A Pessoa e Obra do Espírito Santo (144)

Um estudo de caso: A Academia de Genebra: missão como vocação (Continuação)

A despeito de intensas perseguições na França e a possibilidade bastante concreta da morte em seu campo e trabalho, o número de missionários voluntários não diminuía.

    Muitos dos alunos de Genebra quando voltavam para seus países, com o coração em chamas, levavam consigo a Palavra, esforçando-se por difundir o Evangelho consistentemente visto em Genebra.

    A perseguição e o martírio faziam parte involuntários deste nobre ideário. Contudo, vezes sem conta, este era o preço. Lawson diz que devido a isso, a Academia de Genebra ficou conhecida como a “Escola da Morte, de Calvino”.[1]

    Assim, o trabalho se desenvolveu rapidamente. Em 1555 havia 5 igrejas reformadas em território francês. Calcula-se que até o ano de 1562, ano do início da guerra civil na França, mais de 1 milhão de franceses tinham se convertido ao Protestantismo. Sugere-se que na época.  a França com uma população de 20 milhões de habitantes, tivesse cerca de 3 milhões de Huguenotes (Calvinistas) e, talvez, em dados otimistas, 2.150 igrejas. Em dados mais pessimistas, pelo menos 1.250 igrejas.[2]

    Algumas dessas congregações se tornaram muito grandes. Pierre Viret (1511-1571), grande amigo de Calvino, mesmo sendo de origem suíça, pastoreou uma igreja de oito mil membros comungantes de Nîmes.[3]

    Genebra se tornou um grande centro missionário, irradiando pelo mundo a sua teologia e o seu ardor evangélico.[4] Temos aqui um avivamento teológico e missional. Vemos em poucos anos a concretização de um grande projeto desenvolvido entre tantos percalços e desafios. Sem dúvida, muitas vidas foram ceifadas. Mas, o sangue derramado desses mártires de alguma forma passava a correr nas veias de outros e outros irmãos. Afinal, escreve Calvino: “aqueles que desejam evitar perseguições devem renunciar a Cristo”.[5]

    Parece-me que, o fervor de uma mente e coração dominados pela Palavra superam em muito as carências e, são mais eficazes do que planejamentos simplesmente cartoriais. No entanto, um planejamento com o mesmo espírito de doação, é maravilhoso. Deus usa os seus servos e prover-lhes os recursos. A direção do Espírito, sem dúvida, é o fundamental!

    O fato é que, em projeções bastante modestas, em 1567, Genebra já tinha enviado mais de 120 missionários para França que atuavam de forma “clandestina” por causa das perseguições.[6] 

    Considerando a ação de Satanás em exterminar a doutrina da salvação e o nome de Cristo, escreve Calvino a um cristão da  ilha Jersey (c. 1553), localizada no Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França:

Louvamos a Deus por ter inclinado seu coração a tentar, se for possível erigir, por seus próprios meios, uma pequena igreja no lugar onde você reside. E, na verdade, na medida em que os agentes do Diabo lutam com todo tipo de violência para abolir a verdadeira religião, extinguir a doutrina da salvação e apagar o nome de Jesus Cristo, é justíssimo que labutemos de nosso lado para promover o progresso do Evangelho, para que, desta maneira, Deus possa ser servido em pureza, e que as pobres ovelhas que vagueiam possam ser colocas debaixo da proteção de nosso soberano Pastor a quem todos deveriam se sujeitar. E você sabe que é um sacrifício agradável a Deus favorecer a propagação do Evangelho pelo qual somos iluminados no caminho da salvação, e dedicar nossa vida para honrar aquele que nos resgatou a um preço tão alto a fim de governar em nosso meio.[7]

    Calvino acredita fortemente que o método de Deus é conduzir seu povo, alcançado pelo poder do Evangelho, é sentir arder em seu coração o desejo de levar esta mensagem de salvação a outros:

Isto nos indica também o método ordinário de congregar uma igreja, isto é, pela voz externa dos homens; pois ainda que Deus conduza a si cada pessoa por uma influência secreta, contudo Ele emprega a agência dos homens a fim de despertar neles uma ansiedade pela salvação dos demais. Por este método, Ele fortalece também sua mútua adesão, e põe em prova sua diligência em receber instrução, quando cada um permite ser ensinado por outros.[8]

