A Pessoa e Obra do Espírito Santo (470)

7. O  Ministério eficaz do Espírito em nossa vida diária

O que o ar é para a natureza física do homem, o Espírito Santo é para a sua natureza espiritual. Sem o ar os nossos corações morrem; sem o Espírito Santo as nossas almas morrem. – Abraham Kuyper.[1]

            Muitas vezes, a impressão que se tem da Igreja, é a de que ela se esquece da realidade concreta da presença e ação do Espírito no seu dia a dia. Na realidade diária de cada um, com demasiada frequência, o Espírito parece mais uma premissa teológica que tem pouca ou nenhuma relação com o nosso hoje existencial, que é marcado por diversas lutas, angústias, incertezas, vitórias e frustrações.

            Por outro lado, há alguns crentes que, apesar de sinceros em sua fé, não são esclarecidos e, por isso, invocam o Espírito como se ele ainda não tivesse batizado a Igreja definitivamente no Pentecoste. Vivem como se o Espírito não fosse um fato real em nós, que somos o seu Templo (1Co 3.16,17; 6.19).

            O que a Escritura nos ensina é que o Espírito está presente em nós, e que Ele age na Igreja como Comunidade (organização) e, também, age eficaz e poderosamente na vida individual de cada crente (Igreja como organismo).

            Na sequência, vamos pontuar alguns aspectos dessas operações do Espírito, realçando aspectos já tratados e destacando outros.

7.1. Reprova-nos e se entristece com os nossos pecados (Jo 16.7-8; Ef 4.30/Is 63.10).[2]

            Todas as vezes que pecamos, agimos de forma contrária aos ensinamentos da Palavra de Deus, entristecemos o Espírito Santo. Ele manifesta o seu desagrado, de modo externo: por meio da Palavra de Deus. Interno: por intermédio da nossa consciência.[3]

   O Espírito também se entristece conosco quando caminhamos de modo contrário ao propósito de Deus para nós, que é a santificação (1Ts 4.3/2Ts 2.13); quando as obras da carne estão cada vez mais evidentes em nossa vida e o fruto do Espírito parece mais distante do nosso procedimento (Gl 5.16-26).

            O entristecimento do Espírito, se por um lado revela o nosso pecado, por outro, fala-nos do seu relacionamento pessoal conosco e de seu invencível amor, que não se intimida, nem se acomoda com a nossa desobediência, antes, se expõe, nos atraindo para si em amor. A possibilidade real da tristeza do Espírito por causa de nosso pecado relaciona-se ao fato de que Ele nos ama.[4]

            Deste modo, como temos enfatizado, as operações graciosas de Deus não nos devem conduzir à falsa ideia de viver comodamente, deixando Deus realizar a obra enquanto  eu cuido de meus interesses pessoais. A obra de Deus, que é boa em sua própria essência, envolve o uso diligente dos recursos que Deus mesmo coloca à nossa disposição para o nosso crescimento.

     O Espírito aplicou os méritos salvadores de Cristo em nosso coração e, nos preserva íntegros até o fim. Nele fomos “selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Pelo fato do Espírito ser Santo, ele nos quer preservar em santidade até o dia da redenção (Ef 1.13-14).

  7.2. Ensina-nos por meio da Palavra, guiando-nos à verdade

O Espírito nos chama por meio da Palavra. Para muitos crentes, este chamamento poderá parecer o clímax da vida cristã, no entanto, é apenas o início. A conversão não é o final de uma corrida, antes é a “largada”.

            O Espírito que nos chama, continua agindo em nós, nos guiando à verdade e à compreensão desta mesma verdade, nos instruindo por intermédio da Palavra de Deus, para que a cumpramos, a fim de que ela seja de fato a norma para a nossa vida. O novo nascimento é “o começo de um caminho de vida”.[5]

            O Espírito deve ser o orientador dos nossos projetos, o iluminador dos nossos sonhos e o diretor de nossas realizações. Ele nos conduz à verdade, fazendo-nos compreendê-la concedendo-nos força para cumpri-la à risca (Vejam-se: Sl 119.1-5/Jo 14.26; 16.13; Ef 6.17; Ap 2.7,11, 17).

