A Pessoa e Obra do Espírito Santo (301)

2) Positivamente considerando (Continuação)

12) Bom testemunho dos de fora

   “….  é necessário que ele tenha bom testemunho dos de fora (e)/cwqen)….” (1Tm 3.7).

          “De fora” aqui, aplica-se aos que não são da igreja, os incrédulos (e)/cwqen = de fora, exterior).[1] Os líderes da Igreja, em especial numa sociedade pagã, estariam sempre sob os olhares inquisidores e investigativos de seus contemporâneos. Portanto, eles precisavam ter um bom testemunho dentro da Igreja (a eleição por si só já evidenciaria isso) e fora. Ninguém deveria ter do que acusá-los.[2] Deveriam ser homens de caráter. Cornélio é um belo exemplo desse tipo de homem (At 10.22).

          O adjetivo aplicado ao testemunho dos que são de fora a respeito dos presbíteros, “bom” (kalo/j), tinha em alguns círculos  gregos a divinização da expressão. Contudo, o ponto mais saliente era a sua conotação moral, especialmente em Platão e Aristóteles, apresentando a ideia de honradez e dignidade.[3]

É muito curioso que a maioria das qualificações para o presbiterato e para o diaconato seja passível de observação. Esta é uma forma de evidenciar perante a igreja a diferença entre os falsos mestres e os verdadeiros mestres cristãos: o seu comportamento.

          Deste modo, é uma grande ingenuidade imaginar que o que importa é somente a nossa consciência diante de Deus ou, no máximo, diante de nossos irmãos.

          Sabemos que em última instância, ainda que sejamos injustiçados e caluniados, o que prevalece é a nossa convicção de uma boa consciência diante de nosso Deus.[4] Contudo, isso não significa que não devamos ser cautelosos com a aparência no mal.

          Definitivamente, não devemos nos colocar em situações suspeitas simplesmente porque “Deus conhece o nosso coração”. É preciso que mantenhamos diante de Deus e, quando possível, diante dos homens, de fora e de dentro da igreja, uma postura condizente com o que acreditamos.

          Tomando apenas um exemplo, vemos que Paulo quando levou a oferta dos cristãos da Macedônia e da Acaia para os pobres de Jerusalém, ele não o fez sozinho. Observe o cuidado de Paulo ao tratar deste assunto, as suas recomendações e cautela, deixando a cargo da igreja a indicação de pessoas que levariam os donativos, ele mesmo podendo ou não integrar a comitiva, conforme o parecer dos coríntios:

Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia.  2No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for.  3E, quando tiver chegado, enviarei, com cartas, para levarem as vossas dádivas a Jerusalém, aqueles que aprovardes. 4 Se convier que eu também vá, eles irão comigo. (1Co 16.1-4). (Vejam-se também: 2Co 8.16-24/Rm 15.22-33).

          Você teria dúvida quanto à honestidade de Paulo? Eu também não. Contudo, não estou seguro quanto a poder dizer o mesmo a respeito da opinião dos judeus ou da totalidade dos crentes de Corinto. Paulo agiu com sabedoria e prudência. Ele nos instrui: “Pois, o que nos preocupa é procedermos honestamente, não só perante o Senhor, como também diante dos homens” (2Co 8.21).

          Calvino comenta:

A primeira preocupação é sem dúvida a de ser uma boa pessoa, e isto é verificado não só pelos feitos externos, mas também por uma consciência íntegra; porém, a segunda preocupação consiste no fato de que as pessoas no meio das quais você vive devem reconhecer que de fato você é uma boa pessoa. (…) O cristão deve sempre ter o cuidado de viver uma vida que produza a edificação de seu próximo e tomar cuidadosas precauções para que os ministros de Satanás não encontrem desculpas para caluniá-los, trazendo com isso a desonra de Deus e a ofensa dos homens de bem.[5]

          É preciso que entendamos, que a depravação total é uma doutrina da qual não podemos nos esquecer em nossas relações: todos os homens são pecadores. Não devemos dar ocasião à carne. Mesmo o pecado não mais nos dominando, exerce influência que pode se avolumar conforme as nossas concessões.

          Deus deseja ser ouvido por intermédio dos pregadores. Daí a necessidade de fidelidade na transmissão da mensagem e, ao mesmo tempo, uma vida de santidade: o testemunho do mestre é fundamental. Não se pode separar a doutrina, o ensino, de nossa vida pessoal[6]  

          A Palavra deve ser previamente gravada em nossos corações, visto que: “Pode acontecer que o homem desempenhe seus deveres de acordo com suas melhores habilidades, porém, se seu coração não está naquilo que faz, lhe falta muito para chegar à sua meta”.[7] Portanto, precisamos examinar-nos a nós mesmos.

