Uma oração intercessória pela Igreja (110)

        7.4.4.4. O poder de Deus na sustentação de seus servos (Continuação)

           Poder absoluto e poder ordenado

            A soberania de Deus se manifesta no fato dele poder fazer tudo o que faz (poder ordenado) e mesmo aquilo que não realiza, visto que não determinou fazê-lo (poder absoluto). O poder absoluto de Deus envolve o seu poder ordenado.[1] E o poder ordenado delimita o poder absoluto pela própria decisão restritiva de Deus: quando Deus decide fazer o que faz, delimitou a sua ação de forma que não mais pode fazer o que não determinou fazer. O poder de Deus é sempre condizente com a totalidade de seus atributos.

         Deus exerce o seu poder no cumprimento do que decretou e nas obras da providência. Aliás, as obras da providência consistem na execução temporal dos decretos eternos de Deus.[2]

         Contudo, o que Deus realiza não serve de limites para o seu poder. “Destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão”, adverteJoão Batista aos arrogantes descendentes da carne, mas, não da fé de Abraão (Mt 3.9).

          Na Criação  e preservação temos uma magnífica amostragem da majestade de Deus e de seu poder, não, contudo, a totalidade. O poder de Deus transcende infinitamente o seu poder revelado. O seu poder é maior do que tudo o que criou. Todavia, o seu poder sempre será, em ato e potência, consoante com as suas eternas perfeições.[3]

            É este poder que Deus exerce na vida de seus servos. Paulo ora no sentido de que desfrutemos da consciência da realidade deste poder.

            1) Deus é poderoso para socorrer e manter de pé os seus servos, mesmo aqueles aos quais consideramos fracos.

            Na cidade Roma, onde Paulo desejava visitar para compartilhar a Palavra com a igreja (Rm 1.11-12),[4] deparamo-nos com crentes fiéis (Rm 1.8),[5] mas que, como em toda igreja local enfrentavam as dificuldades próprias de uma vida em sociedade. Em Roma temos uma “igreja mista” composta de judeus e gentios, ambos os grupos constituídos por crentes sinceros em Jesus Cristo. No entanto, dentro de um critério puramente ritualístico baseado em costumes frutos de preconceitos sem fundamento bíblico, vemos que alguns irmãos discriminavam outros pelo fato de comer carne e legumes ou somente legumes.

            Paulo, então os aconselha pastoralmente, revelando entre outras coisas a suficiência do poder misericordioso de Deus: “Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso (dunate/w) para o suster” (Rm 14.4).

            Amparado no modelo de Cristo, o apóstolo admoesta a toda a congregação a procurar a paz e a edificação recíproca considerando, inclusive, a grandeza da obra de Deus:

17 Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. 18 Aquele que deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens. 19 Assim, pois, seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros. 20 Não destruas a obra de Deus por causa da comida. Todas as coisas, na verdade, são limpas, mas é mau para o homem o comer com escândalo. (Rm 14.17-20).

1Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debilidades dos fracos e não agradar-nos a nós mesmos. 2 Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação. 3 Porque também Cristo não se agradou a si mesmo; antes, como está escrito: As injúrias dos que te ultrajavam caíram sobre mim. (Rm 15.1-3).

            Vemos algo no texto que também arrefece de forma decisiva a nossa tentativa orgulhosa de nos julgarmos autônomos, fortes, suficientes e, mais ainda: autossuficientes. Deus em sua misericórdia sustenta aos que consideramos fracos e, curiosamente, a nós também, que somos fracos, contudo, não nos víamos assim.

            Olhando desta perspectiva, podemos, então, encontrar grande alento no poder de Deus. O nosso Senhor em sua majestosa soberania nos fortalece em meio às nossas fraquezas e, até mesmo em nossa pretensa suficiência, que nada mais é do que a pretensão insana de um fraco sem nenhuma consciência.

            Na realidade, os frágeis em sua fé, precisam ser fortalecidos. Deus mesmo os fortalecerá. Um dos meios certamente utilizados por Deus passa pelo acolhimento da igreja conforme o apóstolo orienta: “Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões” (Rm 14.1). A Igreja é uma comunidade acolhedora, não para fazer concessões, mas, para apresentar a inteireza do Evangelho a pessoas sofridas, caídas, desamparadas e arrogantes. Todos precisam do Evangelho que fale da majestade de Deus, pecado humano, juízo, graça e misericórdia. Na igreja, todos sabem, ou pelo menos devem saber bem, o que isso significa.

            É neste sentido que Paulo ora, para que Deus cumpra o seu propósito na vida dos tessalonicenses a fim de que Deus seja glorificado neles no regresso de Cristo:

Por isso, também não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos da sua vocação e cumpra com poder (du/namij) todo propósito de bondade e obra de fé, a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vós, e vós, nele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo. (2Ts 1.11-12).

Maringá, 31 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Vejam-se: Stephen Charnock, The Existence and Attributes of God, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Two Volumes in one), 1996 (Reprinted), v. 2, p. 12; Herman Bavinck, Dogmática Reformada:  Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 252ss.; Agostinho, A Cidade de Deus contra os pagãos, 2.ed. Petrópolis, RJ.;  São Paulo: Vozes;  Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. 1, 5.10, p. 204-205; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 335-336.

[2]No Catecismo Maior de Westminster(1647) temos a pergunta 14: “Como executa Deus os seus decretos?”. Responde: “Deus executa os seus decretos nas obras da criação e da providência, segundo a sua presciência infalível e o livre e imutável conselho da Sua vontade”. (Veja-se também: Agostinho, A Trindade,São Paulo: Paulus, 1994, III.4.9.

[3]Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada:  Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 256; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 329ss.

[4] 11 Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, 12 isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha” (Rm 1.11-12).

[5]“Primeiramente, dou graças a meu Deus, mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque, em todo o mundo, é proclamada a vossa fé” (Rm 1.8).

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