A Pessoa e Obra do Espírito Santo (357)

6.4.8.5. A Unidade e a nossa responsabilidade

6.4.8.5.1. Um esforço intenso e perseverante (Ef 4.3)

Paulo diz algo revelador a respeito da unidade cristã: Esforçando-vos diligentemente(Spouda/zw) por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz”(Ef 4.3).

Analisemos um pouco essa palavra: Os verbos spouda/zw[1] e speu/dw,[2] o substantivo spoudh/,[3] o advérbio spoudai/wj[4] e o adjetivo spoudai=oj[5] significam “correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso, diligente”, “esforço” e “aplicação”. Denota uma diligência que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. O particípio presente aponta na direção de nossa responsabilidade de mantermos esta atitude constantemente.

 Paulo se vale dessa palavra para se referir ao empenho que devemos sustentar para preservar a unidade do Espírito na Igreja. Stott chamou-me a atenção para as palavras de Markus Barth (1915-1994) ao comentar essa passagem:

Dificilmente se pode traduzir com exatidão a urgência contida no verbo grego subjacente. Não somente pressa e paixão, como também um esforço total do homem integral está em mira, envolvendo a sua vontade, o seu sentimento, a sua razão, a sua força física, e a sua atitude total. O modo imperativo do particípio que se acha no texto grego exclui a passividade, o quietismo, uma atitude de ‘vamos ver como fica’, ou uma diligência temperada por uma velocidade bem deliberada. A iniciativa é sua! Faça-o agora! Seja sincero! Você deve fazê-lo! Estou sendo sério! Estas são as implicações do versículo 3.[6]

6.4.8.5.2. Preservar a unidade do Espírito (Ef 4.3)

1) O Sentido de “preservar”

A palavra traduzida por “preservar” é thre/w tem o sentido de guardar com um propósito ou, por um tempo determinado (At 25.21;1Pe 1.4; 2Pe 2.4,9,17; 3.7). A ideia é de manter seguro, preso.[7] Paulo nos exorta a fazer todo o esforço possível para conservar, preservar a unidade do Espírito.

Concluindo este tópico, devemos notar que é essa palavra que Paulo associa com o esforço diligente: esforçai-vos diligentemente por conservar, preservar, segurar….O quê? Isso é alvo de nosso próximo tópico.

2) “A Unidade do Espírito” (Ef 4.3)

Conforme vimos, Paulo acrescenta: “Do Espírito”,indicando que a unidade cristã procede, é gerada pelo Espírito.

Jesus Cristo diz ao Pai que transmitiu a sua glória aos seus discípulos para que eles fossem aperfeiçoados(tele/iow)[8] na unidade” (Jo 17.23). Na realidade, para que fossem aperfeiçoados na condição de um, tendo o Pai e Filho como modelo (Jo 17.22). Ele já se referira ao Pai dizendo: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30).  Nesta oração, Jesus Cristo usara este verbo (tele/iow) para descrever a concretização de sua missão (Jo 17.4/Jo 19.28[9]). 

Calvino comenta que “A ajuda mútua que as diferentes partes do corpo oferecem umas às outras, não é considerada pela lei da natureza como um favor, mas, sim, como algo lógico e normal, cuja negativa seria cruel”.[10]

A unidade da Igreja é uma realidade em Cristo. Entretanto, cabe à Igreja preservá-la mediante um comportamento fundamentado nos princípios bíblicos. Jesus Cristo na Oração Sacerdotal ora para que a unidade cristã já existente seja aperfeiçoada (Jo 17.22-23).[11]

Leiamos mais uma vez o que Paulo escreveu aos efésios:Esforçando-vos diligentemente(Spouda/zw)por preservar (thre/w) a unidade do Espírito no vínculo (Su/ndesmoj)da paz”(Ef 4.3). A ideia expressa neste substantivo, Su/ndesmoj,[12] é a de unir, manter as coisas ligadas, ligar, algemar, prender, amarrar, acorrentar.(*At 8.23; Ef 4.3; Cl 2.19; 3.14). “A paz promove a perpetuação da unidade”, comenta Hendriksen.[13] A paz enlaça, envolve a unidade com as cordas do amor. (Veja-se: Cl 3.14).[14]

Não devemos permitir que a “unidade do Espírito” seja abalada em nosso relacionamento. A unidade é obra do Espírito, mas cabe a nós viver a sua plenitude no vínculo da paz (Rm 12.18) e no amor de Cristo (Jo 13.34-35; 15.12,17). Conforme já indicamos, o próprio tempo verbal de “esforçando-vos”, (Spouda/zw) (particípio presente), apresenta o conceito de um esforço contínuo, sem esmorecimento.[15]

