A Pessoa e Obra do Espírito Santo (94)

h) Justiça insuficiente

Queremos enfatizar um ponto: Mesmo havendo extensa e intensa orientação para que guardemos a Palavra de Deus e busquemos a justiça, a nossa certeza é a de que somos salvos, declarados justos, pela misericórdia de Deus. Estamos sedentos e famintos por justiça porque a nossa jamais será adequada ao padrão divino.

    Daniel ora a Deus confiando unicamente na misericórdia de Deus, não em sua suposta justiça: “Inclina, ó Deus meu, os ouvidos e ouve; abre os olhos e olha para a nossa desolação e para a cidade que é chamada pelo teu nome, porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças (hq’d’c..)(tsedaqah), mas em tuas muitas misericórdias” (Dn 9.18). Esta deve ser também a expressão de nossa fé.

    Deus nos educa na justiça por meio da Sua Palavra. Todavia, devemos ter consciência de que os atos de justiça praticados por nós, crentes em Cristo, ainda que sejam agradáveis a Deus – quando feitos, conforme as Escrituras, acompanhados de fé, e objetivem a glória de Deus –, não são suficientes para a nossa salvação em Cristo.

    Esta é a compreensão do salmista: “Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste os meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não requeres” (Sl 40.6).

    A insuficiência não está relacionada a uma suposta “quantidade” de obras, como que sugerindo o seguinte pensamento pecaminoso: “de fato, os meus atos de justiça não podem me salvar, porque os tenho praticado pouco; tenho que aumentar a minha prática na justiça, a fim de que possa ‘pagar’ a minha salvação”. Não! o que estamos dizendo é que as nossas obras, por “maiores” e “melhores” que sejam aos olhos dos homens, jamais serão adequadas ou suficientes para a nossa salvação.

    A constatação de Jó é cristalina: “Na verdade, sei que assim é; porque, como pode o homem ser justo (qd;c’) (tsadaq) para com Deus?” (Jó 9.2).[1] Por isso, a súplica do salmista: “Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo (qd;c’) (tsadaq) nenhum vivente” (Sl 143.2).

     A nossa justiça está em Deus. “….Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado: SENHOR, Justiça Nossa” (Jr 23.6).

    Por certo, devemos nos aplicar na prática da justiça; entretanto, devemos ter em nosso coração a certeza de que a nossa salvação é exclusivamente um ato gracioso de Deus por meio das obras da Trindade:

Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos os homens, não por obras de justiça (dikaiosu/nh), praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo nosso salvador.(Tt 3.4-6).

    “Ainda que todos os santos aspirem a justiça de Deus, é Cristo tão-somente aquele que é plenamente capacitado a fazer a vontade de Deus”, afirma Calvino.[2]

    Neste contexto (Tt 3.4-6), Paulo não está admitindo a existência de alguma “boa obra” feita por nós, visto que diante de Deus todos somos pecadores e “todas as nossas justiças como trapo da imundícia” (Is 64.6). O que ele declara é:

  1. Negativamente: Que a nossa salvação não se ampara em uma hipotética obra de justiça que porventura tenhamos praticado (o que de fato não ocorreu) e,
  • Positivamente: Que a nossa salvação fundamenta-se na bondade misericordiosa de Deus, que se manifestou de forma completa em Cristo Jesus, o nosso Salvador. Deus sempre se antecipa a nós com a sua graça misericordiosa. “Deus jamais encontrará em nós algo digno de seu amor, senão que Ele nos ama porque é bondoso e misericordioso”, rejubila-se Calvino.[3]

    Paulo e João falam respectivamente sobre o amor propiciatório e antecedente de Deus: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”(Rm 5.8). “Nós o amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19).

Maringá, 21 de janeiro de 2021. Rev. Hermisten Maia Pereira


[1] Vejam-se também: Jó 4.17; 15.14; 25.4.

[2]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, (Hb 10.7), p. 259.

[3] J. Calvino, As Pastorais, (Tt 3.4), p. 347.

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