Uma oração intercessória pela Igreja (125)

8.4. Cristo como cabeça da Igreja e a nossa responsabilidade[1]

            “22E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23 a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23).

            Estes versos aludem a algumas verdades que queremos destacar. Me concentrarei  em uma delas:

  1. É-nos dito que Cristo é o Senhor de todas as coisas. Tudo está debaixo de seus pés. Toda a realidade está sob o seu domínio. Conforme já dissemos, Ele governa todas as coisas, conhecidas e ignoradas por nós, visíveis e invisíveis. O seu domínio não está limitado à nossa compreensão e abrangências do real: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés” (Ef 1.22). Deste modo, o universo, as incontáveis galáxias, a história, os governantes, os pássaros e os fios de cabelo que caem, aquilo que ocupa a sua mente neste momento e inquieta o seu coração, nada escapa ao seu poder e controle. Nada lhe é indiferente. Nada lhe é estranho.

        A abrangência de seu domínio, não exclui a particularidade de seu poder e controle. Isso também envolve a Satanás e os seus anjos. Não há poderes neste mundo, nem no porvir que estejam fora da esfera de domínio do Senhor ressurreto.

  1. A glória de Cristo se tornará plena e completa por meio da Igreja, quando Ele mesmo consumar a obra, enchendo a igreja e sendo cheio por ela em alegria e amor (Ef 1.23). A obra é dele mesmo, como fonte da graça, por meio da igreja.[1]

2. Ele é Senhor do universo. No entanto, a sua providência é especialíssima,[1] se manifestando no seu cuidado amoroso para com a Igreja, que é o seu corpo. A Igreja como Israel de Deus é a menina dos seus olhos (Zc 2.8/Dt 32.10). Esta certeza faz parte essencial da fé cristã. Deus preserva a Igreja em todas as circunstâncias. Mesmo nas noites mais trevosas de nossas angústias, podemos ter a certeza de que ninguém pode nos separar de Cristo (Rm 8.31-39). Estamos guardados e protegidos em suas poderosas mãos (Jo 10.28-30).[2] Esta convicção é um antídoto poderoso e eficaz contra a nossa angústia e depressão, nos capacitando resistir às tentações que procuram produzir em nós a sensação de solidão, fraqueza e desamparo. Isso é motivo de grande estímulo, conforto e alegria para todos nós.

Turretini (1623-1687) escreve de modo penetrante:

Da confiança na providência provém a mais profunda consolação e incrível tranquilidade mental para os santos. Ela os leva a repousar serenamente no seio de Deus e a encomendar-se inteiramente ao seu paternal cuidado, esperando sempre dele o bem no futuro, não duvidando de que Ele sempre cumprirá o ofício de um Pai para com eles, conferindo o bem e afastando os males; exemplos disso temos em Davi (1Sm 17.37; Sl 23.1,4,6) e em Paulo (2Tm 4.17,18). Sentem eles que sob a proteção de Deus (o qual tem todas as criaturas em seu poder), não negligenciando indolentemente os meios, nem preocupadamente pondo neles a confiança, usando-os, porém, prudentemente segundo o seu mandamento, lançam todos os seus cuidados sobre o Senhor (1Pe 5.7) e, em todas as suas perplexidades, sempre exclamam com o pai dos fiéis: “O Senhor proverá”.[1]

            Paulo diz que Jesus Cristo ressurreto, evidencia a supremacia do poder do Pai e do Filho, sendo constituído o cabeça sobre todas as coisas e, como evidência disso, o Pai o deu à Igreja. Do mesmo modo, escrevendo aos Colossenses, afirmou: 9porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. 10Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade” (Cl 2.9-10).

            A Igreja é comandada por Cristo como o cabeça e, ao mesmo tempo tem a sua vitalidade em Cristo como a cabeça. Ele é que é o cabeça, quem comanda e dirige a Igreja e, é a cabeça quem a completa em um único Corpo. Aqui temos um sentido escatológico visto que “Cristo não pode ser perfeito como um Cristo místico, a menos que seus membros sejam ressuscitados com ele”.[2]

            Paulo quando usa a metáfora da Igreja como Corpo, aplica a singularidade do nome de Cristo: “Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo” (1Co 12.12). A força e vitalidade da Igreja estão na cabeça que é Cristo. Paulo não trata da glória da Igreja divorciada da glória de Cristo porque isso seria impossível. Por isso é que antes de falar da igreja ele já tratou da Pessoa de Cristo (Ef 1.3-13).

            Sem esta compreensão, a Igreja se perderá em seus descaminhos fruto de uma compreensão errada de sua natureza e propósito. A Igreja está unida a Cristo em uma santa e perpétua união.[3] Por isso, “toda teologia, quando alienada de Cristo, é não só vã e confusa, mas também nociva, enganosa e espúria”, comenta Calvino.[4]

Não podemos falar do corpo em detrimento de sua cabeça.[5] Fazer esta separação significa dilacerar, esquartejar o Corpo de Cristo e, consequentemente a Cabeça. Sem Cristo a igreja está morta. Todos os nervos, veias e músculos estão conectados à cabeça, que lhes comanda. Não há vida real fora do cérebro. Do mesmo modo, na Igreja, não há vida fora de Cristo. Não há independência. Tratar da igreja à revelia de Cristo é fazer uma autópsia de um corpo morto. A nossa união não é mecânica, nem artificial, antes, é orgânica e vital. Somos unidos e guiados pelo mesmo Espírito, em um só corpo, cuja cabeça é Cristo.[6]

Maringá, 05 de agosto de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: B.B. Warfield, O Plano da salvação,  Rio de Janeiro; São Paulo: Thomas Nelson Brasil; Pilgrim, 2021, p. 94-97.

[2]Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 351.

[3]“Pensar em Cristo sem a igreja é separar o que Deus uniu em santa união” (Joel Beeke, Coisas Gloriosas são ditas sobre Ti. In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 33).

[4]João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.6), p. 93.

[5] Vejam-se as pertinentes observações de Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, São Paulo: ASTE., 1970, p. 330-331.

[6] “É-nos suficiente saber que Cristo e seu povo são realmente um. São tão verdadeiramente um como a cabeça e os membros do mesmo corpo, e pela mesma razão; são envolvidos e animados pelo mesmo Espírito. Não se trata meramente de uma união de sentimentos, ideias e interesses. Esta é só a consequência da união vital na qual as Escrituras põem tanta ênfase” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1004).


[1]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 676.


[1]Veja-se: J. Calvino, As Institutas, I.17.6.

[2] É muito sugestiva a análise do uso bíblica da expressão “mão de Deus”, demonstrando como o Deus pessoal cuida de seu povo dentro das categorias tempo e espaço, bem como além e depois (Veja-se: Francis A. Schaeffer, Não Há Gente Sem Importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31-41).


[1]Sobre este capítulo, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Cosmovisão Reformada, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2017.

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