A Pessoa e Obra do Espírito Santo (222)

6. O Espírito como Mestre da Oração (Continuação)

A oração é uma das maiores bênçãos que Deus concedeu ao seu povo. Deus propicia-nos condições para falar com Ele. Ensina-nos a fazê-lo de modo correto – quanto à forma e à essência – e, assiste-nos com o seu Santo Espírito que habita em nós, os crentes em Cristo.

          Todavia, a nossa prática equivocada e desleixada da oração pode, de modo lamentável, tornar-se uma prática rotineira, mecânica, sem maior significado qualitativo para a nossa existência.

Assim procedendo, negamos a importância da oração em nossa suposta prática devocional. Isso, até que tomemos consciência da nossa situação e precisemos clamar das “profundezas” a Deus (Sl 130.1).[1] Esta situação não foi estranha a diversos personagens bíblicos.

          Josafá, perseguido de forma implacável pelas lanças sírias, registra o Cronista: “Josafá, porém, gritou e o Senhor o socorreu; Deus os desviou dele” (2Cr 18.31).

          Jonas, antes disposto a fugir da presença de Deus (Jn 1.3), agora, no ventre do grande peixe,  ora: “Na minha angústia, clamei ao SENHOR, e ele me respondeu; do ventre do abismo, gritei, e tu me ouviste a voz. (…) Quando, dentro de mim, desfalecia a minha alma, eu me lembrei do SENHOR; e subiu a ti a minha oração” (Jn 2.2,7).

          Habacuque, num primeiro momento, sem entender o porquê de Deus permitir a maldade dos judeus sem aparentemente puni-los e, posteriormente, Deus punindo o seu povo por meio dos ímpios Caldeus, encontra as suas profundezas na torre, e diz:“Por-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa (tx;k;AT)(tôkêchâh)[2](Hc 2.1).

Kuyper escreveu com sensibilidade:

Quando a alma está perfeitamente tranquila, a mera meditação mental pode ser muito doce e abençoada, mas, tão logo as águas da alma se encrespam, em ondas mais agitadas, nós nos sentimos irresistivelmente constrangidos a verbalizar  o oração emitindo palavras, e, embora na solidão do aposento, mesmo assim a oração silenciosa torna uma invocação audível, e algumas vezes alta, das misericórdias de nosso Deus.[3]

 Graças a Deus porque todos nós, em Cristo, temos o Espírito de oração (Zc 12.10),[4] porque sem ele jamais poderíamos orar de modo aceitável ao Pai. “A própria oração é uma forma de adoração”, instrui  Sproul (1939-2017).[5]

Por outro lado, o auxílio do Espírito não deve servir de pretexto para a nossa indolência e irresponsabilidade espiritual. Interpreta Calvino:

 Aqui não se diz que, lançando o ofício da oração sobre o Espírito de Deus, podemos adormecer negligentes ou displicentes, como alguns se acostumaram a blasfemar, dizendo: devemos ficar à espera, sem nenhuma preocupação, até que o Espírito chame a atenção da nossa mente, até então ocupada e distraída com outras coisas. Muito ao contrário, aqui somos induzidos a desejar e a implorar tal auxílio, com aversão e desgosto por nossa preguiça e displicência.[6]
Quando nos sentirmos frios, e indispostos para orar, supliquemos logo ao Senhor que nos inflame com o fogo de seu Espírito, pelo qual sejamos dispostos e suficientes para orar como convém.[7]

A Trindade e a oração    

          Aqui, portanto, entramos em um terreno maravilhoso, surpreendente e altamente abençoador.  Paulo relaciona a Trindade bendita com nossas orações (Ef 1.13-23).  Ainda que nem sempre em nossas orações pensemos nisso e, por vezes, somos equivocadamente tentados a exclusivisar uma das pessoas da Trindade, vemos, no entanto, na oração de Paulo a presença não meramente figurativa, antes, real e abençoadora da Santíssima Trindade.

A Trindade faz parte essencial de nossa fé.[8] A doutrina da trindade está estreitamente relacionada à nossa salvação. Encontramos a paz para o nosso coração inquieto na graça que procede do Deus Triúno.[9]

Paulo reconhece esse fato. Deus deseja que partilhemos da intimidade da relação da Trindade, nos dirigindo ao Pai, pela mediação do Filho sob a direção iluminadora do Espírito.[10] Lembremo-nos de que Trindade é habitualmente o nome cristão para Deus, fazendo, portanto, parte do cerne de nossa fé.

Curiosamente, foi a busca da Igreja pela compreensão do mistério do Cristo encarnado que a fez desenvolver e precisar o conceito de Trindade.[11] E a igreja estava certa. O que Deus revelou é para nós e para os nossos filhos para que o adoremos em obediência (Dt 29.29).