Comentando sobre o egoísmo humano que gera divisões na Igreja e, ao mesmo tempo, a falta de tolerância, Calvino escreve, exortando-nos a amar os nossos irmãos:

Há tanta rabugice em quase todos esses indivíduos que, estando em seu poder, de bom grado fariam para si suas próprias igrejas, porquanto se torna difícil acomodarem-se aos modos das demais pessoas. Os ricos invejam uns aos outros, e raramente se encontra um entre cem que acredite que os pobres são também dignos de ser chamados e incluídos entre seus irmãos. A menos que haja similaridade em nossos hábitos, ou alguns atrativos pessoais, ou vantagens que nos unam, será muitíssimo difícil manter uma perene comunhão entre nós. Essa advertência, pois, se torna mais que necessária a todos nós, a fim de sermos encorajados a amar, antes que odiar, e não nos separarmos daqueles a quem Deus nos uniu. Torna-se urgente que abracemos com fraternal benevolência àqueles que nos são ligados por uma fé comum. É indubitável que a nós compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está bem alerta, seja para arrebatar-nos da Igreja, ou para desacostumar-nos dela de maneira furtiva.[16]

Em 19 de agosto de 1561, na Dedicatória de seu comentário do Profeta Daniel, Calvino fala de seu esforço por manter a paz – o que nem sempre tem sido possível – e, ao mesmo tempo, estimula seus irmãos a não ultrapassarem determinados limites. Escreve:

Mais ainda, é vossa incumbência, amados irmãos, tomar prudente cuidado para que a verdadeira religião possa novamente readquirir uma posição sã; isto é, até onde cada um tiver o poder e a vocação. Não é necessário dizer o quanto tenho lutado para remover toda e qualquer ocasião geradora de tumultos até agora. Clamo aos anjos e a vós para testemunhardes diante do supremo juiz que não é de minha responsabilidade que o progresso do reino de Cristo não tenha sido calmo e inofensivo. De fato, julgo ser em decorrência de meu cuidado que pessoas particulares ainda não passaram dos limites.[17]

A unidade da Igreja revela ao mundo o fato de que Deus nos ama como ama a seu Filho unigênito e, que este amor, se revelou de forma insofismável, na vinda do seu Filho amado para morrer pelos pecadores (Jo 3.16/Jo 17.21-23). Desta forma, a Igreja é o testemunho histórico do amor de Deus.

Schaeffer (1912-1984), comentando sobre a nossa responsabilidade, diz:

Não podemos esperar que o mundo creia que o Pai mandou o Filho, que as reivindicações de Jesus sejam verdadeiras, e que o cristianismo seja verdadeiro, a não ser que o mundo veja alguma realidade na unidade de cristãos verdadeiros.[18]

Maringá, 29 de novembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Spouda/zw, que é bem traduzido por “esforçando-vos diligentemente” (ARA), tem a sua ênfase enfraquecida em ACR, ARC e BJ, que o traduzem por “procurando”. Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT (* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o sentido de “correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso, diligente”, “esforço”, “aplicação”. Spouda/zw denota uma diligência que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. Paulo, preso em Roma pede a Timóteo esta urgência em encontrá-lo (2Tm 4.9,21). Depois, em outro contexto, solicita o mesmo a Tito (Tt 3.12). Esta palavra tem também uma implicação ética, visto que está associada, por exemplo, ao esforço que os crentes devem despender em manter a unidade (Ef 4.3), ao zelo em socorrer a outros irmãos (Gl 2.10; 2Co 8.7,8,16) e, em corrigir uma injustiça (2Co 7.11-12). Por sua vez, é recomendado que aquele que lidera (preside), deve fazê-lo com empenho (diligência, zelo) (Rm 12.8). Pedro demonstrou esta mesma diligência em ensinar o Evangelho às Igrejas (2Pe 1.15). Judas revela o mesmo ao escrever a sua epístola (Jd 3).

[2] *Lc 2.16; 19.5,6; At 20.16; 22.18; 2Pe 3.12.

[3]* Mc 6.25; Lc 1.39; Rm 12.8,11; 2Co 7.11,12; 8.7,8,16; Hb 6.11; 2Pe 1.5; Jd 3.

[4]*Lc 7.4; Fp 2.28; 2Tm 1.17; Tt 3.13.

[5]*2Co 8.17,22 (duas vezes).

[6] Markus Barth, Ephesians,Garden City, New York: Doubleday & Company, (The Anchor Bible), 1974, v. 2, p. 428.