    A proclamação do Evangelho objetiva glorificar a Deus. Explica Calvino: “O nome de Deus nunca é melhor celebrado do que quando a verdadeira religião é extensamente propagada e quando a Igreja cresce, a qual por essa conta é chamada ‘plantações do Senhor, para que Ele seja glorificado’ [Is 61.3]”.[9]

    Por isso,

É nosso dever proclamar a bondade de Deus a cada nação. Enquanto exortamos e encorajamos outros, ao mesmo tempo não devemos ficar sentados no ócio, mas é próprio que sejamos exemplos diante de outros; pois nada pode ser mais absurdo do que ver homens preguiçosos e ociosos, os quais deveriam estar incitando outros homens ao louvor de Deus.[10]

    A convicção de Calvino transpira na Academia em seu vigor missionário. Considerando que o reino de Deus envolve todos os povos – Jesus Cristo não foi enviado apenas aos judeus[11] –, a mensagem do Evangelho deve ser anunciada a todos.

Maringá, 28 de março de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Steven J. Lawson, A Arte Expositiva de João Calvino,  São José dos Campos, SP.: Fiel,  © 2008, 2010, p. 26.

[2]Sobre essa temática,  Vejam-se: Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 221-222; Scott J. Simmons, João Calvino e Missões: Um Estudo Histórico (http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/calvino_missoes_scott.htm).(Consultado em 27.03.2021); Joel Beeke, Calvino e a Evangelização: In: Joel R. Beeke, org.,  Vivendo para Glória de Deus: uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, 2012, [293-306], p. 302; Thomas Schirrmacher (Ed.) Calvin and World Mission (http://www.worldevangelicals.org/resources/rfiles/res3_388_link_1338069512.pdf) (Consulta feita em 28.03.2021). Medeiros fornece-nos documentos importantes. (Veja-se: Elias Medeiros, O compromisso dos reformadores calvinistas com a propagação do evangelho a todas as nações. (https://www.martureo.com.br/wp-content/uploads/2017/10/o-compromisso-dos-reformadores_elias-medeiros.pdf) (Consultado em 26.03.2021); Michael A.G. Haykin, Calvino e o esforço missionário da Igreja. In: Joel R. Beeke, org., Calvino para hoje, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 179-189].  A grande obra de referência quanto a essas questões é: R.M. Kingdon, Geneva and the Coming of the Wars of Religion in France (1555-1563), Genève: Librairie E. Droz,  © 1956, 2007. (Estou aguardando para daqui umas duas semanas, a chegada pelos correios do meu exemplar).

[3] Joel Beeke, Calvino e a Evangelização: In: Joel R. Beeke, org.,  Vivendo para Glória de Deus: uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, 2012, [293-306], p. 302.

[4]Veja-se: Philip E. Hughes, John Calvin: Director of Missions: In: John H. Bratt., org.  The Heritage of John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1973, p. 44-45.

[5]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 257. “Tão pronto um crente mostre sinais de zelo por Deus, a ira de todos os ímpios se acende e, mesmo que não tenham suas espadas desembainhadas, arrojam seu veneno, ou criticando, ou caluniando, ou provocando distúrbio de um ou de outro modo. Portanto, ainda que não sofram os mesmos ataques e não se envolvam nas mesmas batalhas, eles têm uma só guerra em comum e jamais viverão totalmente em paz nem isentos de perseguições” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 258).

[6] Cf. Carl Lindberg,  As Reformas na Europa,  São Leopoldo, RS.: Sinodal, 2001, p. 337.

[7] Carta de Calvino ao Lord de Jersey (1553?). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 5 (Letters, Part 2), 1983, p. 453.

[8] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 2.3), p. 94.  “Se tivermos alguma humanidade em nós, vendo os homens caminhando para a perdição, (…) não deveríamos ser movidos pela piedade, a resgatar as almas perdidas do inferno, e esiná-las o caminho da salvação?”  (Calvino, Sermão sobre Dt 33.18-19. In: Corpus Reformatorum (v. 57). Ioannis Calvini Opera Quae Supersunt Omnia, Guilielmüs Baum; Edüardüs Cünitz; Edüardüs Reüss, eds., Brunsvigae:  Apud C.A. Sohwetschke et Filium, 1885, v. 29, col. 175).

[9] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Edições Parakletos, 2002, v. 3, (Sl  102.21), p. 581.

[10] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 12.5), p. 403. 

[11] Cf. John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 2.4), p. 99. Do mesmo modo: John Calvin Collection,  [CD-ROM],  (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Mq 4.3), p. 101.

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