            Horton, resume esse aspecto: “O papel do Espírito é tornar a Palavra exterior uma realidade vivenciada e aceita interiormente, não oferecer uma gnose superior ou suplementar à própria Palavra”.[6]

7.3. Consola-nos

O Espírito nos consola, fortalece e ajuda em todas as nossas dificuldades, nos estimulando à ação. Ele age em nós como Jesus agiu com os seus discípulos e ainda age por nós (Jo 14.26; 15.26/14.16; 1Jo 2.1).[7]

            Mas, além de nos consolar, Ele nos desafia à luta, ao testemunho fiel de nossa fé. Lucas registra que a igreja “edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no conforto (para/klhsij) do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31).

            O estímulo do Espírito é por si só desafiante e consolador. Paulo nos diz que “…. tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação (para/klhsij) das Escrituras, tenhamos esperança. Ora, o Deus da paciência e da consolação (para/klhsij) vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus….”(Rm 15.4-5).

            Lembremo-nos de que foi o Espírito quem fez registrar as Escrituras (2Tm 3.16; 2Pe 20-21). Ele, como Deus que é, na inspiração das Escrituras, providenciou o nosso conforto, consolo e estímulo.

            Barclay (1907-1978), recorrendo à literatura grega, faz uma analogia muito oportuna:

Repetidas vezes, achamos que parakalein é a palavra do sinal de reagrupamento; é a palavra usada dos discursos dos líderes e dos soldados que se animam mutuamente a avançarem. É a palavra usada a respeito de palavras que fazem com que soldados e marinheiros medrosos, temerosos e hesitantes entrem na batalha com coragem. Um paraklêtos é, portanto, um encorajador, uma pessoa que injeta coragem nos acovardados, que anima o braço fraco para a luta, que leva um homem muito comum a lidar heroicamente com uma situação perigosa e arriscada.

Aqui, pois, temos a grande obra do Espírito Santo. Expressando-a em linguagem atual, o Espírito Santo capacita os homens a lidarem com a vida. O Espírito Santo é, na realidade, o cumprimento da promessa.[8]

            Jesus prometeu aos discípulos “outro Consolador”. Agora eles tinham a Jesus fisicamente ao seu lado, quando viesse o Espírito, eles teriam dois Consoladores (Advogados): Jesus Cristo no céu e o seu Espírito neles (Jo 14.16-17).

            Hoje, nós continuamos desfrutando desse mesmo conforto, fortalecimento e ânimo, a saber: do Espírito em nós e de Cristo no céu por nós (1Jo 2.1/Rm 8.34; Hb 7.25). Ferguson comenta: “Tão plena é a união entre Jesus Cristo e o Parácleto, que a vinda deste é a vinda do próprio Jesus Cristo no Espírito”.[9]


 Maringá, 06 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit,Chattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 116.

[2] 7 Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei.  8 Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.7-8). “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Mas eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo, pelo que se lhes tornou em inimigo e ele mesmo pelejou contra eles (Is 63.10).

[3] “Uma consciência educada e sensível é um monitor de Deus. Ela atenta para as qualidades morais do que fazemos ou planejamos fazer, condena a ilegalidade e irresponsabilidade e faz com que nos sintamos culpados, envergonhados e temerosos da futura retribuição que, segundo ela, merecemos quando nos permitimos desafiar seus limites. A estratégia de Satanás é corromper, tornar insensível e, se possível, matar a nossa consciência. O relativismo, materialismo, narcisismo, secularismo e hedonismo do mundo ocidental contemporâneo lhe presta grande ajuda neste sentido. Sua tarefa é ainda mais facilitada pelo modo como as fraquezas morais do mundo foram aceitas na igreja contemporânea” (J.I. Packer, A Redescoberta da santidade,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 120).

[4]“Podemos magoar ou irar alguém que não nos tem afeição, mas entristecer podemos só quem nos ama” (Billy Graham, O Espírito Santo,São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 123).

[5] Hendrikus Berkhof, La Doctrina del Espíritu Santo,Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas; Editorial La Aurora, 1969, p. 78.

[6] Michael Horton, Doutrinas da fé cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 795.

[7]A palavra grega traduzida no Evangelho de João por “Consolador”, (Para/klhtoj) (Jo 14.16,26; 15.26) – que é usada unicamente por João no NT. –, é a mesma que é traduzida na Epístola de João, por “Advogado” (1Jo 2.1) (ARA, ARC, ACR, BJ). Para um estudo detalhado desta palavra, Veja-se: W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento,p. 153-158; Johannes Behm, Para/klhtoj: In: G. Friedrich; G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, v. 5, p. 800-814.

[8] W. Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 157.

[9] Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 74.

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