Por sua vez, sabemos que a Trindade nos deu a Trindade. Sem a ação trinitária, jamais conheceríamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. É por Eles que conhecemos o Deus Triúno e nos relacionamos com Ele em santa adoração.

          O Espírito é quem nos ensina a orar como convém; ou seja: orar segundo a vontade de Deus. A oração é educativa, pois nos desafia a confiar nas promessas de Deus registradas na sua Palavra e, assim, na medida em que confiamos, podemos amadurecer a nossa fé por meio do aprendizado experiencial de que Deus cumpre fielmente as suas promessas. “Com a oração encontramos e desenterramos os tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo Evangelho”, observou Calvino.[12] Portanto, este tesouro não pode ser negligenciado como se “enterrado e oculto no solo!”.[13] Admite: “Agora, quanto é necessário, e de quantas maneiras o exercício da oração é útil para nós, não se pode explicar satisfatoriamente com palavras”.[14]

Maringá, 25 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Das profundezas clamo a ti, SENHOR” (Sl 130.1).

[2]Esta palavra que corre 28 vezes no Antigo Testamento, é empregada especialmente no livro de Provérbios, com o sentido de: Repreensão (Pv 1.23,25, 30; 3.11; 6.23; 10.17; 12.1; 13.18; 15.5, 10,31,32; 27.5; 29.1; Ez 25.17); Defesa (Jó 13.6); Disciplina (2Rs 19.3; Pv 5.12); Argumento (Jó 23.4); Réplica (Sl 18.14); Castigo (Sl 39.11; 73.14; 149.7; Is 37.3; Ez 5.15; Os 5.9).

            A oração do profeta é um protesto, um arrazoado sincero e audacioso de um homem que quer, mas não consegue compreender o modo de Deus agir, daí a sua queixa, a sua réplica, o seu argumento contra o desígnio de Deus.

            Calvino comenta: “Não é de se estranhar se os fiéis, mesmo em oração, nutram em seus corações divergências e emoções conflitantes. O Espírito Santo, porém, que os habita, amenizando a violência de sua dor, pacifica todas as suas queixas e os conduz paciente e cordialmente à obediência” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, v. 2, (Sl 44.2), p. 282).

[3]Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 623.

[4]“E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas….” (Zc 12.10).

[5] R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 187.

[6]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 95.

[7]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 245. In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962.

[8] “A Trindade é a língua na qual a verdade cristã é falada. Ela dá forma à verdade. A Trindade não é periférica, quanto menos é opcional. Ela está no maravilhoso e grandioso cerne de nossa fé” (Tim Chester, Conhecendo o Deus Trino: porque Pai, Filho e Espírito Santo são boas novas, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2016, p. 18).

[9]Veja-se: B.B. Warfield, The Biblical Doctrine of the Trinity: In: B.B. Warfield, The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 2000 (Reprinted), v. 1, p. 168.

[10]“O propósito original de Deus foi que o ser humano partilhasse a intimidade familiar jubilosa da Trindade” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 125).

[11]Pelikan (1923-2006) chega a dizer que “o dogma da Trindade foi desenvolvido como a resposta da igreja à questão sobre a identidade de Jesus Cristo” (Jaroslav Pelikan, A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina: O surgimento da tradição católica 100-600, v.1, São Paulo: Shedd Publicações, 2014, p. 235). Novamente: “O auge do desenvolvimento doutrinal da igreja primitiva foi o dogma da Trindade” (Jaroslav Pelikan, A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina: O surgimento da tradição católica 100-600, v.1, p. 185). “É verdade que as controvérsias cristológicas que remontam ao ano 360 não são no fundo mais do que uma consequência lógica das discussões sobre a fé trinitária” (B. Stüder, Trindade: In: Ângelo Di Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002, p. 1389). “É possível argumentar que a doutrina da Trindade se encontra intimamente associada ao desenvolvimento da doutrina sobre a divindade de Cristo. Quanto mais a igreja insistia no fato de Cristo ser Deus, mas era pressionada a esclarecer a forma como Cristo se relacionava com Deus” (Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005,p. 378). No final do segundo século, Irineu (c. 130-200 AD) testemunha que a Igreja de Deus, espalhada por toda face da terra, declarava a sua fé trinitária – conforme recebera dos discípulos – a saber: “a fé em um só Deus, Pai onipotente, que fez o céu e a terra, o mar e tudo quanto nele existe; em um só Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nossa salvação; e no Espírito Santo que, pelos profetas, anunciou a economia de Deus” (Irineu, Irineu de Lião,São Paulo: Paulus, 1985, I.10.1. p. 61-62). Ainda segundo ele, esta pregação era comum na Igreja “Unanimemente as prega, ensina e entrega, como se possuísse uma só boca” (Irineu, Irineu de Lião,I.10.2. p. 62).

[12]João Calvino, As Institutas,III.20.2.

[13]João Calvino, As Institutas,III.20.1.

[14]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 92.

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