A Pessoa e Obra do Espírito Santo (95)

                    g) Aconselha-nos

Em 336 a.C., Ctesifonte, cidadão ateniense, propôs, possivelmente de forma ilegal, que o povo de Atenas concedesse uma coroa de ouro ao orador Demóstenes pelos seus serviços prestados à pátria no período crítico da imposição macedônia. Ésquines, no entanto, partidário de outro grupo político, é contrário a tal premiação, argumentando de forma contundente. O processo se arrastou por seis anos. O debate público seria inevitável. Após o discurso de Ésquines, Demóstenes (c. 384-322 a.C.) apresentou a sua defesa, reconhecendo a dificuldade visto falar em causa própria. Assim temos a origem da obra A Oração da Coroa. Já no segundo parágrafo de seu discurso o hábil orador deseja ter dos seus ouvintes, “ouvidos benignos” para com a sua fala.[1] Ele foi coroado. Obter ouvidos benignos nem sempre é uma tarefa fácil e simples. 

    O apóstolo Paulo antes de ser um escritor profícuo, era um ouvinte interessado. Como sabemos, saber ouvir é mais do que simplesmente ficar calado. Paulo sabia ouvir, analisar o que ouviu e agir. Sabemos que, por vezes, é muito difícil ouvir àqueles que aparentemente, em parte pelo nosso preconceito, nada nos tem a acrescentar. Em Eclesiastes lemos esta constatação: “….melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada, e as suas palavras não são ouvidas” (Ec 9.16). Por sua vez, continua Salomão: “As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos” (Ec 9.17).

    Dentro de outra perspectiva, notamos biblicamente que os salmistas, entre tantos outros servos de Deus, em suas angústias, diversas vezes se alimentavam na certeza de que Deus ouve as suas orações.

     “Tens ouvido ([m;v’) (shama),[2] SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás” (Sl 10.17), expressa o salmista de modo confiante a sua fé.  Ainda que sejamos tentados em nossa precipitação a achar que Ele está distante ou muito ocupado, Deus sempre ouve com atenção as nossas súplicas. É o que demonstra Davi em outro Salmo: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste ([m;v’) (shama) a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22).[3] 

Deus nos deu a sua Palavra e, nos concedeu seus ouvidos para que possamos falar com Ele. A sua Palavra deve ser o estímulo e o conteúdo de nossas orações.

Como Pai, Deus nos escuta atentamente quando nos dirigimos a Ele com fé e, até mesmo, por vezes, em nossos desatinos e confusões espirituais.

    A Palavra de Deus se torna fundamental para a nossa santificação, aconselhando-nos. O conselho de Deus nunca está restrito às circunstâncias e à nossa ótica, tantas vezes dominada pelas paixões. O seu conselho objetiva sempre o melhor. O melhor que Deus tem é o absolutamente melhor do que tudo: Deus almeja a sua glória, por meio da qual nós nos realizamos como seu povo.

    O salmista exulta: “Bendigo o SENHOR, que me aconselha (#[;y”) (yâ‛ats);[4] pois até durante a noite o meu coração me ensina” (Sl 16.7).

Davi bendiz a Deus considerando que Ele nos acompanha sempre nos aconselhando. Os deuses pagãos, por sua vez, criados pela imaginação pecaminosa humana, são inertes e inermes.

O nosso Deus é Rei e Pastor. Ele age e fala como lhe apraz, nos conduzindo em segurança:

2Por que diriam as nações: Onde está o Deus deles? 3No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada.  4 Prata e ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens.  5 Têm boca e não falam; têm olhos e não veem;  6 têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram.  7 Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta.  8 Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam.  9 Israel confia no SENHOR; ele é o seu amparo e o seu escudo. (Sl 115.2-9/Sl 135.1-21).

Davi tem a Deus como o seu conselheiro, Aquele que o instrui constantemente.[5]“Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei conselho (#[;y”) (yâ‛ats)(Sl 32.8).

    Deus nos acompanha sempre, nos mantendo sob seus olhos, nos aconselhando.

          A questão nossa é: Em quem buscamos os nossos conselhos? A escolha de nosso conselheiro revela, muitas vezes, o tipo de conselho que queremos ter.

Podemos não querer buscar conselho com os nossos pais porque cremos saber o que eles nos dirão e, pensamos que o que vamos ouvir é justamente o que não queremos fazer. Podemos, do mesmo modo, não buscar orientação nas Escrituras porque pensamos saber o que elas nos dirão e, sinceramente, não estamos interessados no que nos será proposto.

Packer, escreveu com discernimento:

O Espírito nos guia ajudando-nos a entender as diretrizes bíblicas, dentro das quais devemos nos manter, as metas bíblicas que devemos mirar e os modelos bíblicos que devemos imitar, bem como os maus exemplos que devemos tomar por advertência.

Ele nos guia por meio da oração e do conselho dos outros, dando-nos sabedoria para melhor seguirmos os ensinamentos bíblicos.[6]

Aprendemos nas Escrituras que a fonte do conhecimento e da sabedoria está em Deus, Quem não precisa de conselho:

Com quem tomou ele conselho (יעץ) (yâ‛ats), para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu  (למד)(lâmad) na vereda do juízo, e lhe ensinou (למד) (lâmad) sabedoria (דּעת) (da‛ath), e lhe mostrou o caminho de entendimento? (Is 40.14).

Jó declara extasiado a sabedoria de Deus nos seus conselhos: “Como sabes aconselhar (יעץ) (yâ‛ats) ao que não tem sabedoria e revelar plenitude de verdadeiro conhecimento!” (Jó 26.3).

O objetivo de toda a instrução de Deus é para que lhe sejamos obedientes. A obediência, contudo, deve ser vista não como algo que seja essencialmente bom para Deus, como se Ele precisasse dela, antes, é para o nosso bem.

    Deus exorta por meio do salmista: “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem (קרב)(qârab) (Sl 32.9).

A ideia aqui de obedecer é a de estar próximo; ter uma relação de proximidade e intimidade.[7] Deus deseja que o obedeçamos com inteligência, tendo a percepção correta de que os seus mandamentos se constituem no melhor que há para a nossa vida.  “A fé, quando é conduzida à obediência a Deus, mantém nossas mentes fixas em sua palavra”, instrui-nos Calvino.[8]

    As Escrituras nos mostram que o nosso maravilhoso conselheiro é o próprio Senhor que nos fala por meio de sua Palavra.

Maringá, 22 de janeiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Demóstenes, A Oração da Coroa, Rio de Janeiro: Edições de Ouro, (s.d.), p. 19.

[2] A palavra quando se refere a Deus como aquele que ouve, tem o sentido de ouvir e responder.

[3]8Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (Sl 6.8-9).

[4] A palavra pode ter também o sentido de determinação, desígnio de Deus o qual não pode ser frustrado (Is 14.24-27; 19.17; 23.8,9).

[5]“Davi não só atribui a Deus o princípio da fé, mas também reconhece que ele está constantemente fazendo progresso sob sua instrução; e deveras é necessário que Deus, durante todo o curso de nossa vida, continue a corrigir a vaidade de nossas mentes, acendendo a luz da fé numa chama mui resplandecente, e por todos os meios elevar-nos o mais alto possível na obtenção da sabedoria espiritual” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 16.7), p. 316).

[6]J.I. Packer,  O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus,  2005, p. 116.

[7] Ver: Leonard J. Coppes, qãrab: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1367.

[8]João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Parakletos, 1999, v. 2, (Sl 38.10), p. 184.

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