Uma oração intercessória pela Igreja (121)

         8.3. É preservada por Cristo   (Continuação)

             Considerando a astúcia de Satanás, temos que admitir que ele tem um bom discernimento do tempo, do momento adequado. Ele procura agir sempre na hora mais propícia para obter vantagem dentro dos seus propósitos.

           O Novo Testamento ilustra o que estamos dizendo: Quando Jesus sentiu fome; Satanás o tenta com pão (Mt 4.2,3). Após a série de tentações de Jesus no deserto, Satanás se retira estrategicamente até o momento “oportuno” (kairo/j)[1](Lc 4.13).

            Quando Cristo falou aos seus discípulos que era preciso que Ele fosse preso e morto, Satanás, certamente considerando que este era o momento próprio, usa a Pedro – que havia acabado de confessar a Jesus como o Cristo – para tentar o Senhor. (Mt 16.21-23). Percebam, portanto, a sua ousadia e, vejam também, algumas de suas limitações: Ele não é onisciente nem onipotente.[2]

            Calvino é enfático:

Satanás labora muito mais do que imaginamos para banir de nossas mentes, por todos os meios possíveis, a fé na sã doutrina; e visto que nem sempre é fácil fazer isso através de um franco ataque à nossa fé, ele se arma contra nós secretamente e pelo uso de métodos indiretos e a fim de destruir a credibilidade de seu ensino, ele desperta suspeitas acerca da vocação dos santos mestres.[3]

Satanás, furtivamente, se move sobre nós e gradualmente nos alicia por meio de artifícios secretos, de modo tal que quando chegamos a extraviar-nos, não nos apercebemos de como o fizemos. Escorregamo-nos gradualmente, até finalmente nos precipitarmos na ruína.[4]

            Pouco mais de trinta anos depois dessa experiência, Pedro, inspirado por Deus, instrui as igrejas da Dispersão, dizendo que Satanás anda em derredor, como um leão rugindo continuadamente, procurando quem possa atacar (1Pe 5.8).[5] Ele está atento, vigilante, arquitetando seu plano para nos pegar, nos enlaçar.

            Calvino escreveu:

Quando Satanás é chamado o deus e príncipe deste mundo, quando é designado como o valente armado, o espírito a quem pertence o poder do ar, leão a rugir (2Co 4.4; Jo 12.31; Mt 12.29; Ef 2.2.; 1Pe 5.8), estas representações não contemplam  outra cousa senão a que sejamos mais cautos e vigilantes, vale dizer, mais preparados para travar luta, o que, por vezes, até se expressa em termos explícitos.[6]

            Ele procura aperfeiçoar as suas técnicas, observa também a nossa maneira de pensar, agir e responder, verificando os nossos pontos visivelmente mais resistentes e analisando as situações mais apropriadas.

           Satanás é bastante eficiente em suas estratégias, se valendo de múltiplas e variadas armadilhas bem camufladas com coisas que nos atraem e seduzem. E, como não tem nada a perder, não se constrange em reaparecer diversas vezes com novas e antigas provocações.

            Ele não tem nenhuma pressa que o conduza à afobação; sabe esperar para dar o bote, no momento que considera “oportuno”. E, se há alguma coisa que satanás tem, é o senso de tempo, de oportunidade, ele é um “perito”[7] em tentar;[8] por isso, não nos iludamos, Satanás está à espreita de forma vigilante, aguardando e propiciando as suas condições favoráveis de ataque.[9]

            Packer (1926-2020), nos fala sobre isso:

Se formos vigilantes contra Satanás em um ponto da muralha de nosso viver, ele tentará rompê-la em outro ponto, esperando por um momento quando nos sentirmos seguros e felizes, e quando, provavelmente, nossas defesas estarão fracas. Assim prosseguem os seus ataques, o dia inteiro e todos os dias.[10]

            No Apocalipse lemos que Satanás sabe do pouco tempo que lhe resta (Ap 12.12/Mt 25.41),[11] daí a sua urgência devoradora, que obedece sempre a sua estratégia. Quanto a nós, devemos estar atentos constantemente (1Pe 5.8), cuidando para não dar “lugar ao diabo” (Ef 4.27).

            Murray nos alerta:

O reconhecimento da presença de Satanás é extremamente importante. Ele mantém diante de nós o fato de que o mal não é meramente uma ideia, mas um grande poder pessoal. Ensina-nos que os erros em relação ao evangelho não é um engano inocente, mas são enganos demoníacos: há cristos falsos e evangelhos falsos. A existência de Satanás, como dirigente de todos os homens e mulheres não-regenerados, é, também, prova de que a diferença entre cristãos e não-cristãos é absoluta e radical.[12]

Maringá, 05 de agosto de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]A ideia da palavra no contexto sugere “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Veja-se: Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15).

[2] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

[3]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.11), p. 210.

[4]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 151-152.

[5] “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar” (1Pe 5.8).

[6]J. Calvino, As Institutas, I.14.13; Veja-se também:  J. Calvino, Efésios, (Ef  6.12-13), p. 188-191.

[7]O verbo peira/w que traduzimos por tentar (O substantivo é peira/zw, tentação) é de onde provém o termo latino “peritus”, português “perito”, aquele que tem perícia, habilidade, destreza, instrução; sabe por experiência, experimentado. Aliás, esta era uma das conotações de peira/w no grego secular, indicando “saber por experiência” (Vejam-se: H. Seesemann, peira/w: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds., Theological Dictionary of the New Testament, v. 6, p. 23-36; peira/zw: In: William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 2. ed. Chicago: University Press, 1979, p. 640).

[8] Como diz Packer: “Satanás testa o povo de Deus ao manipular as circunstâncias dentro dos limites que lhe são permitidos por Deus” (J.I. Packer, Tentação: In: J.D. Douglas, editor org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo, SP.: Junta Editorial Cristã, 1966, v. 3, p. 1581).

[9] “Satanás é um inimigo terrível. E por isso não nos convém ser negligentes, visto que ele jaz sempre à espreita contra nós, buscando de todos os lados apoderar-se de nós; e, como se nunca espiasse por um orifício tão pequeno, daqui a pouco tira vantagem de entrar, sem aparentar que lhe haja alguma fresta aberta; e, no entanto, podemos ser levados tardiamente antes de ter consciência disso” (João Calvino, Sermões sobre Gálatas, Brasília, DF.: Monergismo, 2022, v. 1, p. 18 (Edição do Kindle). “Nosso inimigo procura constantemente nos destruir, e, quando achamos estar totalmente seguros, esse poderá ser o tempo de maior perigo” (Philip G. Ryken, Quando os problemas aparecem, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2018, p. 71-72).

[10]J.I. Packer, Vocábulos de Deus,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 83.

[11]“Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (Ap 12.12). Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41).

[12]Iain Murray, A controvérsia não resolvida: unidade com não-evangélicos, São Paulo: Os Puritanos, 2002, p. 38-39.

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