[7]Thre/w, além desta tradução tem o sentido de “deter”, “guardar”, “conservar”, “observar”, “reservar”, “proteger”, guardar com um propósito ou por um tempo determinado (At 25.21;1Pe 1.4; 2Pe 2.4,9,17; 3.7). A ideia é de manter seguro, preso. Lucas assim narra o episódio da prisão de Pedro: “Pedro, pois, estava guardado (thre/w) no cárcere; mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor dele.Quando Herodes estava para apresentá-lo, naquela mesma noite, Pedro dormia entre dois soldados, acorrentado com duas cadeias, e sentinelas à porta guardavam (thre/w) o cárcere” (At 12.5-6). Relatando a situação de Paulo e Silas presos, Lucas diz: “E, depois de lhes darem muitos açoites, os lançaram no cárcere, ordenando ao carcereiro que os guardasse(thre/w) com toda a segurança”(At 16.23). Félix, orienta o Centurião no que se refere a Paulo: “E mandou ao centurião que conservasse a Paulo detido (thre/w), tratando-o com indulgência e não impedindo que os seus próprios o servissem” (At 24.23). “Festo, porém, respondeu achar-se Paulo detido (thre/w) em Cesaréia; e que ele mesmo, muito em breve, partiria para lá”(At 25.4). Festo narrando ao rei Agripa o ocorrido com Paulo, diz: “Mas, havendo Paulo apelado para que ficasse em custódia (thre/w) para o julgamento de César, ordenei que o acusado continuasse detido (thre/w) até que eu o enviasse a César” (At 25.21).

[8] A palavra tem o sentido de “cumprir”, “completar” (At 20.24); “terminar” (Lc 2.43; 13.32); “realizar” (Jo 4.34; 5.36), “consumar” (Jo 17.4; 19.28; At 19.28; Tg 2.22), “aperfeiçoar”/”tornar perfeito”/”aperfeiçoado” (2Co 12.9; Hb 2.10; 5.9; 7.19; 9.9; 10.1,14;11.40; 12.23; 1Jo2.5; 4.12,17,18); “perfeito” (Hb 7.28; 1Jo 4.18); “perfeição” (Fp 3.12).

[9]“Depois, vendo Jesus que tudo já estava consumado (tele/w), para se cumprir (tele/iow) a Escritura, disse: Tenho sede” (Jo 19.28).

[10]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã,São Paulo: Novo Século, 2000, p. 39.

[11] “O que Ele pede em oração aqui é que esta união, que já existe, seja guardada, seja continuada e seja preservada por Seu Pai” (D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: v. 4), p. 157).

[12]O verbo sunde/w ocorre uma única vez no NT (Hb 13.3). Ele é constituído de duas palavras su/n, “junto com” e de/w, “amarrar”, “atar”, “prender”, “algemar”, “casar” (Mt 12.29; 16.19; Lc 13.16; Jo 19.40; At 9.2; 21.11,13,33; Rm 7.2; 1Co 7.27, etc.). Do mesmo modo, o substantivo (Su/ndesmoj) é composto de su/n, “junto com” e desmo/j, “prisão”, “cadeia”, “algemas” (Lc 13.16; At 23.29,31; Fp 1.7,13,14,17; 2Tm 2.9, etc.). No texto de Efésios, Paulo já empregara a expressão para si, como “prisioneiro de Cristo Jesus” (Ef 3.1) e “prisioneiro do Senhor” (Ef 4.1). Em ambos os textos, a palavra é de/smioj, expressão muito utilizada por Lucas e pelo próprio Paulo para falar de suas prisões. Ver: At 16.25; 23.18; 25.14; 27; 28.17; 2Tm 1.8; Fm 1,9.

[13]William Hendriksen, Exposição de Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992,(Ef 4.2-3), p. 230.

[14]“Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo (su/ndesmoj) da perfeição(teleio/thj) (Cl 3.14).

[15] Lloyd-Jones interpretando o emprego de Spouda/zw no texto, diz: “Devemos apressar-nos a fazer alguma coisa, a mostrar grande interesse, a expressar solicitude – ‘esforçando-vos para guardar’. Acima de tudo mais, diz o apóstolo, como cristãos nesta vocação para a qual vocês foram chamados, apressem-se a fazer isto, sejam diligentes quanto a isto, nunca o esqueçam, seja esta a coisa principal da sua vida; acima de todas as outras coisas, mostrem grande interesse e solicitude com respeito a unidade que existe entre vocês” (D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, p. 36-37).

[16]João Calvino, Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.25), p. 272-273.

[17]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 26.

[18] F.A. Schaeffer, O Sinal do Cristão,Goiânia, GO.: ABUB; APLIC., 1975, p. 24. Veja-se também, A. Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento,São Paulo: ASTE., 1966, p. 286-287.

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