R. Bultmann, E)/leoj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 2, p. 479-482.

[6] “Não importa qual seja a situação ou provação, há sempre uma razão para agradecer ao Senhor”  (John MacArthur, Colunas do caráter cristão,  São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 93).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *