A Pessoa e Obra do Espírito Santo (134)

7. A eleição eterna e sua concretização histórica

A nossa eleição realizada na eternidade encontra o seu clímax histórico na consumação da obra de Cristo na cruz e ressurreição.

    Cristo é o fundamento de nossa eleição. Como já dissemos, Deus determina os fins e os meios. O Deus que elege, atrai o seu povo para si, capacitando-o a responder com fé. É justamente isto que vamos estudar de forma resumida à luz do capítulo primeiro de Efésios: como a bendita eleição, que ocorreu na eternidade, se concretiza no tempo.

Uma questão sobre a qual gostaria de refletir preliminarmente é:

Como determinar o valor de um objeto?
Em circunstâncias diferentes ele teria o mesmo valor?
Quanto estaríamos dispostos a pagar por uma informação?
Por uma ajuda na estrada deserta com o nosso carro em pane?
Para aquisição de um livro raro?
Para ficarmos livres de um mal-estar que prejudica toda a nossa disposição e trabalho?

    Notemos que todas estas perguntas teriam respostas variadas dependendo de outros fatores, inclusive de nossos recursos e o grau de interesse que tivéssemos para resolver a questão. E mais: Dependeria das nossas condições durante a enquete. Estaríamos vivenciando o problema ou simplesmente especulando sobre isso em uma sala de aula climatizada, sentados em cadeiras confortáveis?

    Acredito que de forma análoga, gradativamente vai ficando mais claro para nós o porquê de Paulo nos estimular a bendizer a Deus (Ef 1.3). Ele passa a considerar os aspectos históricos relativos ao ato eterno de Deus em nos escolher. Ele começa a falar do preço que foi pago por esta redenção.

    7.1. Redenção e remissão dos pecados  

                    “No qual (Jesus) temos a redenção (a)polu/trwsij) pelo seu sangue, a remissão (a)/fesij)[1]dos pecados segundo a riqueza da sua graça”(Ef 1.7).

  7.1.1. A nossa antiga condição

Minha condição tão triste
Conheceu o Salvador,
Que do céu desceu à terra
Para ser meu Redentor!
Oh! sublime! oh! sublime!
É seu grande e santo amor!
H.M. Wright (1849-1931).[2]

Aqui temos de forma sumária a descrição de nossa antiga condição. Estávamos presos, dominados, escravizados. A Escritura nos fala que o pecado, comum a todos nós (Rm 3.23), nos fez cativos (Jo 8.34; Rm 6.20; 7.23[3]), habitando em nós (Rm 7.17,20),[4] mantendo-nos sob o seu domínio.

    As palavras redenção e remissão retratam esta situação. A))polu/trwsij[5] significa “libertação”, “resgate”, “soltura”, “livramento”, “comprar de volta”. A ideia da palavra é de um livramento mediante o pagamento de determinado preço. Ela ocorre 10 vezes no Novo Testamento.[6]

    O verbo A)polu/w,que ocorre 68 vezes no NT., pode ser traduzido por “libertar” (de doenças, um prisioneiro), “perdoar”, “livrar” e “despachar” (uma assembleia, turbas, indivíduos)(Mt 5.31,32; 14.15;15.23; 27.15,17,21,26; At 19.40; 28.18,25; Hb 13.23). Em Lc 6.37 tem o sentido claro de perdoar. Como vimos, o fundamento de nossa eleição e, portanto, de nossa redenção, é o sacrifício de Cristo: “pelo seu sangue”(Ef 1.7; Ap 1.5).[7]

    Spurgeon escreve sobre isso, realçando a essencialidade da mensagem da cruz para a igreja de Cristo:

A redenção é por demais doce para ser esquecida ou deixada de lado. Ela é muito importante para ser tornada vil ou abusada. Se a velha fé do sacrifício redentor pode ser deixada de lado, nós não estamos resistindo, nós não somos verdadeiros para com as nossas convicções acerca do sacrifício do Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isto, somos verdadeiros pois, Deus não fará nada através daqueles que forem falsos para com a cruz.[8]

    Jesus Cristo quando inicia o seu Ministério terreno, lê a profecia de Isaías aplicando-a a si, retratando a sua missão: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação (a)/fesij) aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade (a)/fesij) os oprimidos” (Lc 4.18).

    Deste modo, vemos que o nosso suposto valor não está em nós, antes, é-nos conferido pelo Deus que nos ama em Cristo. Não há nada intrinsecamente em nós que nos torne merecedores do amor de Deus, antes, Deus nos amou porque este foi o seu prazer que se manifestou em sua determinação e graça. Portanto, acredito ser correta a advertência de Lewis (1898-1963):

O valor infinito de cada alma humana não é doutrina cristã. Deus não morreu pelos homens por algum valor que neles houvesse. O valor de cada alma humana, considerada por si, independentemente de Deus, é zero. Como escreve Paulo, morrer por homens bons seria um ato puramente heroico, não divino; mas Deus morreu por homens pecadores Ele amou-nos, não porque éramos dignos do seu amor, mas porque Ele é amor. Pode ser que ele ame a todos igualmente – com certeza, ele amou a todos até a morte – e eu não sei direito o significado da expressão: Se existe igualdade, está no seu amor, não em nós.[1]

Maringá, 16 de março de 2021.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]O substantivo a/)fesij, significa “desobrigação”, “perdão”, “libertação”, “cancelamento”; “livrar do cativeiro”(Mt 26.28; Mc 1.4; Lc 4.18; At 2.38; Ef 1.7; Cl 1.14; Hb 9.22).

[2] Segunda estrofe do Hino “Louvores a Cristo”, nº 100, do hinário Novo Cântico. Composição (1890) do missionário anglicano português, de ascendência inglesa,  Henry M. Wright (1849-1931), que “na juventude associou-se a um grupo batista independente” (https://www.hinologia.org/henry-maxwell-wright/).

[3] “….Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). “Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos em relação à justiça” (Rm 6.20). “Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23).

[4] “Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita (oi)ke/w) em mim. (…) Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita (oi)ke/w) em mim” (Rm 7.17,20).

[5] À)po = “de”, “a partir de” & lutro/w = “libertar”, “redimir”, “resgatar”.

[6] A))polu/trwsij: *Lc 21.28; Rm 3.24; 8.23; 1Co 1.30; Ef 1.7,14; 4.30; Cl 1.14; Hb 9.15; 11.35.

[7] “E da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama (a)gapa/w), e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados” (Ap 1.5).

[8]C.H. Spurgeon, Batalha Espiritual, Paracatú, MG.: Sirgisberto Queiroga da Costa, editor., 1992, p. 58.

[9]C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 44.

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