A Pessoa e Obra do Espírito Santo (133)

6.2.3.7. É perfeitamente justa

 Na manifestação da justiça de Deus vemos a sua gloriosa misericórdia, que provê a salvação do seu povo, enviando o seu Filho para morrer pelos nossos pecados, tornando-se o justo e o justificador dos que nele creem.

    “Embora a razão carnal nos sugira que o mundo se move ao acaso e seja dirigido a esmo, contudo devemos considerar que o infinito poder de Deus é sempre associado à perfeita justiça”, instrui-nos Calvino.[1]

Visto que o pecado é voluntário e universal, Deus continuaria sendo perfeito em sua justiça – como de fato é –, se não salvasse a ninguém. A morte é o justo salário do pecado. (Mt 20.14,15; Rm 6.23; 9.14,15). “Se todos recebessem a punição, a punição não seria injusta”, conclui Agostinho (354-430).[2]

Deus não devia misericórdia a ninguém. Misericórdia merecida seria uma contradição de conceitos.[3] Ele não é obrigado a ser misericordioso: Deus olha para a nossa miséria e nos ajuda, porque assim decidiu fazer. Os salvos não se constituem em vasos de merecimentos resultantes de sua suposta fé ou boas obras, antes, em vasos de misericórdia (Rm 9.23).[4]

A sua misericórdia também é soberanamente livre. Da mesma forma, a nossa eleição e consequente salvação é resultado do amor misericordioso de Deus, o qual não pode ser reivindicado, visto não termos direito a nada. O que todos poderíamos reivindicar é a morte. Afinal, trabalhamos contínua e intensamente para isso.

“Não devemos ignorar a antítese entre o nome de Deus e os méritos dos homens, visto que Deus, levando em conta sua própria glória, não pode achar em nós nenhuma causa pela qual ele fosse movido a salvar-nos”, insiste Calvino.[5]

    Berkhof (1873-1957), argumenta:

Se Deus devesse perdão ao pecado e a vida eterna a todos os homens, seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina. De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem direito de pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como também devemos admitir que Ele seria perfeitamente justo, se não salvasse ninguém, Mt 24.14.15; Rm 9.14.15.[6]               

    Por outro lado, podemos dizer que a eleição é superjusta, visto que ela vai além da justiça humana. Todos merecíamos a morte por causa de nossos pecados (Rm 3.23; 6.23). Quando Paulo se refere ao nosso modo de vida antes da regeneração, ele sempre é caracterizado pela injustiça (Tt 3.5). Portanto, a condenação seria justa, como de fato é para aqueles que se perdem. Porém, Deus, por sua misericórdia, salvou quem Ele determinou salvar. Isto é mais do que justiça.[7]

A graça reina pela justiça. A misericórdia de Deus não se digladia com a sua justiça. Deus é perfeito em tudo.[8] Deus é o Deus da paz, havendo nele sempre a harmonia de todas as suas perfeições revestida pela sua santidade.

Na misericórdia vemos estampada a sua justiça. Deus não se esquece de sua justiça como se fosse uma “perfeição imperfeita” do seu caráter, antes, Ele a cumpre, pagando o preço de nossos pecados em amor e misericórdia, nos imputando a justiça obtida por Cristo.

Calvino coloca esta verdade em termos belos: “Deus se paga a Si mesmo por Sua misericórdia manifestada em Seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo, que uma vez por todas se ofereceu ao Pai para ser Ele próprio a satisfação que Lhe deveríamos prestar”.[9]

    A justiça de Deus está relacionada de forma essencial com Sua aliança estabelecida com o Seu povo, por meio da qual Ele promete salvar a todos aqueles que recebem pela fé a Jesus Cristo, tornando-se participante dos Seus merecimentos obtidos para o Seu povo. Deste modo, em Cristo nós temos o “Justo” e o justificador: A graça e a justiça (Rm 3.26). “Uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível”, conclui Murray (1898-1975).[10]

    Hodge (1823-1886), considerando a situação dos “réprobos”, faz uma distinção ente o aspecto “negativo” e “positivo” da reprovação:

Em seu aspecto negativo a reprovação é simplesmente a não eleição, e é absolutamente soberana, fundada unicamente no beneplácito de Deus, que deseja eleger uns porque assim o quer e não porque sejam menos dignos. Positivamente, a reprovação não é soberana senão judicial, porque Deus há determinado tratar aos réprobos precisamente conforme os seus méritos e à vista de sua absoluta justiça.[11]

    A nossa salvação repousa na perfeição dos atributos de Deus, revelados para nós, de forma mais específica, em justiça e amor. Louvemos a Deus por isso.

Maringá,14 de março de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[2]S. Agostinho, A Graça (I), 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999,p. 115.

[3] “A misericórdia não é um direito ao qual o homem faz jus. A misericórdia é aquele atributo adorável de Deus, pelo qual tem dó dos miseráveis e os alivia” (A.W. Pink, Deus é Soberano,Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 23). “É em razão de ser misericordioso que Deus primeiro nos recebe em sua graça, e então prossegue nos amando” (João Calvino, As Pastorais,(1Tm 1.2), p. 27).

[4] Veja-se: S. Agostinho, A Graça (I), 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999,p. 115-116.

[5] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 106.8), p. 674.

[6] L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 116.

[7]Veja-se: Cânones de Dort,I.1.

[8] “A justiça de Deus nunca está separada de sua retidão. (…) Sua justiça é perfeita” (R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 121).

[9]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 129. “Imaginamos que Deus nos é favorável porque nos tem considerado dignos de seu respeito. A Escritura, porém, por toda parte enaltece sua misericórdia, que pura e simplesmente abole todo e qualquer mérito” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.16),  p. 131).

[10]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,p. 19.

[11] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 67.

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