A Pessoa e Obra do Espírito Santo (24)

 6.1.4. O Espírito, a iluminação e o testemunho (Continuação)

A Palavra é escola da Trindade. A Trindade esteve totalmente comprometida com a Revelação, o registro e a preservação da Palavra. Esse mesmo Deus Triúno, nos ilumina na compreensão da Palavra, acompanha na sua transmissão e abre o coração do seu povo para que possa entendê-la espiritualmente.

Portanto, sem a aplicação da mensagem do Evangelho em nosso coração, a pregação não obterá nenhum efeito salvador. Contudo, o propiciar as condições para que ouçamos o Evangelho, já é por si só, uma ação do Espírito. A didática de Deus é completa e perfeita:

O ensino externo será infrutífero e inútil se não for acompanhado pelo ensino do Espírito Santo. Portanto, Deus tem dois métodos de ensino: primeiro, ele nos faz ouvi-lo pelos lábios humanos; e, segundo, ele nos fala intimamente por seu Espírito; e ele faz isso ou no mesmo instante, ou em momentos distintos, conforme achar oportuno.[1]

Desse modo, continua o reformador: “Nossa oração a Deus deve ser no sentido de desimpedir nossa vista e nos capacitar para a meditação sobre suas obras”.[2]

Assim sendo, “Se porventura desejamos lograr algum progresso na escola do Senhor, devemos antes renunciar nosso próprio entendimento e nossa própria vontade”.[3] 

            A Reforma teve como uma de suas características principais, a ênfase na pregação da Palavra.[4] “A Reforma foi antes de tudo uma proclamação positiva do evangelho Cristão”, resume Leith (1919-2002).[5]

             A Reforma onde quer que chegasse, se preocupava em colocar a Bíblia na língua do povo – e neste particular a tipografia foi fundamental para a Reforma –, a fim de que todos tivessem acesso à sua leitura – sendo o “reavivamento” da pregação da Palavra um dos marcos fundamentais da Reforma. “A divulgação da Bíblia na língua vernácula dos povos foi o centro do movimento em todos os países da Europa”, escreve Schalkwijk.[6] Ela foi caracterizada pela “emergência de uma nova pregação”, interpreta Marc Lienhard.[7]

            George sumaria:

Os reformadores queriam que a Bíblia lançasse raízes profundas na vida das pessoas que foram chamadas para servir. A Palavra de Deus não devia ser apenas lida, estudada, traduzida, memorizada e usada para meditação; ela também devia ser incorporada à vida e à adoração na igreja. A concretização da Bíblia foi muito claramente expressa no ministério de pregação, que recebeu nova preeminência na adoração e na teologia das tradições da Reforma.[8]

            Os Reformadores criam que se as Escrituras estivessem numa língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus e, todos os crentes teriam acesso à presença de Deus. Portanto, “para eles, as Escrituras eram mais uma revelação pessoal que dogmática”, argumenta Lindsay (1843-1914).[9]

            Calvino, por exemplo, entendia que as Escrituras eram tão superiores aos outros escritos que, “Logo, se lhes volvemos olhos puros e sentidos íntegros, de pronto se nos antolhará a majestade de Deus, que, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, nos compele a obedecer-lhe.”[10] Contudo, os reformadores esbarraram num problema estrutural: o analfabetismo generalizado entre as massas. A leitura era um privilégio de poucos; de livros, então, restringia-se a médicos, nobres, ricos comerciantes e integrantes do clero. Mas, o tratamento dessa questão ultrapassa os objetivos dessas anotações.[11]

    Maringá, 18 de outubro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109.

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 3, (Sl 92.6), p. 465.

[3]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.3), p. 100.

[4] Veja-se: John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã,São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 125; Roland H. Bainton, Martin Lutero,3. ed. México: Ediciones CUPSA., 1989, p. 391. Podemos dizer que na Reforma houve uma revitalização da Pregação Bíblica. A Palavra de Deus passou a ser pregada com ênfase e, a pregação a ser estudada, considerando-se a sua natureza e propósito. No período da Renascença e da Reforma houve diversas contribuições neste campo (Para uma amostragem destas, Veja-se: Vernon L. Stanfield, The History of Homiletics: In: Ralph G. Turnbull, ed. Baker’s Dictionary of Practical Theology, 7. ed. Michigan: Baker Book House, 1970, p. 52-53).

            Vejam-se: Segunda Confissão Helvética (1566), Capítulo I, Confissão Escocesa (1560), Capítulo XIX; Confissão Belga (1561), Artigo 5; Confissão de Westminster (1647), Capítulo I).

[5] John H. Leith,A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã,São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 36.

[6] Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654), Recife, PE: Fundarte, (Coleção Pernambucana, 2. Fase, v. 25), 1986, p. 22,23. Ver também, p. 227,228.

[7]Marc Lienhard, Martin Lutero: tempo, vida e mensagem, São Leopoldo, RS.: Editora Sinodal, 1998, p. 97.

[8]Timothy George, Lendo as Escrituras com os reformadores: como a Bíblia assumiu o papel central na Reforma religiosa do século XVI, São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p.181.

[9] T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, Barcelona: CLIE., (1985), p. 475.

[10] João Calvino, As Institutas, I.7.4.

[11] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Raízes da Teologia Contemporânea, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.

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