          Aqueles que pregam, instrui Calvino:

Não devem balbuciar com o externo de sua língua, nem fazer comentários ligeiros, nem ainda falar por falar; senão que, de acordo ao que lhe há sido ensinado por Deus isso deveria comunicar aos que estão a seu cargo, isto é o que há sido gravado em seu interior. Se quisermos servir a Deus com pureza em nosso ofício, sobre tudo devemos controlar nossa língua, para que não fale nada senão o que está gravado em nosso coração. (…) Sempre que falamos Deus quer ser ouvido por meio de nós. Posto que nos concedeu uma tão grande honra, ao menos deveríamos ter sua doutrina gravada em nós, e ali deveria lançar raízes, e logo nossa boca deveria testificar de que a conhecemos. (…) Especialmente quando pregamos, que não só lhe preguemos a outros; senão que nos incluamos entre eles. (….) Quando uma pessoa fala a Palavra de Deus sem que ela mesma sinta o seu poder, que outra coisa está fazendo senão mero palavreado? E, que sacrílego é isso! Que corrupção da Palavra de Deus! Deste modo então, pensemos diligentemente em nós mesmos; e, cada vez que formos ao púlpito meditemos bem na lição que aqui se nos dá, ou seja, que a retidão de nosso coração se manifeste em nossa língua.[8]

          Continua:

Aqueles que têm o ofício de pregar a palavra de Deus têm que praticar tanto melhor o que eu disse, ou seja, de ser instruídos eles mesmos antes de expor algo, de maneira que seu coração fale antes de suas bocas. Para fazer isso, peçam a Deus que se digne tocá-los de tal maneira no mais íntimo, que possam ter Sua Palavra bem arraigada na alma, que possam ser capazes de servir a seus semelhantes e perceber que não estão avançando inadvertidamente por eles mesmos, senão que são dirigidos pelo Espírito Santo.[9]

          Comecemos por pregar para nós mesmos. Pregando sobre o Livro de Jó, Calvino disse: “Quando eu subo ao púlpito não é para ensinar os outros somente. Eu não me retiro aparte, visto que eu devo ser um estudante, e a Palavra que procede da minha boca deve servir para mim assim como para você, ou ela será o pior para mim”.[10]

          Como a pregação pertence a Deus, que é o seu autor,[11] deveríamos ter “sido ensinados por Deus antes que possamos ser senhores e mestres”.[12] Somente assim poderemos ser genuínos mestres, já que “Mestre é aquele que forma e instrui a Igreja na Palavra da verdade”, interpreta Calvino.[13] Em outro lugar: “O alvo de um bom mestre deve ser sempre converter os homens do mundo para que voltem seus olhos para o céu”.[14]

          O ministro deve cuidar criteriosamente da doutrina e de sua vida pessoal, instrui Calvino:

Um bom pastor deve ser criterioso acerca de duas coisas: ser diligente em sua doutrinação e conservar sua integridade pessoal. Não basta que ele amolde sua vida de acordo com o que é recomendável e tome cuidado para não dar mau exemplo, se não acrescentar à vida santa uma diligência contínua na doutrinação. E a doutrinação será de pouco valor se não houver uma correspondente retidão e santidade de vida.[15]

          Ao ministro compete não apenas ensinar fielmente, mas, viver de modo digno. Assim sendo, o pastor deve ensinar com fidelidade sendo ele mesmo um exemplo de vida para os fiéis: “A doutrina é a mãe pela qual Deus nos gera”, ensina Calvino.[16] Em outro lugar: “Ela [a doutrina] só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor”.[17]

          Deste modo, cabe ao Ministro, aprender na “Escola de Deus” esta lição de vida: A Palavra foi-nos concedida para que pratiquemos os mandamentos de Deus: as especulações para nada servem:

Não há na escola de Deus lição que deva ser mais prudentemente aprendida do que o estudo de uma vida santa e perfeita. Em suma, a instrução moral é muito mais importante do que as especulações ingênuas, as quais são de nenhum uso óbvio ou prático, à luz do texto: “Toda Escritura é inspirada por Deus é útil…. a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” [2Tm 3.16-17].[18]

Maringá, 19 de setembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]*Mt 23.25,27; 23.28; Mc 7.15,18; Lc 11.39,40; 2Co 7.5; 1Tm 3.7; 1Pe 3.3; Ap 11.2 (2 vezes); 14.20.

[2] Ver: Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 46-47.

[3]Cf. W. Grundmann, Kalo/j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 3, p. 536-543 (especialmente).

[4] “A má consciência [é] a mãe de todas as heresias” (João Calvino. As Pastorais, (1Tm 1.19), p. 50).

[5]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.21), p. 181,182.

[6]Vejam-se: João Calvino, As Pastorais, (Tt 2.7), p. 331;  D. Martyn Lloyd-Jones, Romanos: Exposição sobre Capítulo 12 – O comportamento cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,  2003, p. 19-21.

[7]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 39.

[8]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 205-206.

[9]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 208.

[10]Sermão 95 Apud Bernard Cottret, Calvin: A Biography, Michigan; Cambridge, U.K.; Edinburgh: Eerdmans; T& T. Clark, 2000, p. 294. João Calvino, Sermon Job 26.1-7 (Sermão 95): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 34), p. 417ss.

[11] “Deus, o autor da pregação!” (João Calvino, As Institutas, IV.1.6).

[12]Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 206.

[13] João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.7), p. 432.

[14] João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.2), p. 301.

[15] João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.16), p. 125.

[16]João Calvino, Gálatas,(Gl 4.24), p. 141.

[17]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164-165.

[18]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.7), p. 136.

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